Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
o “tchau” <strong>é</strong> <strong>um</strong>a invenção revolucionária. Em português (<strong>de</strong> Lisboa, pois há muito sítio on<strong>de</strong> se<br />
diz “tchão”, por exemplo) não existe o som “tch”, nem forma correcta <strong>de</strong> o grafar (o que<br />
<strong>de</strong>monstra a hegemonia do alfacinha). Mas os portugueses – que são tão anti-ortográficos como<br />
anti-clericais – não ligaram a isso e facilitaram as coisas. Ajudados pelos media, aliás: <strong>de</strong>sconfio<br />
que <strong>um</strong> purista da língua gostaria <strong>de</strong> ver escrito Xex<strong>é</strong>nia ou Chech<strong>é</strong>nia em vez da actual<br />
Tchetch<strong>é</strong>nia.<br />
Ao nível da fala, tamb<strong>é</strong>m se nota <strong>um</strong>a diferença entre “xau” e “tchau”. Os que pronunciam da<br />
primeira forma aportuguesaram a palavra, tornando-a mais chã (“tchã”?) e pesada. Os que<br />
pronunciam da segunda forma, dão ares <strong>de</strong> italiano, ainda que a imagem mental da palavra lhes<br />
surja com o “tch” – do mesmo modo que antes se dizia “Tchecoslováquia” (agora diz-se <strong>um</strong>a<br />
coisa horrível, República Checa. Quando <strong>é</strong> que inventam outra coisa, por exemplo Ch<strong>é</strong>quia?).<br />
Ambas as formas são ainda passíveis <strong>de</strong> dois requintes, bem à portuguesa: xauzinho (ou<br />
tchauzinho) e xau-xau (ou tchau-tchau). A primeira sugere o gosto pelo diminuitivo, que os<br />
comentadores optimistas vêem como sinal <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> e ternura, os pessimistas como sinal <strong>de</strong><br />
pequenez e falta <strong>de</strong> ambições. A segunda remete-nos para a tendência para a repetição, o grau<br />
zero do ênfase, como em “assim-assim”, “tou-tou”, “pois-pois” e outros ecos do nosso falar<br />
quotidiano.<br />
(De repente lembrei-me doutra variante que tenho ouvido a gente do tipo “<strong>um</strong> gajo porreiro”:<br />
“tchauzão” (ou “xauzão”). <strong>Bem</strong> sei, soa grosseiro. É o gosto pelo exagero. É a expressão dos<br />
gran<strong>de</strong>s corações. Só que, por este andar, ainda algu<strong>é</strong>m vai começar a dizer “xauzíssimo”).<br />
Chegado da Itália, sabe-se lá por que rotas migratórias, o “ciao” crioulizou-se e soaria hoje<br />
bizarro a <strong>um</strong> italiano.Tem graça: afinal a crónica não foi tão fútil assim.<br />
P.S: A minha mãe confirma (ainda que 1974 seja cada vez mais <strong>um</strong> marcador mitológico do<br />
tempo para todos nós) que só começou a ouvir dizer “ciao” por volta do 25 <strong>de</strong> Abril. E ouvi<strong>um</strong>e.<br />
Que vergonha.<br />
Os 25 <strong>de</strong>graus<br />
(Público, 21.07.96)<br />
No aeroporto <strong>de</strong> Barcelona compro o “El País”. Leio a notícia sobre o 10º lugar ocupado pela<br />
Espanha no índice do <strong>de</strong>senvolvimento h<strong>um</strong>ano do Programa das Nações Unidas para o<br />
Desenvolvimento (PNUD). Os índices nunca são perfeitos, bem sei, mas por isso mesmo se<br />
chamam índices. O do PNUD <strong>é</strong> especialmente interessante, pois baseia-se em crit<strong>é</strong>rios que vão<br />
mais al<strong>é</strong>m dos indicadores económicos. Podia-se chamar, sem excesso <strong>de</strong> <strong>de</strong>magogia, “indíce<br />
das hipóteses <strong>de</strong> ser feliz”. A notícia era normal, sem gritarias nacionalistas. Mais: preocupavase<br />
em comparar a posição da Espanha em relação à Austrália (!) e em explicar o que se passa<br />
com os países que surgem para baixo da posição 100.<br />
Minutos <strong>de</strong>pois, no avião da TAP, leio “A Capital”. Notícia <strong>de</strong> primeira página sobre a 35ª<br />
posição ocupada por Portugal no mesmo índice. Faço as contas: separam-nos 25 pontos. Isto <strong>é</strong>,<br />
25 países. Isto <strong>é</strong>, 25 <strong>de</strong>graus na escala das oportunida<strong>de</strong>s para <strong>um</strong>a vida melhor. Desta vez,<br />
comparando com anos anteriores, o artigo at<strong>é</strong> que nem elaborava aquelas <strong>de</strong>sculpas do cost<strong>um</strong>e<br />
sobre a falta <strong>de</strong> rigor <strong>de</strong>stes indicadores. Parece que assentámos os p<strong>é</strong>s na terra e<br />
compreen<strong>de</strong>mos o que significa estar na cauda da Europa. A comparação com a Espanha <strong>é</strong>,<br />
todavia, inevitável. O artigo <strong>de</strong> “El País” não estabelecia comparações com Portugal. O nosso<br />
país está fora do “campo do comparável” para a Espanha – o que <strong>é</strong> em si mesmo <strong>um</strong> terrível<br />
indicador. Já o artigo <strong>de</strong> “A Capital” (como os <strong>de</strong> outros jornais) <strong>de</strong>ixa entrever a comparação<br />
constante com “os nossos vizinhos”. Estamos fritos.<br />
As coisas complicam-se quando vemos quais são as variáveis que nos remetem tão para baixo<br />
na escala do PNUD. Deixemos <strong>de</strong> lado o fraco investimento na saú<strong>de</strong> e segurança social, coisas<br />
36