13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ensino superior e a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s. Uma segunda perspectiva para abordar esta<br />

questão tem a ver com o facto <strong>de</strong> não haver contratação <strong>de</strong> pessoal docente na quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sejável; <strong>de</strong> não haver a<strong>um</strong>entos significativos no financiamento ao ensino superior, e <strong>de</strong> não<br />

haver real autonomia. O resultado <strong>é</strong> que cada vez menos docentes têm <strong>de</strong> “tomar conta” <strong>de</strong> cada<br />

vez mais estudantes – estou a falar, como <strong>de</strong>vem ter percebido, do risco da <strong>de</strong>gradação da qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ensino. E aqui surge a massificação no sentido qualitativo. Esta traduz-se<br />

genericamente na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazerem tutorias, aulas <strong>de</strong> gabinete, enfim, <strong>um</strong><br />

acompanhamento da evolução intelectual dos alunos. Dá-se, portanto, <strong>um</strong> nivelamento por<br />

baixo da mat<strong>é</strong>ria dada nas aulas. Temos como resultado <strong>de</strong>sta situação que o ensino ministrado<br />

aos poucos alunos que chegam ao ensino superior vai ser massificado: <strong>é</strong> a isto que Allan Bloom<br />

se refere, na minha opinião. Eu acho que <strong>é</strong> neste sentido que se <strong>de</strong>ve ter cuidado com as<br />

palavras: o elitismo <strong>de</strong>ve ser <strong>um</strong>a noção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e não <strong>um</strong>a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

oportunida<strong>de</strong>s.<br />

P.I. – Relativamente ao “Politicamente Correcto”: acha que <strong>é</strong> apenas <strong>um</strong> problema <strong>de</strong> forma, ou<br />

tamb<strong>é</strong>m <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias?<br />

.M.V.A. – Se fosse possível olhar <strong>de</strong> forma neutra para as i<strong>de</strong>ias que se <strong>de</strong>finem como<br />

“politicamente correctas” elas são extremamente positivas, porque são justamente o resultado <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a autocrítica cultural e histórica sobre o papel do Oci<strong>de</strong>nte no mundo e sobre as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e políticas no próprio Oci<strong>de</strong>nte. Neste sentido, elas são positivas. O<br />

problema está nas consequências <strong>de</strong>sta conclusão: as ilações erradas que se estão a tomar, a<br />

transformação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a postura inicialmente crítica e autocrítica <strong>de</strong> questionamento n<strong>um</strong><br />

processo dogmático. Um segundo problema <strong>é</strong> o <strong>de</strong> se tirarem conclusões precipitadas sobre o<br />

valor relativo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas instituições, produtos culturais e acontecimentos históricos. Por<br />

exemplo, eu seria o primeiro a concordar com a exposição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a dinâmica negativa<br />

relativamente às Descobertas, mas não aceito <strong>um</strong> reducionismo simplista que não permite<br />

perceber a complexida<strong>de</strong> do acontecimento, os seus possíveis lados positivos, e não permite<br />

compreen<strong>de</strong>r, sobretudo, <strong>um</strong>a coisa: todas as transformações dos últimos anos, que os<br />

“politicamente correctos” <strong>de</strong>stroem sistematicamente, <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser proprieda<strong>de</strong> dos<br />

oci<strong>de</strong>ntais e a dinâmica <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser simplesmente oci<strong>de</strong>ntal e passou a ser muito mais<br />

misturada e complexa, muito mais “crioulizada”. A função <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pessoa “politicamente<br />

correcta” – no sentido que eu gostaria que a palavra tivesse – seria procurar a “ponte” entre o<br />

que <strong>de</strong> muito positivo há na cultura do Oci<strong>de</strong>nte (nomeadamente a análise crítica das ciências<br />

sociais, na filosofia, na literatura) e aquilo que <strong>de</strong> criativo, <strong>de</strong> resistente, <strong>de</strong> transformador foi<br />

feito no lado <strong>de</strong> lá, nos vários lados <strong>de</strong> lá: na cultura operária, no feminismo, no terceiro mundo,<br />

nas novas classes excluídas, etc. O principal problema do “politicamente correcto” <strong>é</strong> que está <strong>de</strong><br />

tal modo preocupado com a auto-atribuição <strong>de</strong> culpas que recusa a inteligência e a autonomia<br />

daqueles que está supostamente a proteger. É como se, <strong>de</strong> repente, os negros, as mulheres, as<br />

pessoas do terceiro mundo fossem uns seres amorfos, que não têm a mínima capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pensar, <strong>de</strong> reagir e <strong>de</strong> reformular as coisas que recebem a partir do pensamento hegemónico do<br />

Oci<strong>de</strong>nte. Existe, portanto, <strong>um</strong> erro metodológico nas próprias conclusões que a onda<br />

“politicamente correcta” tira, e que resulta em consequências que são mais dogmáticas que<br />

libertadoras.<br />

P.I. – Concorda, então, que isto se po<strong>de</strong> tornar n<strong>um</strong> novo totalitarismo? Nomeadamente – no<br />

que se refere à lógica da linguagem “PC”...<br />

M.V.A. – Sim, po<strong>de</strong>. Mas tem <strong>um</strong>a vantagem que <strong>é</strong> a <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a proposta explícita, que<br />

permite que as pessoas a aceitem ou não. Isto porque quem propõe <strong>um</strong>a linguagem<br />

“politicamente correcta” tem <strong>um</strong> programa, ou seja, “vamos recusar a palavra x em vez da y<br />

porque...” É <strong>um</strong> pouco como se fosse <strong>um</strong> partido a apresentar o seu programa aos eleitores. Esta<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recusar ou aceitar esta linguagem <strong>é</strong> <strong>um</strong>a enorme vantagem em tempos<br />

<strong>de</strong>mocráticos, dado que permite que haja confronto e <strong>de</strong>bate. Po<strong>de</strong> haver resistência,<br />

negociação, ou seja, as pessoas têm a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contestar. Para mim, o facto <strong>de</strong> os propósitos<br />

estarem explicados <strong>é</strong> <strong>um</strong>a coisa fundamental para a vida <strong>de</strong>mocrática. Não nos po<strong>de</strong>mos<br />

esquecer que as formas hegemónicas <strong>de</strong> linguagem que usávamos at<strong>é</strong> esta moda do “PC” eram<br />

210

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!