Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
mundo e agir sobre ele, creio haver alguns pontos importantes para pensar Timor. E logo agir<br />
melhor a favor <strong>de</strong>le. E <strong>de</strong> nós.<br />
1.Timor foi <strong>um</strong>a colónia portuguesa. O que se passa em Timor relaciona-se, em última<br />
instância, com isso. Salman Rushdie dizia que o problema dos ingleses <strong>é</strong> que a História <strong>de</strong>les<br />
aconteceu no ultramar, por isso não sabem o que ela significa. O mesmo se po<strong>de</strong> dizer <strong>de</strong> nós.<br />
Fomos feitos na expansão e na colonização. As asneiras que fizemos com os outros foram<br />
asneiras que fizemos connosco. Nunca mais se fica o mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se traficar escravos.<br />
Nunca mais se fica o mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> abandonar <strong>um</strong> povo.<br />
2.O que nos leva ao facto <strong>de</strong> Timor ter sido mal <strong>de</strong>scolonizado. É <strong>um</strong>a trágica ironia que a nossa<br />
libertação da ditadura nos tenha feito criar as condições para o horror timorense. Mas<br />
po<strong>de</strong>remos <strong>de</strong>sculpar-nos com isso in<strong>de</strong>finidamente? Não terá que chegar o momento <strong>de</strong> avaliar<br />
responsabilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> fazer <strong>um</strong>a confrontação nua e crua com a História?<br />
3.Claro que o mundo não <strong>é</strong> a preto e branco. Em Timor não havia <strong>um</strong> só movimento <strong>de</strong><br />
libertação. E as traições, vinganças, matanças e sectarismo intratimorenses, nos anos 70,<br />
tamb<strong>é</strong>m não po<strong>de</strong>m ser esquecidos. É bem mais fácil criar mitos unificadores e românticos do<br />
que analisar os factos. Infelizmente não nascem Nelson Man<strong>de</strong>las todos os dias – embora,<br />
felizmente, seja sempre possível que algu<strong>é</strong>m saiba transformar-se n<strong>um</strong>.<br />
4.Mas o facto mais <strong>de</strong>cisivo foi a invasão <strong>de</strong> Timor pela Indon<strong>é</strong>sia. Esta <strong>é</strong> outra ironia trágica:<br />
<strong>um</strong> país nascido dos movimentos <strong>de</strong> libertação, do terceiro-mundismo, e on<strong>de</strong> se realizou a<br />
conferência <strong>de</strong> Bandung que tanto encostou à pare<strong>de</strong> o colonialismo português, torna-se <strong>de</strong><br />
repente n<strong>um</strong> carrasco <strong>de</strong> outro povo. O que isto nos ensina <strong>é</strong> que nas socieda<strong>de</strong>s pós-coloniais se<br />
constituíram estruturas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r tão ou mais cru<strong>é</strong>is que as coloniais.<br />
5.Portugal – potência administrante – <strong>é</strong> a favor da in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> Timor. Esta <strong>é</strong> a outra ironia<br />
pós-colonial. No momento actual todos nos congratulamos por este facto. E temos orgulho nele.<br />
Mas isso não nos po<strong>de</strong> fazer esquecer que nem sempre isso foi evi<strong>de</strong>nte, que os esforços dos<br />
governos portugueses nem sempre foram os maiores ou os melhores. Os louros vão para a<br />
resistência timorense, <strong>de</strong>ntro e fora, e para alg<strong>um</strong>a comunicação social. Só muitíssimo<br />
recentemente se pô<strong>de</strong> começar a respeitar os esforços <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as autorida<strong>de</strong>s portuguesas.<br />
6.Timor tornou-se, ao longo dos anos, n<strong>um</strong>a causa nacional em Portugal. Há vários significados<br />
sobrepostos nesta causa e no movimento que ela gerou. Des<strong>de</strong> logo, sobretudo há uns anos<br />
atrás, <strong>um</strong> <strong>de</strong>sagradável subtexto nacionalista, neocolonial e narcísico, sintetizável no fascínio<br />
com o facto <strong>de</strong> os timorenses “Rezarem em português”. “Rezarem” e “em português”. Por outro<br />
lado, há tamb<strong>é</strong>m como que <strong>um</strong>a catarse daquilo que sentimos terem sido as nossas asneiras<br />
<strong>de</strong>scolonizadoras e o próprio carácter negligente do colonialismo. Por fim, a causa timorense<br />
veio trazer alg<strong>um</strong>a esperança para o nascimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consciência cívica em Portugal. Longe<br />
ainda, por<strong>é</strong>m, <strong>de</strong> ser internacionalista, com <strong>um</strong>a visão global. É triste que seja mais fácil torcer<br />
pela al<strong>de</strong>ia gaulesa (lusitana) no Pacífico do que pelo imenso campo <strong>de</strong> batalha <strong>de</strong> Angola.<br />
7.Com o governo socialista e as mudanças na Indon<strong>é</strong>sia, fez-se o acordo entre os dois países.<br />
Foi <strong>um</strong> mau acordo – e isso foi dito na <strong>de</strong>vida altura. O acordo reconhecia implicitamente a<br />
soberania indon<strong>é</strong>sia sobre Timor-Leste e entregava ao regime militarizado a garantia da<br />
segurança. Infelizmente a crítica era válida. Mas concedamos – por enquanto – que possa ter<br />
sido o acordo possível e que as intenções possam ter sido boas. Não <strong>de</strong>ixemos, por<strong>é</strong>m, <strong>de</strong><br />
colocar a hipótese <strong>de</strong> ter havido precipitação e cálculo <strong>de</strong> benefícios políticos internos. A<br />
“unanimida<strong>de</strong>” nacional não nos po<strong>de</strong> tornar amorfos e acríticos.<br />
8.Uma coisa <strong>é</strong> certa: <strong>um</strong>a vez realizado o referendo (com a participação e os resultados que<br />
teve), entrámos n<strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> completamente nova e que permite, at<strong>é</strong> certo ponto, a suspensão<br />
(temporária) do <strong>de</strong>bate crítico sobre o “caso Timor” em Portugal. Graças ao referendo, Timor<br />
182