Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
calhar, monólogos e at<strong>é</strong> silêncios – dão-se entre grupos com expectativas bem diferentes e dãose,<br />
tamb<strong>é</strong>m, entre os membros <strong>de</strong> cada grupo e as funções que c<strong>um</strong>prem.<br />
Começo pelos docentes: os docentes universitários vêem-se a si próprios como cientistas ou<br />
investigadores. No entanto, aquilo que mais <strong>é</strong> esperado <strong>de</strong>les <strong>é</strong> a docência (“dar aulas”) e a<br />
administração do quotidiano das universida<strong>de</strong>s. O resultado imediato <strong>de</strong>sta contradição <strong>é</strong> a<br />
frustração pessoal, e o resultado último <strong>é</strong> o mau funcionamento pedagógico e administrativo,<br />
cujo sintoma mais típico <strong>é</strong> a chamada “política acad<strong>é</strong>mica” ou “<strong>de</strong> corredor”, menos fascinante<br />
ainda do que os conflitos n<strong>um</strong>a junta <strong>de</strong> freguesia. Quem sofre com isto <strong>é</strong> a ciência, quase<br />
inexistente em Portugal; os alunos, que têm na universida<strong>de</strong> <strong>um</strong>a versão complicada da escola<br />
secundária; e os próprios docentes, que se queixam <strong>de</strong> estar a “encher chouriços”.<br />
Continuo com os alunos: com a <strong>de</strong>mocratização do ensino, as escolas encheram-se <strong>de</strong> jovens.<br />
As suas expectativas continuam a ser semelhantes às dos seus antepassados dos tempos em que<br />
o ensino era (mais) elitista. No entanto, sabem perfeitamente que a maior parte dos cursos não<br />
lhes garante <strong>um</strong> emprego no fim do curso. Se a isto juntarmos o facto <strong>de</strong> que a maioria dos<br />
estudantes não frequenta o curso da sua preferência, imagine-se o resultado psicológico: da<br />
sonolência à rebeldia primária, tudo <strong>é</strong> possível. Mas há mais: <strong>é</strong> que, afinal, não se po<strong>de</strong> dizer<br />
que o ensino tenha sido verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>mocratizado. Nas universida<strong>de</strong>s ensina-se, como se<br />
fosse <strong>um</strong>a massa, <strong>um</strong>a minoria que não <strong>é</strong> já elite.<br />
Os docentes, em princípio, estão na universida<strong>de</strong> como quem está n<strong>um</strong> emprego. Isto <strong>é</strong> – <strong>um</strong>a<br />
vez mais em princípio – são parte da mobília. Os alunos não: substituem-se as levas <strong>de</strong> quatro<br />
em quatro ou cinco em cinco anos. À continuida<strong>de</strong> ou à curva <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> interesse dos<br />
professores ao longo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a carreira, contrapõe-se <strong>um</strong> fluxo constante <strong>de</strong> sangue novo. E este<br />
sangue novo reflecte mudanças sociais que, por sua vez, têm a ver com conflitos geracionais.<br />
Se fossem só estes os parceiros universitários, ainda a coisa podia ser gerida. Mas acontece que<br />
há duas eminências pardas que participam da vida universitária sem lá porem os p<strong>é</strong>s: o Estado<br />
e/ou os governos, e os “pais”. O Estado tem a tutela <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da universida<strong>de</strong> e por isso<br />
todos sentimos que por vezes estamos mais n<strong>um</strong>a repartição pública do que n<strong>um</strong>a aca<strong>de</strong>mia. O<br />
carácter tutelar e permanente do Estado <strong>é</strong>, <strong>de</strong>pois, abalado pelas alternâncias <strong>de</strong> governos: por<br />
cada governo, <strong>um</strong>a política <strong>de</strong> educação. Por cada política <strong>de</strong> educação, <strong>um</strong>a dor <strong>de</strong> cabeça.<br />
Finalmente, os “pais”: porque em Portugal a maior parte dos estudantes está na universida<strong>de</strong><br />
como continuação “natural” do ensino secundário, sem autonomia financeira e, muitas vezes,<br />
sem livre arbítrio. Como estes pais são, sobretudo, a classe m<strong>é</strong>dia que vota, paga impostos e<br />
sustenta os governos, <strong>é</strong> para eles, em última instância, que a universida<strong>de</strong> faz o seu (passe o<br />
anglicismo) “catering”.<br />
Desculpem ter lançado tanta confusão sem indicar luzes ao fundo do túnel. Ela <strong>de</strong>ve existir.<br />
Pelo menos <strong>é</strong> esse o <strong>de</strong>sejo exprimido por greves e saídas à rua, cujas motivações serão tanto<br />
mais obscuras quanto menos il<strong>um</strong>inada for a universida<strong>de</strong>.<br />
Um pouco <strong>de</strong> luz<br />
(Público, 08.12.96)<br />
O acontecimento mais importante dos últimos dias não foi a cimeira da OSCE, cujo efeito<br />
principal foi a <strong>de</strong>monstração do po<strong>de</strong>r policial local. Foi, sim, a inauguração da sinagoga Bet<br />
Eliahu em Belmonte. Não <strong>é</strong> exagero. O acontecimento <strong>é</strong> mais histórico do que a cimeira das<br />
platitu<strong>de</strong>s. Primeiro ao nível local – o mais importante – pois em Belmonte o sentido <strong>de</strong><br />
comunida<strong>de</strong> e pertença saiu reforçado naquilo que foi ao mesmo tempo <strong>um</strong> acto <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e<br />
libertação. Ao nível nacional, o acontecimento simboliza a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ultrapassar o peso<br />
histórico da perseguição aos ju<strong>de</strong>us e abre mais caminhos no sentido <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> plural do<br />
52