Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
epresentativa e a criação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura <strong>de</strong> cidadania <strong>de</strong>mocrática entre a maioria da<br />
população. Lembram-se <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a vez no liceu terem aprendido como funciona a nossa<br />
<strong>de</strong>mocracia?<br />
Agora que estamos em eleições, tudo isso se torna pateticamente evi<strong>de</strong>nte. Durante alguns dias,<br />
ainda parecia que os temas das farmácias, da fiscalida<strong>de</strong> ou do aborto iriam dar alg<strong>um</strong>a<br />
dignida<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>bate. Rapidamente o futebol tomou a dianteira e tudo resvalou para o chinelo.<br />
Quando <strong>um</strong> iletrado dirigente <strong>de</strong> <strong>um</strong> clube dá o apoio, em nome do dito, a <strong>um</strong> candidato, isso<br />
revela que o caciquismo não choca nem envergonha. Quando <strong>um</strong> Euro 2004 vai custar pelo<br />
menos o dobro do que o orçamentado e mesmo assim segue avante com arg<strong>um</strong>entos<br />
nacionalistas contra a partilha da organização com a Espanha, <strong>é</strong> o Portugal atávico que vem ao<br />
<strong>de</strong> cima. N<strong>um</strong>a coisa, todavia, há muito pragmatismo: no dinheiro que a construção civil faz<br />
com isto tudo (sem que <strong>um</strong> tostão reverta para a mão <strong>de</strong> obra semi-escrava imigrante ou, com a<br />
fuga aos impostos, para a economia e a solidarieda<strong>de</strong> nacionais...), no po<strong>de</strong>r que dirigentes <strong>de</strong><br />
clube barra dirigentes partidários do PSD e do PS garantem e, algures nas traseiras disto tudo, a<br />
lavagem <strong>de</strong> dinheiro sujo <strong>de</strong> que estes interesses vivem, ao abrigo <strong>de</strong> leis fiscais mais<br />
permissivas do que as americanas. Por mim, já <strong>de</strong>cidi enveredar por <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sobediência cívica: recuso-me a falar <strong>de</strong> futebol e recuso-me a prosseguir <strong>um</strong>a conversa com<br />
quem o faça. Porquê? Porque a coisa chegou a <strong>um</strong> ponto em que <strong>é</strong> obsceno falar do assunto a<br />
não ser para <strong>de</strong>nunciá-lo. Oiço falar <strong>de</strong> futebol e sinto-me poluído. Vejo o pó das obras, o pó da<br />
heroína e o pó dos c<strong>é</strong>rebros e consciências <strong>de</strong>sta terra. Ponto final.<br />
Mas <strong>de</strong>pois ainda há a política no sentido estrito. A nossa mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> entrevada criou algo <strong>de</strong><br />
assustador com o apoio e estímulo <strong>de</strong>ssa coisa saída <strong>de</strong> licenciaturas <strong>de</strong> sub-cave que se chama<br />
Comunicação Social. Refiro-me à criação <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema político virtual e imaginário, que não<br />
está <strong>de</strong>scrito em lei alg<strong>um</strong>a. Quem chegasse do estrangeiro pensaria que em Portugal há dois<br />
partidos. Pensaria que nas eleições se elege directamente <strong>um</strong> primeiro ministro. Ora, da mesma<br />
forma que em certas coisas a greve <strong>de</strong> silêncio <strong>é</strong> o melhor – não falar <strong>de</strong> futebol at<strong>é</strong> que o<br />
assunto se torne vergonhoso para quem quiser <strong>de</strong>le falar – noutras há que relembrar o b-a-ba at<strong>é</strong><br />
à náusea. Assim, ponto <strong>um</strong>: em Portugal elegem-se listas <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados por círculos distritais<br />
que correspon<strong>de</strong>m aos distritos. Em Portugal, esses <strong>de</strong>putados vão constituir <strong>um</strong> parlamento<br />
on<strong>de</strong> se organizam por bancadas partidárias. O Presi<strong>de</strong>nte da República convoca o partido mais<br />
votado para formar governo. <strong>Este</strong> procura apoios que viabilizem o seu programa no parlamento,<br />
tendo para tal que contar com os seus <strong>de</strong>putados (maioria simples ou absoluta) e/ou procurar o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> alianças (com outro partido ou, em <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> causa, com Daniel<br />
Campelo, que tamb<strong>é</strong>m fingiu não saber como funciona o sistema político).<br />
Como pessoa <strong>de</strong> esquerda, cansado da tentativa <strong>de</strong> bipolarização e revoltado com a falta <strong>de</strong><br />
espinha dorsal dos dois partidos do centro, sei que nestas eleições <strong>é</strong> importante que a direita não<br />
ganhe. Mas, porque sei minimamente como funciona o sistema político português, sinto-me àvonta<strong>de</strong><br />
para votar em qualquer partido da esquerda com probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eleger <strong>de</strong>putados,<br />
para assim ter <strong>um</strong> maior número <strong>de</strong>stes naquela área política. Evitando, assim, <strong>um</strong>a maioria<br />
absoluta do PSD, mas dando <strong>um</strong> sinal ao PS <strong>de</strong> que necessita <strong>de</strong> se reconstituir como partido <strong>de</strong><br />
esquerda. Será que isto <strong>é</strong> muito difícil <strong>de</strong> perceber?<br />
Pois <strong>é</strong>, meus caros e minhas caras. Passei pelo stress <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mudança. Mu<strong>de</strong>i-me para <strong>um</strong><br />
ambiente mais mo<strong>de</strong>rno e fi-lo com esforço. Tenho telemóvel, sim, mas felizmente nem HIV<br />
nem tuberculose. Recuso-me a falar <strong>de</strong> futebol, sei que não há candidatos a primeiro-ministro e<br />
não esqueço que o Ferro Rodrigues <strong>é</strong> solidário com o governo que <strong>de</strong>u a machadada-mor no<br />
aborto e contribuiu para o <strong>de</strong>lírio do sistema político com a maioria absoluta conseguida com o<br />
apoio <strong>de</strong> <strong>um</strong> Daniel Campelo e provocando <strong>um</strong>a crise política por ter perdido <strong>um</strong>as autárquicas.<br />
Não esqueço, que querem? Votemos e em massa: mas nunca no PSD ou (por enquanto) no PS.<br />
Vamos então mo<strong>de</strong>rnizar – <strong>um</strong> bocadinho que seja – esta coisa?<br />
110