13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

como eu, ficaremos duplamente revoltados e preocupados. Continuaremos a tentar <strong>de</strong>sconstruir<br />

a pouca informação que nos chega; continuaremos a ter espírito crítico; continuaremos a<br />

<strong>de</strong>nunciar a violência terrorista e a <strong>de</strong> Estado. Eles, os redactores na nova or<strong>de</strong>m neo-liberal, não<br />

farão nada. Nem pelo menos alistarem-se nas forças expedicionárias.<br />

Sem título<br />

(Webpage, 6.10.01 a)<br />

Parece que Samuel Huntington se apressou a <strong>de</strong>smentir que a nova “or<strong>de</strong>m” internacional pós-<br />

11 <strong>de</strong> Setembro fosse a comprovação da sua tese sobre o “choque <strong>de</strong> civilizações”. Honra lhe<br />

seja feita, pois assim, pelo menos, retira alg<strong>um</strong>a força a quem <strong>de</strong>seja ver na situação actual a<br />

batalha final entre Oci<strong>de</strong>nte e Oriente ou Cristanda<strong>de</strong> e Islão. Mais ou menos em simultâneo,<br />

Francis Fukuyama apressa-se a dizer que a História não recomeçou. Ela continua “acabada”,<br />

como aquando do surgimento da sua tese sobre o “fim da História”.<br />

A i<strong>de</strong>ia central <strong>de</strong> Huntington <strong>é</strong> <strong>de</strong> que, mais do que todas as disputas entre mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong> e economia, o mundo se divi<strong>de</strong> em várias civilizações, assentes em preceitos <strong>é</strong>ticos,<br />

religiosos e culturais incompatíveis entre si. O choque entre eles <strong>é</strong> inevitável e <strong>é</strong> não só provável<br />

como <strong>de</strong>sejável que o mo<strong>de</strong>lo judaico-cristão oci<strong>de</strong>ntal, sobre o qual supostamente assentam o<br />

liberalismo e a <strong>de</strong>mocracia, triunfará. A i<strong>de</strong>ia central <strong>de</strong> Fukuyama <strong>é</strong> <strong>de</strong> que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />

entendida como o triunfo simultaneamente do capitalismo e da <strong>de</strong>mocracia liberal, triunfou à<br />

escala planetária e com esse triunfo acabou a História, isto <strong>é</strong>, a dial<strong>é</strong>ctica dos conflitos entre<br />

projectos e mo<strong>de</strong>los diferentes.<br />

Ambas as teorias foram rapidamente popularizadas e apropriadas. Por quem? Pelos que<br />

necessitavam urgentemente <strong>de</strong> apoio “teórico” para explicar <strong>um</strong> movimento <strong>de</strong> globalização<br />

neo-liberal quer no plano económico quer no político. Curioso <strong>é</strong> que se juntou a fome à vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> comer: Huntington e Fukuyama praticam o que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>signar como ciência política pop,<br />

isto <strong>é</strong>, <strong>de</strong>stinada a ven<strong>de</strong>r muito. Para ven<strong>de</strong>r muito, tem que ser simples – ou mesmo simplista<br />

– e correspon<strong>de</strong>r a i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> senso com<strong>um</strong> que os próprios cons<strong>um</strong>idores da teoria já<br />

partilhavam mas que não haviam conseguido formular <strong>de</strong> forma sistemática.<br />

Teorias <strong>de</strong>ste tipo são necessariamente i<strong>de</strong>ológicas. Peguemos apenas em dois exemplos: o uso<br />

<strong>de</strong> “civilização” e <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”. Para o universo Huntingtoniano, civilização <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />

precipitado <strong>de</strong> crenças e valores cristalizados ao longo <strong>de</strong> s<strong>é</strong>culos e que têm por base doutrinas<br />

religiosas que permitem certas coisas e impe<strong>de</strong>m outras <strong>de</strong> acontecer. Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

simplificação da tese <strong>de</strong> Max Weber sobre as relações entre o protestantismo e o capitalismo. O<br />

problema está em que este tipo <strong>de</strong> simplificação impe<strong>de</strong> a análise do mundo na sua<br />

complexida<strong>de</strong>: a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e, sobretudo, o aceleramento da globalização, criaram situações<br />

<strong>de</strong> mistura e <strong>de</strong> proliferação <strong>de</strong> níveis <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que não cabem já <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> chap<strong>é</strong>us <strong>de</strong><br />

chuva como “civilização”. On<strong>de</strong> encaixar <strong>um</strong> muçulmano que dá aulas <strong>de</strong> física n<strong>um</strong>a<br />

universida<strong>de</strong> inglesa? Ou <strong>um</strong>a mulher católica que acha que a igreja não <strong>de</strong>ve proibir a<br />

contracepção? Ou <strong>um</strong> negro americano que em vez <strong>de</strong> usufruir da “<strong>é</strong>tica protestante” e do<br />

“espírito do capitalismo” tem n vezes mais probabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ir parar à ca<strong>de</strong>ia do que o seu<br />

concidadão branco?<br />

E isto para não falar do uso in<strong>de</strong>vido da expressão “civilização”. Se Huntington tem o cuidado<br />

<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>le <strong>um</strong> termo neutro, os leitores confun<strong>de</strong>m-no sistematicamente com <strong>um</strong> juízo <strong>de</strong><br />

valor, em que civilização <strong>é</strong> necessariamente a sua, sendo barbárie tudo o resto. O erro<br />

fundamental <strong>de</strong> Huntington, popularizado entre os seus apropriadores, está na forma <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />

“cultura” no seu sentido antropológico. Para eles as culturas, que confun<strong>de</strong>m com socieda<strong>de</strong>s,<br />

são vistas como realida<strong>de</strong>s estanques, com correspondência entre território, população e partilha<br />

<strong>de</strong> valores. O que, em última instância, conduz à intradutibilida<strong>de</strong> das culturas. <strong>Este</strong> pensamento<br />

está na base <strong>de</strong> dois erros <strong>de</strong> interpretação, <strong>de</strong> polarida<strong>de</strong> oposta, mas ambos conducentes a<br />

93

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!