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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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O cidadão em geral está disposto a aceitar <strong>um</strong>a reconstrução social constante, a viver n<strong>um</strong>a<br />

linha fina?<br />

A maioria das pessoas tem tendência para a conservação e para a estabilida<strong>de</strong>, ou pelo menos<br />

<strong>um</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo disso. A questão <strong>é</strong>: será que a maioria das pessoas tem condições assim tão<br />

boas <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong> ao ponto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem aceitar ou <strong>de</strong>sejar apenas a<br />

estabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sejar apenas a manutenção das coisas tal como estão? Creio que não. É<br />

relativamente evi<strong>de</strong>nte que os problemas são tais que, a partir do momento em que se gera <strong>um</strong>a<br />

mínima movimentação, <strong>um</strong>a proposta interessante <strong>de</strong> melhoria, as pessoas têm consciência<br />

suficiente para a<strong>de</strong>rir a essa transformação. A única coisa em que a estabilida<strong>de</strong> <strong>é</strong> importante <strong>é</strong><br />

que essas transformações se façam n<strong>um</strong> quadro que não ponha em ruptura completa as relações<br />

sociais tal como existem.<br />

Em termos civilizacionais, a única perspectiva ou garantia que temos <strong>é</strong> <strong>de</strong> progresso<br />

tecnológico?<br />

Não. O que está a acontecer (<strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma que, historicamente, não acontecia tanto) <strong>é</strong> que há<br />

<strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> avanços tecnológicos que estão a permitir, por <strong>um</strong> lado, mudanças na forma<br />

<strong>de</strong> as pessoas perceberem a vida e o mundo e, por outro lado, mudanças na própria qualida<strong>de</strong><br />

das relações sociais e das relações entre as pessoas. Estou a pensar na informática, nos<br />

multim<strong>é</strong>dia, nas re<strong>de</strong>s mundiais <strong>de</strong> informação, na interacção. Portanto, há <strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie <strong>de</strong> avanços<br />

tecnológicos que permitem – mais <strong>de</strong>pressa, abrangendo mais gente, mais barato, <strong>de</strong> forma mais<br />

imediata e menos controlável pelo po<strong>de</strong>r exterior às pessoas – que as pessoas exerçam a<br />

cidadania n<strong>um</strong> sentido mais amplo. Portanto, <strong>é</strong> impossível reduzir a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> progresso<br />

tecnológico a <strong>um</strong>a tecnologia nova, porque toda a tecnologia nova que agora está a ser feita tem<br />

embutida nela gran<strong>de</strong> potencial <strong>de</strong> transformação das relações entre as pessoas.<br />

Não há espaço para <strong>um</strong>a intervenção directa tendo como consciência <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia ou utopia<br />

maior?<br />

Acho que não, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito da conjuntura. Em muitos países islâmicos, os preceitos<br />

religiosos estão a ser transformados em forma <strong>de</strong> utopia política e sociol. Ou seja, a tentação <strong>de</strong><br />

aplicar <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tipo mitológico, tal como está escrita, aplicá-la na realida<strong>de</strong> e imaginar<br />

o futuro como sendo a aplicação do passado mais remoto – projectar para o futuro utópico as<br />

origens últimas. É a socieda<strong>de</strong>, o Islão como organismo político-social e já não só como<br />

religião. No mundo em que vivemos, a maioria das pessoas, eu pelo menos, passa muito bem<br />

sem a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo absolutamente <strong>de</strong>finido do que <strong>é</strong> que será <strong>um</strong> futuro i<strong>de</strong>al. Isto não<br />

quer dizer que não se tenha <strong>um</strong> conjunto do que se chama o pensamento contrafactual, que <strong>é</strong><br />

imaginar o futuro <strong>de</strong> certa maneira. Isso existe sempre, <strong>é</strong> inerente às pessoas, à própria acção. O<br />

que já nã se aplica <strong>é</strong> que o que se imagina para o futuro seja <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>,<br />

perfeitamente pr<strong>é</strong>-<strong>de</strong>finido, antes <strong>de</strong> começarmos a agir e que, ainda por cima, seja coinci<strong>de</strong>nte<br />

com o das outras pessoas todas que participam no mesmo tipo <strong>de</strong> acção.<br />

As pessoas vivem simplesmente <strong>um</strong>a atribuição ou algo que acresce a isso?<br />

De <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista mais sociológico e antropológico, neste tipo <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s sociais em que<br />

se aplica a política dos estilos <strong>de</strong> vida (como <strong>um</strong> elemento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, como projecto), há<br />

<strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie <strong>de</strong> elementos. Há muito a noção <strong>de</strong> agir para a gratificação, auto-gratificação. Há<br />

muito a noção <strong>de</strong> narcisismo, agir para a gratificação do eu perante si próprio, mas há muito<br />

tamb<strong>é</strong>m alguns daqueles elementos que os utópicos do s<strong>é</strong>culo XIX imaginavam como sendo<br />

<strong>de</strong>sejáveis para a socieda<strong>de</strong> do futuro, que eram justamente maior criativida<strong>de</strong>, criativida<strong>de</strong><br />

individual, laços afectivos, criação <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> relações amorosas. Ou seja, <strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie <strong>de</strong><br />

investimentos que têm muito mais a ver com o lado da afectivida<strong>de</strong>, da domesticida<strong>de</strong>, da<br />

criativida<strong>de</strong> e que, para muitas <strong>de</strong>stas camadas novas, estão a dar o sentido da vida. Estão cada<br />

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