13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

– Tamb<strong>é</strong>m podíamos falar do buraquinho da sua orelha.<br />

– Dos dois!<br />

– Não seria muito com<strong>um</strong> ver <strong>um</strong> ministro com duas argolas.<br />

– Mas isso <strong>é</strong> Portugal. Ontem veio cá o mais importante historiador da antropologia, com <strong>um</strong> ar<br />

muito normal no bom sentido, muito parecido com o António Barreto (que eu prezo imenso!).<br />

E, para marcar a diferença, tinha <strong>um</strong>a argola grossa. Achei imensa piada. Portugal <strong>é</strong> <strong>um</strong> país que<br />

mudou muito mas com problemas <strong>de</strong> imagem terriveis.<br />

– A imagem <strong>é</strong> reflexo <strong>de</strong> qualquer coisa, como <strong>é</strong> evi<strong>de</strong>nte.<br />

– Aqui, quando se vêem imagens mais atrevidas, são muito tipificadas. Tudo nela <strong>é</strong> certinho<br />

como alternativo.<br />

– Uma provocação estudada?<br />

– É. Ou <strong>é</strong> gótico, ou <strong>é</strong> grunge, ou <strong>é</strong> punk. Em contextos mais cosmopolitas vêem-se <strong>é</strong> pessoas<br />

in<strong>de</strong>finiveis que fazem o seu próprio estilo. Isso <strong>é</strong> que engraçado.<br />

– Voltando ao ministro do Blair. Imagina que seria possível em Portugal <strong>um</strong>a situação idêntica?<br />

– Agora acho que sim, porque este país tamb<strong>é</strong>m surpreen<strong>de</strong>. As pessoas dizem: “Não vou fazer<br />

isto porque vai ser mal visto ou vai ter consequências”. Depois, quando se atrevem a dizer, a<br />

ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong>a coisa que <strong>é</strong> <strong>um</strong> bocado diferente, a primeira surpresa que têm <strong>é</strong>: “Olha, afinal, não<br />

foi nada <strong>de</strong> grave”. Há <strong>um</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> encaixe bastante gran<strong>de</strong> que, provavelmente, passa por <strong>um</strong>a<br />

forma <strong>de</strong> hipocrisia (as pessoas dizem mal noutros contextos). Uma coisa <strong>de</strong>ssas em Portugal<br />

era capaz <strong>de</strong> ser muito menos problemática do que se imagina.<br />

– Apesar do po<strong>de</strong>r da Igreja e da ligação do governo guterrista a <strong>um</strong>a ala mais conservadora do<br />

catolicismo?<br />

– Tenho imensas dúvidas do po<strong>de</strong>r da Igreja. Toda a gente sabe e reconhece que ser católico <strong>é</strong><br />

<strong>um</strong>a coisa por in<strong>é</strong>rcia, na maior parte dos casos. Há <strong>um</strong>a minoria praticante e que segue <strong>um</strong><br />

conjunto <strong>de</strong> preceitos, e há <strong>um</strong>a maioria que <strong>é</strong> apenas por in<strong>é</strong>rcia. Mas não tiram as conclusões<br />

disto, e eu acho que há conclusões a tirar.<br />

– Que são?<br />

– Todos esses que são por in<strong>é</strong>rcia e não são praticantes, na realida<strong>de</strong> não são católicos. Fica<br />

como <strong>um</strong>a maioria sem nome, muito mais maleável a influências sociais exteriores, a<br />

experimentar novos modos <strong>de</strong> vida, do que se pensa quando se pensa neles enquanto católicos,<br />

com <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias associadas a isto. Ser católico, em Portugal, não correspon<strong>de</strong> a<br />

nenh<strong>um</strong>a linha <strong>de</strong> acção ou <strong>de</strong> pensamento concreta. É <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> referência<br />

i<strong>de</strong>ntitário que, às vezes, se confun<strong>de</strong> com a própria nacionalida<strong>de</strong>.<br />

– Um <strong>de</strong>sfasamento entre o que lhes foi inculcado e a prática quotidiana?<br />

– É. Se viveres n<strong>um</strong> contexto multi<strong>é</strong>tnico ou multi-religioso <strong>é</strong> provável que sejas mesmo<br />

inculcada com i<strong>de</strong>ias muito fortes e controladoras porque estás em choque com outros. N<strong>um</strong><br />

país on<strong>de</strong> a coisa <strong>é</strong> por in<strong>é</strong>rcia toda ela católica, a maior parte das pessoas que passam pela<br />

catequese e pela comunhão não são inculcadas com coisa nenh<strong>um</strong>a. É como apren<strong>de</strong>rem a usar<br />

bem o garfo e a faca. Ser católico na Irlanda do Norte <strong>é</strong> <strong>de</strong> certeza muito mais forte e muito<br />

mais directivo da vida que em Portugal.<br />

– O seu olhar antropológico diz-lhe, então, que o país está mais permeável do que as pessoas<br />

imaginam?<br />

– Acho que sim. Po<strong>de</strong> continuar 50, 100, 200 anos a respon<strong>de</strong>r nas estatísticas que <strong>é</strong> católico e,<br />

no entanto, 90% dos seus actos quotidianos serem contrários ao que está escrito no catecismo.<br />

– Os antropólogos não gostam <strong>de</strong> estatísticas?<br />

235

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!