Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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souberam <strong>de</strong> facto para on<strong>de</strong> iam. At<strong>é</strong> na <strong>de</strong>fesa do “solo pátrio”, o pr<strong>é</strong>mio que os esperava no<br />
regresso à paz ou à in<strong>de</strong>pendência era a pobreza. O problema do complexo b<strong>é</strong>lico-militar <strong>é</strong> este:<br />
<strong>é</strong> contraditório com a <strong>de</strong>mocracia, os direitos <strong>de</strong> cidadania e o sonho <strong>de</strong> <strong>um</strong>a civilização melhor.<br />
Do lado Bósnio, o que temos não <strong>é</strong> <strong>um</strong>a irracionalida<strong>de</strong> própria dos Balcãs. Esse arg<strong>um</strong>ento<br />
racista tem sido usado para justificar intervenções estrangeiras sobre os <strong>de</strong>stinos das populações.<br />
Intervenções que levaram à situação actual, com a aliança preciosa dos ditadores locais, cujo<br />
po<strong>de</strong>r assenta justamente no seu reconhecimento por potências europeias. O radicalismo <strong>é</strong>tnico<br />
<strong>é</strong>, ali, <strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento que toda a Europa sempre utilizou, só que levado ao extremo. Por quase<br />
toda a Jugoslávia, tamb<strong>é</strong>m muita gente com<strong>um</strong> se empenhou em concretizar os <strong>de</strong>vaneios<br />
nacionalistas e militaristas dos dirigentes locais: <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram os “solos pátrios”, diabolizaram os<br />
“outros”, e c<strong>um</strong>priram os seus “<strong>de</strong>veres para com a pátria”. O problema da ex-Jugoslávia <strong>é</strong> este:<br />
a <strong>de</strong>finição e a limpeza <strong>é</strong>tnicas são contraditórias com a <strong>de</strong>mocracia, os direitos <strong>de</strong> cidadania e o<br />
sonho <strong>de</strong> <strong>um</strong>a civilização melhor.<br />
O actual processo <strong>de</strong> paz não <strong>é</strong> o que <strong>de</strong>via ter sido, mas <strong>é</strong> o que há. A participação portuguesa<br />
faz sentido moral. Mas não <strong>de</strong>via ter ass<strong>um</strong>ido esta forma. Portugal per<strong>de</strong>u a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> imitar os outros, e <strong>de</strong> inovar, enviando, por exemplo, <strong>um</strong>a força h<strong>um</strong>anitária não<br />
militar. O “encontro <strong>de</strong> culturas” entre os “voluntários” portugueses e os “voluntários” bósniosmuçulmanos,<br />
croatas e s<strong>é</strong>rvios vai ser o encontro <strong>de</strong> gente com<strong>um</strong>. De boa gente. Uns<br />
apanhados na geo-estrat<strong>é</strong>gia <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência do seu país e n<strong>um</strong>a instituição militar que já <strong>de</strong>via<br />
ter sido questionada <strong>de</strong> alto a baixo (incluíndo a sua existência). Os outros apanhados nas<br />
vertigens dos cabos <strong>de</strong> guerra locais e no “bluff” do jogo <strong>de</strong> influências <strong>de</strong> potências Europeias<br />
e dos E.U.A.<br />
“Quem se lixa <strong>é</strong> o mexilhão, já se sabe” – conclui o empregado <strong>de</strong> balcão. Foneticamente<br />
apropriado, o nome da sua profissão....<br />
Terceira Classe<br />
(Público, 11.02.96)<br />
Instalou-se nos últimos tempos <strong>um</strong>a moda “r<strong>é</strong>tro” que, tendo a sua graça, nos dá indícios <strong>de</strong><br />
alg<strong>um</strong> mal estar na nossa socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s em o resolver atrav<strong>é</strong>s da inovação e da<br />
criativida<strong>de</strong>. Refiro-me às reedições dos livros <strong>de</strong> leitura do Estado Novo, à cartilha <strong>de</strong> João <strong>de</strong><br />
Deus oferecida no “Expresso”, e à reedição dos mapas <strong>de</strong> Portugal que <strong>de</strong>coravam as escolas<br />
primárias <strong>de</strong> há trinta anos.<br />
Parece tudo inocente. E po<strong>de</strong> sê-lo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tipo <strong>de</strong> sorriso com que o cons<strong>um</strong>idor encara<br />
os objectos. Há qualquer coisa <strong>de</strong> parecido com o uso e abuso da figura <strong>de</strong> L<strong>é</strong>nine na Rússia<br />
actual: exemplar <strong>é</strong> a “t-shirt” em que se sobrepõem a esfinge daquele com os arcos dourados da<br />
McDonald’s. Mas <strong>é</strong> diferente: na Rússia fez-se isso logo a seguir ao fim do regime, <strong>de</strong> modo a<br />
<strong>de</strong>smontá-lo atrav<strong>é</strong>s do h<strong>um</strong>or. Por cá, os referidos objectos aparecem vinte anos <strong>de</strong>pois do fim<br />
da ditadura. Para mais, o que aparece em Portugal não são apenas emblemas e símbolos <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
regime anterior. São produtos e discursos elaborados. E directamente relacionados com a<br />
Educação. Para cúmulo, o h<strong>um</strong>or está totalmente ausente, como <strong>é</strong> cost<strong>um</strong>e em paragens pouco<br />
criativas.<br />
Eles surgem no momento em que se ouvem queixas <strong>de</strong> que as crianças não sabem ler; não<br />
sabem História; muito menos Geografia. São queixas com alg<strong>um</strong>a razão, <strong>de</strong>pois da invasão da<br />
pedagogia pelas teorias acad<strong>é</strong>micas. Só que os queixosos propõem como solução <strong>um</strong>a<br />
aprendizagem da leitura em que o código <strong>é</strong> aprendido sem nenh<strong>um</strong>a relação com os significados<br />
do que se lê e escreve ou se po<strong>de</strong> vir a ler e escrever. Propõem <strong>um</strong> ensino da história cuja<br />
epítome seria a memorização dos nomes dos reis. E propõem – ao mesmo tempo que se<br />
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