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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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Pedro Santana Lopes sabe-o tão bem ou melhor do que a oposição. Sente-se como peixe na água<br />

no que à linguagem televisiva diz respeito: <strong>um</strong>a pitada <strong>de</strong> ar aristocrático e blas<strong>é</strong>, para parecer<br />

que não lhe apetece muito estar ali; <strong>um</strong>a pitada <strong>de</strong> irritação, levantar <strong>de</strong> voz e coloquialismo,<br />

para comunicar com o povão televisivo; o apoio <strong>de</strong> <strong>um</strong> gestor <strong>de</strong> casinos <strong>de</strong> discurso articulado;<br />

o apoio <strong>de</strong> <strong>um</strong> simpático, bonacheirão e terra-a-terra Nicolau Breyner. Como apoio <strong>de</strong> plateia, a<br />

“classe” dos actores e actrizes <strong>de</strong> revista – experts em populismo e <strong>de</strong>magogia – e o beneplácito<br />

dos cavaquistas Ruy <strong>de</strong> Carvalho e Eunice Muñoz com a sua soberba <strong>de</strong> divas. O resultado<br />

<strong>de</strong>ste caldo foi <strong>um</strong> dos maiores momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>magogia político-televisiva dos últimos tempos.<br />

Só podiam ganhar.<br />

Mas o que me confrange foi o comportamento do outro lado, dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> <strong>um</strong> referendo<br />

sobre o casino. Ou estavam mal preparados ou têm pouco para dizer. Caíram na armadilha dos<br />

arg<strong>um</strong>entos moralistas sobre o jogo e o vício e o roubo do dinheiro dos pobres. Não<br />

conseguiram passar a mensagem <strong>de</strong> que o que está em causa <strong>é</strong> outra coisa. Em primeiro lugar a<br />

<strong>de</strong>mocraticida<strong>de</strong> dos processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão: o governo legisla <strong>um</strong> regime <strong>de</strong> excepção, Santana<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sem consultar os outros órgãos municipais e ficamos todos com a sensação <strong>de</strong> haver<br />

pressão dos grupos económicos (?) que estão por <strong>de</strong>trás dos casinos. Em segundo lugar, a<br />

<strong>de</strong>magogia <strong>de</strong> propor <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> solução milagrosa <strong>de</strong> financiamento daquilo que afinal <strong>é</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> da câmara: o reaproveitamento não só do Parque Mayer como da Av. da<br />

Liberda<strong>de</strong>. O que os adversários da solução casino querem dizer – eu sei-o, sou do Bloco, que<br />

propôs esta questão – <strong>é</strong> que Santana não tem <strong>um</strong> projecto urbanístico e cultural (as duas coisas<br />

vão – ou <strong>de</strong>vem ir – juntas) para Lisboa, e que o programa apresentado pelo Bloco nas<br />

autárquicas tinha outras soluções – e igualmente viáveis financeiramente, admitindo<br />

investimentos privados tamb<strong>é</strong>m.<br />

Mas a questão que me preocupa <strong>é</strong> esta: porque não conseguiram passar a mensagem pessoas<br />

que, quase sempre, conseguem fazê-lo – no assunto das drogas, nos assuntos fiscais, na<br />

oposição no parlamento, etc.? Porque, se calhar, a mensagem não <strong>é</strong> suficientemente convicta e<br />

convincente. É quase certo que, por isso mesmo, eu não me teria saído melhor se tivesse ido<br />

àquele programa. A mensagem não <strong>é</strong> convicta porque, convenhamos, a questão do casino não<br />

tem a mesma gravida<strong>de</strong> que muitas questões sociais colocadas pelo Bloco. Não <strong>é</strong> convincente<br />

porque, a meu ver, a maior parte dos lisboetas está-se nas tintas para o assunto: ou porque quer<br />

casinos e sabe muito bem como gerir os seus impulsos <strong>de</strong> jogo, ou porque não tem a mais<br />

pequena sauda<strong>de</strong> do Parque Mayer ou da revista, ou porque simplesmente já nem sabe o que <strong>é</strong> a<br />

Av. da Liberda<strong>de</strong>; porque, em s<strong>um</strong>a, já não há esses tais “lisboetas”, mas sim ou suburbanos ou<br />

pessoas que habitam as franjas do território do concelho. Para o bem ou para o mal – pouco<br />

importa.<br />

Talvez, no fundo, o problema resida n<strong>um</strong>a questão <strong>de</strong> estrat<strong>é</strong>gia: pensou-se que com este<br />

assunto se poria em cheque Santana Lopes. E pensou-se que se fazia isso propondo algo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocraticamente simpático para os cidadãos: <strong>um</strong> referendo. Nem <strong>um</strong>a nem outra, a meu ver.<br />

Pôr em causa, <strong>de</strong>sta forma publicitada, <strong>um</strong> casino, por muito justas que sejam as razões, <strong>é</strong><br />

necessariamente cair na armadilha do discurso moralista. Não basta dizer que não se subscreve<br />

esse discurso: ele vem à tona e <strong>é</strong>-nos atirado à cara à primeira oportunida<strong>de</strong>, porque ele faz parte<br />

dos mais incrustados discursos católico-moralistas. Mais: existe <strong>um</strong>a perigosa proximida<strong>de</strong><br />

entre esse tipo <strong>de</strong> discurso e o pior da esquerda paternalista. E colocar este assunto como tema<br />

do primeiro referendo municipal em Lisboa, <strong>de</strong>pois das <strong>de</strong>sgraças dos dois últimos referendos<br />

nacionais, significa criar mais anticorpos do que apoios. A haver referendo, ningu<strong>é</strong>m votaria, a<br />

abstenção seria terrível, e lá se iria o instituto por água abaixo outra vez. A não haver referendo<br />

– porque o que interessaria seria <strong>de</strong>sgastar Santana Lopes, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do <strong>de</strong>sfecho –<br />

pior ainda: saltaria à vista a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer estrat<strong>é</strong>gia política, muitas vezes inimiga das<br />

convicções.<br />

Ou se crê absolutamente no que se faz ou não vale a pena fazer. A prova disso está na <strong>de</strong>rrota<br />

estrondosa dos meus correligionários – e, logo, minha – naquele <strong>de</strong>bate televisivo. Po<strong>de</strong>-se<br />

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