Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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ensino superior e a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s. Uma segunda perspectiva para abordar esta<br />
questão tem a ver com o facto <strong>de</strong> não haver contratação <strong>de</strong> pessoal docente na quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sejável; <strong>de</strong> não haver a<strong>um</strong>entos significativos no financiamento ao ensino superior, e <strong>de</strong> não<br />
haver real autonomia. O resultado <strong>é</strong> que cada vez menos docentes têm <strong>de</strong> “tomar conta” <strong>de</strong> cada<br />
vez mais estudantes – estou a falar, como <strong>de</strong>vem ter percebido, do risco da <strong>de</strong>gradação da qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ensino. E aqui surge a massificação no sentido qualitativo. Esta traduz-se<br />
genericamente na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazerem tutorias, aulas <strong>de</strong> gabinete, enfim, <strong>um</strong><br />
acompanhamento da evolução intelectual dos alunos. Dá-se, portanto, <strong>um</strong> nivelamento por<br />
baixo da mat<strong>é</strong>ria dada nas aulas. Temos como resultado <strong>de</strong>sta situação que o ensino ministrado<br />
aos poucos alunos que chegam ao ensino superior vai ser massificado: <strong>é</strong> a isto que Allan Bloom<br />
se refere, na minha opinião. Eu acho que <strong>é</strong> neste sentido que se <strong>de</strong>ve ter cuidado com as<br />
palavras: o elitismo <strong>de</strong>ve ser <strong>um</strong>a noção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e não <strong>um</strong>a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
oportunida<strong>de</strong>s.<br />
P.I. – Relativamente ao “Politicamente Correcto”: acha que <strong>é</strong> apenas <strong>um</strong> problema <strong>de</strong> forma, ou<br />
tamb<strong>é</strong>m <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias?<br />
.M.V.A. – Se fosse possível olhar <strong>de</strong> forma neutra para as i<strong>de</strong>ias que se <strong>de</strong>finem como<br />
“politicamente correctas” elas são extremamente positivas, porque são justamente o resultado <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a autocrítica cultural e histórica sobre o papel do Oci<strong>de</strong>nte no mundo e sobre as<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e políticas no próprio Oci<strong>de</strong>nte. Neste sentido, elas são positivas. O<br />
problema está nas consequências <strong>de</strong>sta conclusão: as ilações erradas que se estão a tomar, a<br />
transformação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a postura inicialmente crítica e autocrítica <strong>de</strong> questionamento n<strong>um</strong><br />
processo dogmático. Um segundo problema <strong>é</strong> o <strong>de</strong> se tirarem conclusões precipitadas sobre o<br />
valor relativo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas instituições, produtos culturais e acontecimentos históricos. Por<br />
exemplo, eu seria o primeiro a concordar com a exposição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a dinâmica negativa<br />
relativamente às Descobertas, mas não aceito <strong>um</strong> reducionismo simplista que não permite<br />
perceber a complexida<strong>de</strong> do acontecimento, os seus possíveis lados positivos, e não permite<br />
compreen<strong>de</strong>r, sobretudo, <strong>um</strong>a coisa: todas as transformações dos últimos anos, que os<br />
“politicamente correctos” <strong>de</strong>stroem sistematicamente, <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser proprieda<strong>de</strong> dos<br />
oci<strong>de</strong>ntais e a dinâmica <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser simplesmente oci<strong>de</strong>ntal e passou a ser muito mais<br />
misturada e complexa, muito mais “crioulizada”. A função <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pessoa “politicamente<br />
correcta” – no sentido que eu gostaria que a palavra tivesse – seria procurar a “ponte” entre o<br />
que <strong>de</strong> muito positivo há na cultura do Oci<strong>de</strong>nte (nomeadamente a análise crítica das ciências<br />
sociais, na filosofia, na literatura) e aquilo que <strong>de</strong> criativo, <strong>de</strong> resistente, <strong>de</strong> transformador foi<br />
feito no lado <strong>de</strong> lá, nos vários lados <strong>de</strong> lá: na cultura operária, no feminismo, no terceiro mundo,<br />
nas novas classes excluídas, etc. O principal problema do “politicamente correcto” <strong>é</strong> que está <strong>de</strong><br />
tal modo preocupado com a auto-atribuição <strong>de</strong> culpas que recusa a inteligência e a autonomia<br />
daqueles que está supostamente a proteger. É como se, <strong>de</strong> repente, os negros, as mulheres, as<br />
pessoas do terceiro mundo fossem uns seres amorfos, que não têm a mínima capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pensar, <strong>de</strong> reagir e <strong>de</strong> reformular as coisas que recebem a partir do pensamento hegemónico do<br />
Oci<strong>de</strong>nte. Existe, portanto, <strong>um</strong> erro metodológico nas próprias conclusões que a onda<br />
“politicamente correcta” tira, e que resulta em consequências que são mais dogmáticas que<br />
libertadoras.<br />
P.I. – Concorda, então, que isto se po<strong>de</strong> tornar n<strong>um</strong> novo totalitarismo? Nomeadamente – no<br />
que se refere à lógica da linguagem “PC”...<br />
M.V.A. – Sim, po<strong>de</strong>. Mas tem <strong>um</strong>a vantagem que <strong>é</strong> a <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a proposta explícita, que<br />
permite que as pessoas a aceitem ou não. Isto porque quem propõe <strong>um</strong>a linguagem<br />
“politicamente correcta” tem <strong>um</strong> programa, ou seja, “vamos recusar a palavra x em vez da y<br />
porque...” É <strong>um</strong> pouco como se fosse <strong>um</strong> partido a apresentar o seu programa aos eleitores. Esta<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recusar ou aceitar esta linguagem <strong>é</strong> <strong>um</strong>a enorme vantagem em tempos<br />
<strong>de</strong>mocráticos, dado que permite que haja confronto e <strong>de</strong>bate. Po<strong>de</strong> haver resistência,<br />
negociação, ou seja, as pessoas têm a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contestar. Para mim, o facto <strong>de</strong> os propósitos<br />
estarem explicados <strong>é</strong> <strong>um</strong>a coisa fundamental para a vida <strong>de</strong>mocrática. Não nos po<strong>de</strong>mos<br />
esquecer que as formas hegemónicas <strong>de</strong> linguagem que usávamos at<strong>é</strong> esta moda do “PC” eram<br />
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