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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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sem aquela “segurança” que caracterizava Cavaco? É verda<strong>de</strong> que sim. Mas aquilo que<br />

distingue o cavaquismo <strong>de</strong>sta nova coisa, <strong>é</strong> que esta está muito mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> certas<br />

forças, pelo que não precisa <strong>de</strong> pensar por elas ou substitui-las. Basta ecoá-las. E essas forças<br />

são a Opus Dei, a banca a ela associada, alguns gran<strong>de</strong>s grupos económicos, e o batalhão <strong>de</strong><br />

guildas profissionais que se lhes associam, da tropa à Or<strong>de</strong>m dos M<strong>é</strong>dicos, da construção civil<br />

ao futebol. Qual cereja no bolo, acrescente-se a televisão: o serviço público já não precisa <strong>de</strong> ser<br />

controlado como aparelho i<strong>de</strong>ológico do Estado, quando existem “media” <strong>de</strong> grupos privados<br />

que estão nos alicerces do próprio governo – Belmiro e Balsemão.<br />

Assistimos a algo <strong>de</strong> completamente novo. Agora não se trata <strong>de</strong> <strong>um</strong> Marcelo Caetano a tentar<br />

mo<strong>de</strong>rnizar <strong>um</strong>a ditadura parola; nem <strong>de</strong> Cavaco a tentar racionalizar o colectivismo herdado do<br />

25 <strong>de</strong> Abrril. Agora o que temos <strong>é</strong> a aliança entre a tecnocracia neo-liberal e a direita<br />

salazarenga à portuguesa, com <strong>um</strong> bando <strong>de</strong> idiotas no governo que não façam sombra aos<br />

grupos económicos. Continuaremos todos a pagar impostos para que quem já tem muito<br />

dinheiro não os pague, e não para que os serviços públicos funcionem. <strong>Este</strong>s, <strong>de</strong> qualquer modo,<br />

passarão a ser privados e caros. E quando sentirmos na pele os efeitos na nossa pauperização,<br />

ser-nos-á dito que a culpa <strong>é</strong> nossa porque não soubemos construir famílias tradicionais para<br />

substituírem as funções <strong>de</strong> apoio do Estado.<br />

Imigração e pânico cultural<br />

(Webpage, 28.06.02 e “Jornal do Bloco <strong>de</strong> Esquerda”, 09.02)<br />

Ao Portugal orgulhosamente só <strong>de</strong> Salazar, suce<strong>de</strong>u o Portugal orgulhosamente inserido na<br />

fortaleza Europa. Ao Portugal do colonialismo e das guerras coloniais, suce<strong>de</strong>u o Portugal<br />

“invadido” por imigrantes das ex-colónias e da Europa (a <strong>de</strong> Leste) que está do lado <strong>de</strong> fora da<br />

fortaleza. Ao Portugal das emigrações miseráveis para o Brasil e para a Europa do Norte,<br />

suce<strong>de</strong>u o Portugal que precisa <strong>de</strong> quem trabalhe nas obras, nas limpezas e na restauração.<br />

Habituados a verem-se como colonizadores excepcionais – miscigenadores e multiculturais – os<br />

Portugueses fecharam os olhos à prática da escravatura, à exploração dos colonizados e às<br />

guerras coloniais. Habituados à narrativa do “universalismo” português, nunca se perguntaram<br />

porque não <strong>é</strong> Portugal, ele próprio, <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> multicultural. Habituados à narrativa<br />

sacrificial da emigração portuguesa, nunca se questionaram sobre a semelhança com aquilo que<br />

africanos, brasileiros e europeus <strong>de</strong> Leste agora vivem.<br />

O discurso e atitu<strong>de</strong>s contra os imigrantes são o resultado perverso dos discursos e atitu<strong>de</strong>s que<br />

vêem a Nação como <strong>um</strong>a unida<strong>de</strong> natural e orgânica, e as culturas como unida<strong>de</strong>s imutáveis e<br />

estanques. São tamb<strong>é</strong>m, no nosso caso, o resultado da experiência colonial. “Raça”, cultura e<br />

língua são, assim, construídas como evidências que separariam o Nós dos Outros. Ora, a base da<br />

vida <strong>de</strong>mocrática não po<strong>de</strong> ser o Nós da Nação, mas sim os múltiplos Eus que constituem a<br />

cidadania <strong>de</strong> <strong>um</strong>a República, mesmo quando as pessoas se associam para a <strong>de</strong>fesa dos seus<br />

interesses e a superação da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s resultante <strong>de</strong> diferentes origens <strong>de</strong><br />

classe, g<strong>é</strong>nero, estatuto, etc.<br />

O próprio conceito <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> tem que ser seriamente revisto. Já temos, por exemplo, a<br />

experiência da (suposta) livre circulação dos cidadãos <strong>de</strong>ntro da União. O mesmo <strong>de</strong>veria ser<br />

possível para cidadãos <strong>de</strong> fora <strong>de</strong>la. Sabemos, no entanto, que o trabalho imigrante <strong>é</strong> o trabalho<br />

<strong>de</strong> quem foge à pobreza, ocupando, no país <strong>de</strong> acolhimento, os empregos <strong>de</strong>ixados vagos por<br />

quem já fugiu a ela. Do mesmo modo que na era industrial existiu o pânico das classes<br />

populares – <strong>de</strong>scritas como atrasadas, preguiçosas, arruaceiras, <strong>de</strong>generadas, doentias, sujas e<br />

bárbaras – na era pós-industrial <strong>é</strong> o Outro do terceiro mundo que ocupa este lugar fantasmático.<br />

<strong>Este</strong> Outro <strong>é</strong> ainda mais i<strong>de</strong>ntificável do que o camponês, o operário ou o marginal urbano: ele<br />

<strong>é</strong>, tal como o foi o colonizado, marcado pela exclusão – <strong>é</strong> <strong>de</strong> outra “raça”, tem hábitos culturais<br />

“estranhos” e fala línguas “esquisitas”.<br />

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