13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Guterres e o seu futuro primo no PSD terão <strong>de</strong> lidar com <strong>um</strong>a nova e <strong>um</strong>a velha pressão. De <strong>um</strong><br />

lado, a nova direita anti-europeísta e <strong>um</strong> tanto ou quanto inculta e juvenil do PP continuará a<br />

pressionar no sentido nacionalista e populista, invocando valores que eles próprios não viveram<br />

a não ser nos livros <strong>de</strong> leitura da escola primária. Do outro, o PCP continuará a dar voz à perda<br />

das “conquistas <strong>de</strong> Abril”, com alg<strong>um</strong>a razão, mas tamb<strong>é</strong>m como quem carrega <strong>um</strong> pedregulho<br />

que já não sabe muito bem a que pedreira foi tirar. PS e PSD parecer-se-ão cada vez mais,<br />

esgrimirão entre si a governação com arg<strong>um</strong>entos t<strong>é</strong>cnicos, ou <strong>de</strong>nunciando a imoralida<strong>de</strong> das<br />

falcatruas que se forem <strong>de</strong>scobrindo.<br />

Nesse contexto, caberá claramente a todos nós evitar a paz podre da bipolarização. E caberá a<br />

Sampaio ouvir, acarinhar e proteger o surgimento <strong>de</strong> formas novas <strong>de</strong> exercer a <strong>de</strong>mocracia,<br />

bem como <strong>de</strong> movimentos sociais extra-partidários que exerçam as suas pressões, influências e<br />

negociações com os governos; que permitam o regresso à Política com P gran<strong>de</strong>. Sampaio tem<br />

tudo o que precisa para civilizar politicamente este país. Foi agora que Portugal <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter<br />

<strong>um</strong>a vida política parecida com <strong>um</strong>a autarquia. Foi agora que a <strong>de</strong>mocracia começou em<br />

Portugal. Não a estraguem, por favor.<br />

O País Desencontrado<br />

(Público, 28.01.96)<br />

Apercebi-me há pouco que o programa “Ponto <strong>de</strong> Encontro” da SIC (que vejo com <strong>um</strong>a atenção<br />

mista <strong>de</strong> culpa est<strong>é</strong>tica, perversida<strong>de</strong> emocional e curiosida<strong>de</strong> etnográfica) completou <strong>um</strong> ano.<br />

Fazendo contas por alto, já por ali <strong>de</strong>vem ter passado para cima <strong>de</strong> 300 pessoas. Sem contar com<br />

as recusadas. Po<strong>de</strong>mos, pois, imaginar <strong>um</strong>a autêntica vaga <strong>de</strong> gente que procura <strong>de</strong>saparecidos.<br />

Isto, já <strong>de</strong> si, <strong>é</strong> indicativo <strong>de</strong> qualquer coisa <strong>de</strong> muito estranho: a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações que se<br />

quebram e a dificulda<strong>de</strong> sentida em reatá-las. Não interessa aqui se as pessoas <strong>de</strong>sejam<br />

sobretudo os cinco minutos <strong>de</strong> exposição mediática. Ou se <strong>é</strong> o programa que <strong>de</strong>spoleta<br />

nostalgias entretanto esquecidas. Os casos são verda<strong>de</strong>iros.<br />

O comentário tipicamente “snob” seria dizer que os participantes são “arraia miúda”, com<br />

poucos meios e educação. (Isto <strong>é</strong>: não seriam como os burgueses urbanos em busca <strong>de</strong> carros e<br />

viagens nos concursos...). As relações ter-se-iam quebrado porque as pessoas seriam<br />

provenientes <strong>de</strong> meios “disfuncionais” e porque não teriam o “capital cultural” suficiente para<br />

porem em marcha as buscas. Isto confirmar-se-ia com os “sinais exteriores” dos participantes:<br />

roupa, dialecto, pormenores das histórias <strong>de</strong> vida, embaraço na relação com o digníssimo<br />

apresentador, mulheres que não cruzam as pernas quando se sentam e colocam as mãos no<br />

regaço. E por aí fora. É <strong>um</strong> comentário classista. Na verda<strong>de</strong>, o que temos <strong>é</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />

catástrofes que – por razões sociais – afectam as vidas dos mais <strong>de</strong>sprotegidos.<br />

Os factos por trás da maior parte dos casos apresentados res<strong>um</strong>em-se a alguns tipos. Em<br />

primeiro lugar, temos <strong>um</strong>a quantida<strong>de</strong> impressionante <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong>smembradas: crianças<br />

abandonadas à nascença, adopções compulsivas, divórcios ferozes, fugas <strong>de</strong> casa, pais tiranos,<br />

mães “<strong>de</strong>snaturadas”. Histórias <strong>de</strong> família que se res<strong>um</strong>em na frase “sofri muito, muito mesmo”.<br />

“Ponto <strong>de</strong> Encontro” quer ser <strong>um</strong>a secção emocional da Cruz Vermelha. Mas acaba por revelar<br />

que a Família não funciona lá muito bem. Ela não surge nem como o lugar natural da<br />

afectivida<strong>de</strong>, nem <strong>é</strong> nos “mais h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>s” ou tradicionais que ela se “aguenta”.<br />

Em segundo lugar, temos as migrações e a emigração. É <strong>um</strong> pedaço importante da história do<br />

país que ali está: o <strong>de</strong>slocamento para as cida<strong>de</strong>s; a mis<strong>é</strong>ria que leva a emigrar; a perda <strong>de</strong><br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> regressar; a opção por outra vida. Diz muito a <strong>de</strong>sfavor da fantasia do cantinho <strong>de</strong><br />

origem ou da sauda<strong>de</strong>. De alg<strong>um</strong> modo ligado a este tópico, surge o das colónias. Ou são casos<br />

<strong>de</strong> emigração para África e corte com a família em Portugal, ou casos relacionados com a<br />

confusão pós-in<strong>de</strong>pendência e o “retorno”. Entre os dois momentos e movimentos, está outra<br />

9

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!