13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

por oposição a ele, por afastamento, por aproximação, por negação, ou por a<strong>de</strong>são, várias outras<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s masculinas se constituem. O feminismo tradicional em antropologia estava muito<br />

mais preocupado em perceber quais eram os mecanismos sociais que garantiam o po<strong>de</strong>r<br />

masculino, o que <strong>é</strong> importantíssimo, mas <strong>é</strong> diferente <strong>de</strong> perceber como <strong>é</strong> que os homens<br />

adquirem a masculinida<strong>de</strong>, como a gerem, o que <strong>é</strong> que enten<strong>de</strong>m por ela.<br />

P. – Enquanto instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r?<br />

R. – Ao contrário do que se possa pensar, não <strong>é</strong> apenas como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

sobre outros, nomeadamente as mulheres, mas <strong>é</strong> <strong>de</strong> duas outras coisas mais. É exercício <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r sobre outros homens e <strong>é</strong> tamb<strong>é</strong>m como forma <strong>de</strong> “empowerment” <strong>de</strong> si próprios. Nas<br />

situações, por exemplo, <strong>de</strong> pessoas que estão extremamente <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong> cidadania,<br />

ou completamente <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> intervenção ao nível sócio-económico, como neste<br />

contexto, e em que muitas vezes recursos vindos da simbólica da masculinida<strong>de</strong> são importantes<br />

formas compensatórias.<br />

P. – Funciona então como meio <strong>de</strong> adquirir prestígio social?<br />

R. -A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> prestígio está justamente ligada, no caso da masculinida<strong>de</strong>, à i<strong>de</strong>ia – as coisas são<br />

bastante mais complicadas do que eu vou dizer – <strong>de</strong> que, à falta <strong>de</strong> outro tipo <strong>de</strong> capital, há este<br />

capital <strong>de</strong> ascensão social que me foi oferecido e que eu posso pôr n<strong>um</strong>a conta a ren<strong>de</strong>r.<br />

P. – Significa que, para certas classes socialmente <strong>de</strong>sprestigiadas, o g<strong>é</strong>nero se torna mais<br />

central enquanto forma <strong>de</strong> adquirir prestígio?<br />

R. – Essa <strong>é</strong> que <strong>é</strong> a questão. Sim, <strong>é</strong> central. Mas acontece que os outros tamb<strong>é</strong>m funcionam no<br />

mesmo registo. O que aconteceu neste terreno específico <strong>é</strong> que os outros – os ricos, os<br />

po<strong>de</strong>rosos, etc.- têm gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>ssa questão resolvida por outras formas <strong>de</strong> capital que são<br />

passíveis <strong>de</strong> serem vistas metaforicamente como capital <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong>. Ter dinheiro, exercer<br />

po<strong>de</strong>r, manipular relações, ter clientes, são formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que aparentemente não têm nada a<br />

ver com o g<strong>é</strong>nero. Mas <strong>de</strong>pois, nas práticas discursivas, o que eu percebi <strong>é</strong> que tem tudo a ver<br />

com o g<strong>é</strong>nero. Fertilizam-se mutuamente.<br />

P. – Subenten<strong>de</strong>-se no livro que a masculinida<strong>de</strong> permanece <strong>um</strong>a coisa que <strong>é</strong> preciso reforçar a<br />

todo o instante.<br />

R. – O que <strong>é</strong> frágil na masculinida<strong>de</strong> – isso digamos que <strong>é</strong> <strong>um</strong>a das coisas que eu <strong>de</strong>fendo claramente<br />

– <strong>é</strong> por ser <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> ascendência social. Acho que todas as formas <strong>de</strong> ascendência<br />

social são frágeis. É difícil algu<strong>é</strong>m aguentar-se lá em cima e <strong>é</strong> preciso reforçar-se <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a<br />

maneira. Não <strong>é</strong> taxativo, não <strong>é</strong> imediato. E então se <strong>um</strong>a pessoa, ainda por cima, estiver<br />

<strong>de</strong>scapitalizada noutras fontes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, mais frágil ela se torna, portanto, mais performativa<br />

tem que ser a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que se tem aquilo. Daí alg<strong>um</strong>as manifestações <strong>de</strong> machismo, ou<br />

<strong>de</strong> bravata, ou <strong>de</strong> todo aquele folclore que <strong>é</strong> já do senso com<strong>um</strong> criticar como sendo o<br />

machismo.<br />

P. – Porque se socorreu da psicanálise – do princípio da realida<strong>de</strong> e dos comportamentos<br />

regressivos – para <strong>de</strong>monstrar o carácter contraditório do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong>?<br />

R. – Porque foi o único mo<strong>de</strong>lo que nos foi apresentado at<strong>é</strong> agora que nos fala nesses termos.<br />

Não <strong>é</strong> que seja o mais correcto. Era bom que houvesse <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo sociológico ou antropológico<br />

para isso. O que acontece <strong>de</strong> facto <strong>é</strong> que a contradição existe, aliás, tinha <strong>de</strong> lá estar. Se não<br />

estivesse lá, os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong> não mudavam nunca. O que <strong>é</strong> mais espantoso ainda <strong>é</strong><br />

a consciência que os homens têm disso. Nos raros momentos em que as pessoas falavam <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

forma emotiva sobre a sua auto-experiência, sobre a sua auto-i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, essa contradição que<br />

eu pensei ter visto como antropólogo viam-na eles próprios como actores. Há todo <strong>um</strong> discurso,<br />

por exemplo, sobre o casamento como o fim da liberda<strong>de</strong>, como a submissão do homem a <strong>um</strong>a<br />

patroa, como o mundo das obrigações, etc. Aquele mo<strong>de</strong>lo não po<strong>de</strong> ser completamente <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong> adolescente, porque se per<strong>de</strong>m outras fontes <strong>de</strong> prestígio, e não se po<strong>de</strong> ser<br />

completamente dom<strong>é</strong>stico e familiar porque se per<strong>de</strong> todo o prestígio vindo do jogo, da<br />

diversão, da saída, do grupo homossocial <strong>de</strong> tipo adolescente. Essa contradição <strong>é</strong> claramente<br />

vivida pelas pessoas e nunca resolvida. Há outro tipo <strong>de</strong> marcadores <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social que<br />

ajudam a resolver isso temporariamente. Um <strong>de</strong>les <strong>é</strong> a ida<strong>de</strong>.<br />

P. – Os seus informandos são quase sempre masculinos. Como <strong>é</strong> que isso funciona em termos<br />

<strong>de</strong> rigor antropológico?<br />

208

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!