13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>é</strong> noiva, embora o excesso <strong>de</strong> rendas o pareça indicar; o único estado civil <strong>é</strong> o da casada que trai<br />

o marido, muitas vezes em cenas l<strong>é</strong>sbicas (o maior enigma das fantasias heterossexuais); e as<br />

actrizes são <strong>de</strong> certeza camponesas vindas para a cida<strong>de</strong> mas têm mais <strong>de</strong> profana-putana-terraa-terra<br />

do que sagrada-<strong>de</strong>usa-telúrica. Só <strong>um</strong>a coisa <strong>é</strong> certa: são profissionais.<br />

Boas intenções e trela curta.<br />

(“A Capital”, 06.97)<br />

Não <strong>é</strong> preciso ir à procura <strong>de</strong> truques retóricos na proposta <strong>de</strong> legislação sobre Procriação<br />

Medicamente Assistida (PMA) para saber do que se trata do ponto <strong>de</strong> vista das opções <strong>de</strong> fundo<br />

em termos civilizacionais. Logo na primeira linha da “Exposição <strong>de</strong> Motivos” (o preâmbulo à<br />

proposta) se diz que “a esterilida<strong>de</strong> dos CASAIS <strong>de</strong>sejosos <strong>de</strong> ter filhos” (ênfase meu) <strong>é</strong> o que<br />

motiva socialmente esta proposta. Tudo bem. Só que, na mesma “Exposição” res<strong>um</strong>em-se os<br />

princípios a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r na proposta legislativa, saltando à vista os dois principais: a) “apenas<br />

quando existam alterações comprovadas dos mecanismos fisiológicos da reprodução” (ver Art°<br />

2°); b) “só <strong>de</strong>vem po<strong>de</strong>r beneficiar das t<strong>é</strong>cnicas <strong>de</strong> PMA casais heterossexuais, com estabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> relação” (ver Art° 4°).<br />

Para lá da questão <strong>de</strong>tectivesca <strong>de</strong> como saber se o homem e a mulher <strong>de</strong> <strong>um</strong> casal são <strong>de</strong> facto<br />

“heterossexuais” – para mais em Portugal -, o que choca <strong>é</strong> o facto <strong>de</strong> estes princípios<br />

prece<strong>de</strong>rem em grau <strong>de</strong> importância os das proibições da compra e venda <strong>de</strong> material gen<strong>é</strong>tico,<br />

por exemplo. Mais: o Art° 2° diz que <strong>é</strong> “lícito o recurso a t<strong>é</strong>cnicas <strong>de</strong> PMA com o fim <strong>de</strong><br />

proce<strong>de</strong>r à prevenção e ao tratamento <strong>de</strong> anomalias <strong>de</strong> origem gen<strong>é</strong>tica conhecida”. Tudo bem.<br />

E justo. Mas isto significa que são maiores as probabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> usar PMA por parte <strong>de</strong>stas<br />

pessoas do que por parte <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mulher saudável, seja ela solteira ou estando ela n<strong>um</strong>a relação<br />

afectiva com outra mulher.<br />

Em pânico com a evolução tecnológica e com as alterações na família e na intimida<strong>de</strong> (e as<br />

novas regras morais respeitantes, que não a anarquia que os trogloditas pensam); <strong>de</strong>pois do<br />

ch<strong>um</strong>bo da lei do aborto por <strong>um</strong> voto da bancada do próprio partido proponente, invocando a<br />

consciência naquilo que <strong>é</strong> claramente <strong>um</strong>a questão política e <strong>de</strong> justiça; e perante as<br />

potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas e construtivas da legislação sobre uniões <strong>de</strong> facto – o governo<br />

preocupa-se agora sobretudo com isto: como manter a r<strong>é</strong><strong>de</strong>a curta nas mulheres que insistem em<br />

serem mães solteiras e nas que amam outras mulheres e <strong>de</strong>sejariam exercer a maternida<strong>de</strong>.<br />

Para garantir tal, dão-se cambalhotas lógicas: como na admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> embrião não<br />

usado pelo casal “legítimo” ser usado por outro. Porquê? Porque a lei proibirá a <strong>de</strong>struição <strong>de</strong><br />

fetos, visto ter como substrato a mentalida<strong>de</strong> anti-aborto. Procurar-se-á, então,<br />

<strong>de</strong>sesperadamente, <strong>um</strong> casal, recusando-se a hipótese <strong>de</strong> recorrer à PMA por parte <strong>de</strong> quem o<br />

<strong>de</strong>seja. Claro que isto <strong>é</strong> sempre feito com o arg<strong>um</strong>ento hipócrita do interesse das crianças: o<br />

governo permite-se partir do princípio hipot<strong>é</strong>tico <strong>de</strong> que <strong>um</strong>a criança seria infeliz com duas<br />

mães; mas pouco lhe importa se o casal <strong>de</strong> homem e mulher <strong>é</strong> na realida<strong>de</strong> <strong>um</strong>a associação <strong>de</strong><br />

homossexuais – o que aliás seria <strong>um</strong>a bela partida a pregar ao Estado Novo-Católico em que<br />

vivemos sob aprotecção beneplácita, bem-intencionada e pia <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong> Bel<strong>é</strong>m e Guterres.<br />

Para tal, tão-pouco hesita – está lá, no texto da proposta – em tecer os estafados consi<strong>de</strong>randos<br />

sobre os “valores da comunida<strong>de</strong> nacional”, coisa que nem os antropólogos (supostos<br />

especialistas na mat<strong>é</strong>ria) fazem a mais pequena i<strong>de</strong>ia do que seja. A não ser <strong>um</strong>a coisa: sabemos<br />

comprovadamente que esse arg<strong>um</strong>ento <strong>é</strong> sempre usado pelo trogloditismo para justificar a paz<br />

podre e impedir a abertura <strong>de</strong> novas chances <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> a <strong>um</strong> número maior <strong>de</strong> pessoas. De<br />

boas intenções está o inferno cheio. Sobretudo quando se mant<strong>é</strong>m a trela curta.<br />

Uma história com moral.<br />

(“Linhas Cruzadas”, Revista da PT, 07.98)<br />

177

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!