13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

trata <strong>de</strong> <strong>um</strong>a noção <strong>de</strong> senso com<strong>um</strong>. Mas, não sendo cientificamente operativa, a palavra <strong>é</strong><br />

sociologicamente operativa. Porque existe como crit<strong>é</strong>rio <strong>de</strong> exclusão para muitas pessoas e <strong>é</strong> importante<br />

que quem o usa saiba que atrav<strong>é</strong>s disso não po<strong>de</strong> discriminar ningu<strong>é</strong>m.<br />

NM – É <strong>um</strong> fenómeno perverso: ao lutar contra a discriminação, está a reproduzir-lhe os<br />

pressupostos. É <strong>um</strong>a metáfora apropriada ao problema: como <strong>é</strong> que sai disto? É possível não<br />

nomear?<br />

MVA – Depen<strong>de</strong> <strong>de</strong> como. É tudo <strong>um</strong>a questão <strong>de</strong> contexto e <strong>de</strong> circunstância. Há situações em<br />

que <strong>é</strong> importante usar <strong>de</strong>terminados termos. Na Constituição, nas leis... Depois há outras<br />

situações em que não só não <strong>é</strong> importante como <strong>é</strong> grave que se use. Por exemplo, comprei no<br />

outro dia <strong>um</strong> anti-inflamatório que tem escrito na posologia: “A população <strong>de</strong> raça negra <strong>de</strong>ve<br />

começar com 200 miligramas e só ao fim <strong>de</strong> não sei quantos dias po<strong>de</strong> passar para os 400”.<br />

Fiquei parvo a olhar para aquilo. Há contra-indicações para quem tem problemas <strong>de</strong> coagulação<br />

e há <strong>um</strong>a doença gen<strong>é</strong>tica que se chama anemia falciforme que se verifica maioritariamente<br />

entre indivíduos <strong>de</strong> origem africana – ou negros, digamos. O que seria aceitável neste caso era<br />

que a posologia mencionasse a doença, jamais a “raça”. Eu posso ter essa anemia, você po<strong>de</strong> têla...<br />

NM – Uma das gran<strong>de</strong>s discussões que se têm hoje, sobretudo na Comunicação Social, <strong>é</strong> essa.<br />

Como se po<strong>de</strong> – ou não se po<strong>de</strong> – nomear aquilo que <strong>é</strong> do ponto <strong>de</strong> vista do senso com<strong>um</strong> a<br />

“raça”. Por exemplo, como nomear <strong>um</strong> membro da cultura cigana, algu<strong>é</strong>m que, segundo essa<br />

<strong>de</strong>finição, se autoclassifica como cigano?<br />

MVA – Todas as palavras po<strong>de</strong>m ser utilizadas, excepto as que são insultuosas. Depen<strong>de</strong> do que<br />

se quer dizer. Imagine que há <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> ciganos que se reúnem n<strong>um</strong>a associação para<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os interesses dos ciganos e que se chamam assim a si próprios, tenho <strong>de</strong> aceitar que<br />

esse nome usado pelos próprios <strong>é</strong> válido.<br />

NM – A questão põe-se com mais acuida<strong>de</strong> quando se trata <strong>de</strong> reportar qualquer tipo <strong>de</strong><br />

criminalida<strong>de</strong>. E sabe-se que essa “i<strong>de</strong>ntificação racial” que os jornais, as rádios e as TVs<br />

reportam adv<strong>é</strong>m da informação policial, que a utiliza aqui como em qualquer parte do mundo<br />

por razões óbvias.<br />

MVA – Porque precisa <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar, claro, Acho que isso <strong>é</strong>, por parte da polícia, não digo<br />

admissível, mas incontornável.<br />

NM – Essa incontornabilida<strong>de</strong> esten<strong>de</strong>-se à Comunicação Social?<br />

MVA – Não. É diferente. Aliás, não aceito que a polícia o faça... Os processos <strong>de</strong> classificação<br />

são dirigidos para os grupos e as pessoas <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma minoritárias, excluídas, oprimidas e<br />

muitas vezes não há palavras para <strong>de</strong>screver os supostos brancos ou os supostos nacionais,<br />

Como at<strong>é</strong> há pouco tempo não existia <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> masculina como tal: ser masculino era a<br />

norma. Mas há no meio <strong>de</strong> tudo isto <strong>um</strong>a posição que tenho tentado compreen<strong>de</strong>r, que <strong>é</strong> a<br />

seguinte: embora eu seja contra o conceito <strong>de</strong> raça, saiba que as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s dos grupos são<br />

provisórias e construídas na História e que as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s dos individuos são compósitas, porque<br />

as pessoas são várias coisas ao mesmo tempo, tamb<strong>é</strong>m sei que na política concreta às vezes os<br />

grupos excluídos precisam <strong>de</strong> ser estrategicamente essencialistas.<br />

NM – Daí a reivindicação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “comunida<strong>de</strong> negra” ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “comunida<strong>de</strong> homossexual”.<br />

MVA – Às vezes os grupos excluídos precisam <strong>de</strong> reivindicar por exemplo a sua negritu<strong>de</strong>, as<br />

suas origens, as mesmas coisas segundo as quais foram classificados. Porque n<strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado<br />

momento histórico ou político essas nomeações po<strong>de</strong>m ser o único recurso que têm para po<strong>de</strong>r<br />

“passar” para a socieda<strong>de</strong> maior. Chama-se a isso essencialismo estrat<strong>é</strong>gico e isso aceito, como<br />

cidadão e antropólogo que está a observar as coisas naquele momento.<br />

NM – Pois, mas isso, sendo o reverso <strong>de</strong> qualquer coisa, tem sempre o seu reverso. É aceitável<br />

por exemplo que as polícias portuguesas estu<strong>de</strong>m a “criminalida<strong>de</strong> negra”?<br />

245

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!