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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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ficção coloca o seu autor n<strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> patamar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sresponsabilização (são as personagens<br />

que falam e agem...). Será possível <strong>um</strong>a outra forma <strong>de</strong> expressão, em que as i<strong>de</strong>ias fluam fortes<br />

e radicais, baseadas n<strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> dogmatismo subjectivo? Um belo dia, n<strong>um</strong>a carruagem <strong>de</strong><br />

metro entre o Parque e o Marquês <strong>de</strong> Pombal, ocorreu-me a expressão “Terrorismo Cultural”. E,<br />

tal como o escritor que começa a elaborar <strong>um</strong>a história a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a palavra ou título<br />

inspirador....<br />

Lição 1. Introdução ao Terrorismo Cultural<br />

1.1. O Decálogo do Terrorista Cultural<br />

1.O Terrorismo Cultural (doravante tamb<strong>é</strong>m TC) tem por base a revolta contra a hipocrisia<br />

conservadora e contra o bem-pensantismo progressista. Mas o principal inimigo do TC <strong>é</strong> a<br />

indiferença. Chama-se “Terrorismo” porque, nos dias que correm, a atitu<strong>de</strong> mais sã <strong>é</strong><br />

adoptar/adaptar os termos mais <strong>de</strong>sprezados. Se Bush elege “O Terrorismo” como seu inimigo<br />

principal, e toda a gente se sente obrigada a con<strong>de</strong>nar o terrorismo, então o TC proclama-se<br />

terrorista. Não se trata <strong>de</strong> terrorismo contra a vida das pessoas – <strong>um</strong> empreendimento estúpido e<br />

inútil, já que a maior parte das mortes não naturais são provocadas pelas instâncias que se<br />

proclamam anti-terroristas: governos, empresas, igreja, nações... Trata-se <strong>de</strong> terrorismo cultural,<br />

no sentido antropológico e mais lato do termo: terrorismo contra as crenças, os valores, os<br />

hábitos e os projectos que as instituições que temos – e muitos dos parvos que as representam –<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m.<br />

2.O Terrorismo Cultural aceita a contradição permanente. Ao contrário da dial<strong>é</strong>ctica, que<br />

percorre o espectro direita-esquerda, o TC <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que as contradições não se resolvem. Nesse<br />

sentido, o TC está mais próximo <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as filosofias orientais e <strong>de</strong> outras ditas “primitivas”<br />

que vêem a contradição como o elemento dinâmico constante da socieda<strong>de</strong>, sem outra resolução<br />

que não a sua repetição cíclica e infinita. Só não <strong>é</strong> <strong>um</strong>a filosofia oriental porque não tem<br />

paciência para orientalices babacas, nem para a forma como elas têm sido cooptadas por yuppies<br />

budistas-<strong>de</strong>-Los-Angeles e gente do new age. Só não <strong>é</strong> <strong>um</strong> elogio do primitivismo porque não<br />

tem paciência para intelectuais burgueses que se fascinam com as danças tribais no Discovery<br />

Channel e gastam <strong>um</strong>a fortuna em viagens naturalistas à Amazónia para serem picados por<br />

mosquitos.<br />

3.O TC <strong>é</strong> <strong>um</strong> bricolage <strong>de</strong> influências. Nele po<strong>de</strong> encontrar-se <strong>um</strong> pedaço <strong>de</strong> tudo: <strong>um</strong> bom<br />

pedaço <strong>de</strong> Anarquismo Libertário, tanto na vertente socialista europeia como na vertente liberal<br />

americana; <strong>um</strong> bom pedaço <strong>de</strong> Marxismo, assim como <strong>um</strong> bom pedaço <strong>de</strong> Liberalismo; pedaços<br />

<strong>de</strong> Situacionismo, <strong>de</strong> Gandhismo, <strong>de</strong> Filosofia Pragmática, <strong>de</strong> Hedonismo, <strong>de</strong> Teoria Queer;<br />

sobretudo, o TC simpatiza instintivamente com o Cinismo Realista. (O bricolage do TC não tem<br />

nada a ver com o bricolage dos pós-mo<strong>de</strong>rnos, pois o TC não tem paciência para os pósmo<strong>de</strong>rnos<br />

que cooptaram <strong>um</strong> certo potencial TC para o (<strong>de</strong>s)conforto <strong>de</strong> universida<strong>de</strong>s<br />

americanas frequentadas por filhos <strong>de</strong> narcotraficantes ou para o small print <strong>de</strong> revistas crípticas<br />

publicadas em França). Aquilo que o TC não suporta <strong>é</strong> o elogio absoluto da racionalida<strong>de</strong> ou o<br />

elogio absoluto da emotivida<strong>de</strong>; o primado da biologia ou o primado da cultura e da construção<br />

social; as pessoas que se armam em marginais ou as pessoas que se armam em sist<strong>é</strong>micas. O<br />

bricolage e a contradição permanente são aliados natos na luta cínica pelo <strong>de</strong>smascaramento dos<br />

sistemas <strong>de</strong> acção e pensamento. São do mais realista que po<strong>de</strong> haver – sobretudo porque o TC<br />

não se preocupa com a utilida<strong>de</strong>.<br />

4.A primeira virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> TC (que não se chama virtu<strong>de</strong>, pois o TC não tem paciência para as<br />

virtu<strong>de</strong>s, assim como não tem paciência para o imoralismo militante dos pensadores<br />

“marginais”) <strong>é</strong> saber gozar consigo próprio e ter prazer nisso. Não <strong>é</strong> possível aterrorizar a<br />

cultura sem se usar a si próprio como exemplo <strong>de</strong> como as coisas realmente são: bricoladas,<br />

contraditórias, irresolúveis. O projecto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal d<strong>um</strong> TC <strong>é</strong> a ausência <strong>de</strong> projecto,<br />

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