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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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ENTREVISTAS<br />

Babel, Jornal da Bienal <strong>de</strong> Cascais, 1995. Por Rui Catalão.<br />

Po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “cidadania dilacerada” , <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cidadania esvaziada <strong>de</strong> conteúdo?<br />

Palavras como ecologia, cidadania, <strong>de</strong>mocracia, solidarieda<strong>de</strong> são exemplos <strong>de</strong> conceitos que<br />

circulam com muito à vonta<strong>de</strong>, que são ditos por toda a gente e que estão escritos nas<br />

constituições. Mas não <strong>é</strong> só a simples questão <strong>de</strong>, apesar disto tudo, não serem c<strong>um</strong>pridos. As<br />

pessoas mais responsáveis pela acção política, pela concretização das coisas, não sabem (ou,<br />

pelo menos, não <strong>de</strong>monstram saber) o que querem dizer com essas palavras. Usam-nas como<br />

fetiches, são palavras fetiche.<br />

A <strong>de</strong>mocracia representativa <strong>é</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mocracia “real”?<br />

A <strong>de</strong>mocracia representativa <strong>é</strong> o grau zero, <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> partida. E <strong>é</strong> <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> partida<br />

inalienável, <strong>é</strong> fundamental. O problema em Portugal <strong>é</strong> que, durante muito tempo, foi <strong>um</strong> ponto<br />

<strong>de</strong> chegada. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>morou muito tempo a tornar a pegar o movimento e a perceber-se que<br />

não bastava a <strong>de</strong>mocracia representativa. A maioria das pessoas não tem a mínima capacida<strong>de</strong><br />

(no sentido <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r), não tem o mínimo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão sobre as condições da sua vida. E<br />

essa <strong>é</strong> <strong>um</strong>a ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia.<br />

Hoje faltam elementos <strong>de</strong> ligação das pessoas à sua realida<strong>de</strong>, elementos <strong>de</strong> compreensão?<br />

O que falta às pessoas <strong>é</strong> educação. Educação no sentido <strong>de</strong> perceber. É a pessoa que, ao mesmo<br />

tempo que aprenda sobre si própria e sobre os seus sentimentos, que apren<strong>de</strong> a gerir-se a si<br />

própria como pessoa, aprenda tamb<strong>é</strong>m a <strong>de</strong>smontar mecanismos sociais que a ultrapassam. Se<br />

não sei como funciona minimamente a socieda<strong>de</strong>, se não sei quais são as suas regras básicas,<br />

não sei como <strong>é</strong> que certas maningâncias ou certas coisas boas po<strong>de</strong>m ser feitas, logo não mexo.<br />

E, quando muito, reajo apenas emotivamente e exclusivamente – o que <strong>é</strong> <strong>um</strong> problema<br />

civilizacional gravíssimo.<br />

Estamos a chegar a <strong>um</strong> ponto crítico n<strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie <strong>de</strong> questões?<br />

Estamos, no caso das pessoas que têm responsabilida<strong>de</strong>s políticas – não dos cidadãos em geral<br />

mas <strong>de</strong> quem tem responsabilida<strong>de</strong>s para <strong>de</strong>cidir o que <strong>é</strong> que se faz amanhã ou <strong>de</strong>pois. Há <strong>um</strong>a<br />

enorme inconsciência, ignorância mesmo. Gran<strong>de</strong> parte das pessoas que tem cargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />

políticasofrem do mesmo problema <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> educação, neste sentido. Mas isso <strong>é</strong> parte. A<br />

outra parte <strong>é</strong> a irresponsabilida<strong>de</strong>, que <strong>é</strong> prestar mais atenção a <strong>de</strong>terminados efeitos <strong>de</strong> fachada<br />

ou a estrat<strong>é</strong>gias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r imediato do que a <strong>um</strong> projecto para <strong>um</strong> país. E a terceira coisa <strong>é</strong>,<br />

nalguns casos, má-f<strong>é</strong>. Porque <strong>de</strong> facto há n interesses que são garantidos pela ausência <strong>de</strong><br />

educação nesse sentido que estou a dizer.<br />

O que falta para que as pessoas tomem medidas concretas face aos problemas da economia e da<br />

ecologia?<br />

O impedimento <strong>é</strong> cultural, dos mais difíceis <strong>de</strong> ultrapassar e que se liga à questão do “welfare<br />

state” ou da solidarieda<strong>de</strong> social. Só se resolve o problema ecológico e só se garante que esta<br />

“porcaria não rebenta toda”, só se evita emigrações em massa (<strong>um</strong>a variável <strong>de</strong>sse problema), e<br />

só se evita o a<strong>um</strong>ento da pobreza (outra variável) , se as pessoas estiverem dispostas a ter menos<br />

<strong>de</strong> certas coisas, a partilhar, a baixar o nível das suas expectativas. Nomeadamente <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o,<br />

que já se tornou n<strong>um</strong> traço cultural como <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> pensar ou <strong>um</strong>a língua. E a nível da<br />

classe política <strong>é</strong> terrível pedir isso às pessoas.<br />

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