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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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mesmo entre os meus “correligionários”. Ou sobretudo entre eles. Des<strong>de</strong> logo, porque quem<br />

está profissionalmente na política po<strong>de</strong> dizer certas coisas e não po<strong>de</strong> dizer outras. Por exemplo,<br />

não po<strong>de</strong> dizer o que acha sobre as pessoas que votam LePen. Isto <strong>é</strong>, não po<strong>de</strong> dizer que são<br />

ignorantes e estúpidas. A alternativa, como em tantos outros casos semelhantes, parece ser a<br />

“carida<strong>de</strong> sociológica”: esses eleitores seriam vítimas <strong>de</strong> algo.<br />

É-nos dito que esse “algo” tem a ver com as políticas <strong>de</strong> centro praticadas tanto pela direita<br />

quanto pela esquerda institucionais e com os efeitos da globalização neoliberal. É-nos dito ainda<br />

que se essas esquerdas soubessem i<strong>de</strong>ntificar bem os problemas e propôr as soluções correctas,<br />

os eleitores dos LePens <strong>de</strong>ste mundo teriam votado nela. Parecendo confirmar esta tese, <strong>é</strong>-nos<br />

dito tamb<strong>é</strong>m que muitos eleitores dos PCs votam agora na extrema direita. Estas i<strong>de</strong>ias só<br />

fariam sentido se a vivência da <strong>de</strong>mocracia que temos fosse baseada n<strong>um</strong> contrato racional e<br />

honesto. Mas como <strong>é</strong> isso possível se o discurso, a est<strong>é</strong>tica, a publicida<strong>de</strong> e a prática da política<br />

institucional se apresentam, quando muito, como <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sonesta (eu digo x, mas<br />

toda a gente sabe que vou fazer y e <strong>de</strong>pois dizer que sempre disse que faria y)?<br />

Mas há mais e po<strong>de</strong> ser formulado como <strong>um</strong>a pergunta “ing<strong>é</strong>nua”: quereríamos nós, na<br />

esquerda, o voto <strong>de</strong>ssas pessoas? O voto <strong>de</strong> quem <strong>é</strong> capaz <strong>de</strong> votar LePen? As ansieda<strong>de</strong>s e<br />

vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssas pessoas po<strong>de</strong>riam ter sido satisfeitas por <strong>um</strong> programa <strong>de</strong> esquerda? Que<br />

quereria isso dizer sobre a política <strong>de</strong> esquerda? Por mim, certamente não me reconheceria nela.<br />

É este o problema da carida<strong>de</strong> sociológica: aproxima-se <strong>de</strong>masiado do espírito evangelizador, <strong>de</strong><br />

adaptação das mensagens prof<strong>é</strong>ticas aos traços culturais <strong>de</strong> cada povo ou <strong>é</strong>poca. E acredita<br />

<strong>de</strong>masiado na racionalida<strong>de</strong> das pessoas e das suas escolhas (ou quando muito, na sua<br />

ingenuida<strong>de</strong> em acreditarem na suposta racionalida<strong>de</strong> e honestida<strong>de</strong> do sistema).<br />

Outro aspecto estranho das reacções inflamadas contra o avanço da extrema-direita <strong>é</strong> a<br />

facilida<strong>de</strong> com que as memórias do nazi-fascismo são convocadas. A facilida<strong>de</strong> com que a estes<br />

partidos e eleitores se chama <strong>de</strong> fascistas ou nazis. Não me parece a <strong>de</strong>signação correcta; não<br />

por purismo das <strong>de</strong>finições, mas pelo perigo que comportam. É que essas <strong>de</strong>finições, ao<br />

classificarem <strong>um</strong>a coisa do presente com etiquetas do passado, acabam por não perceber a<br />

novida<strong>de</strong> que temos à nossa frente. Se estas pessoas e estes partidos fossem “simplesmente”<br />

nazi-fascistas era fácil eliminá-los, proibi-los ou <strong>de</strong>nunciá-los aos olhos <strong>de</strong> todos. O problema<br />

está em que eles são fenómenos novos. Trata-se, sem dúvida, <strong>de</strong> fenómenos que assentam em<br />

gran<strong>de</strong> medida na exclusão, na insegurança, na mudança <strong>de</strong> valores. Nisso há semelhanças com<br />

o passado. Mas a escala e o vol<strong>um</strong>e são diferentes: trata-se <strong>de</strong> mais gente, <strong>de</strong> gente que participa<br />

mais no processo <strong>de</strong>mocrático e eleitoral, gente que teve mais acesso à educação formal, que<br />

tem muito acesso aos “media” e que divulga as suas i<strong>de</strong>ias não à margem da socieda<strong>de</strong> mas no<br />

seio <strong>de</strong>la.<br />

Um só exemplo, assustador, da novida<strong>de</strong> da coisa e que me foi dado por <strong>um</strong> amigo:<br />

aparentemente o lí<strong>de</strong>r da extrema direita holan<strong>de</strong>sa <strong>é</strong> ass<strong>um</strong>idamente gay e admirador do<br />

filósofo Michel Foucault. Note-se que o traço distintivo não <strong>é</strong> a prática <strong>de</strong> <strong>um</strong>a sexualida<strong>de</strong>, mas<br />

o ass<strong>um</strong>ir <strong>de</strong>la como i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com efeitos políticos. E Foucault, al<strong>é</strong>m <strong>de</strong> reconhecido<br />

militante dos direitos dos gays, está na base das críticas e <strong>de</strong>sconstruções mais tenazes da<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal e <strong>é</strong> extensamente utilizado nas tradições acad<strong>é</strong>micas mais progressistas<br />

nas ciências sociais.... Outro exemplo possível seria o apoio dado à Frente nacional por muitos<br />

imigrantes <strong>de</strong> primeira geração no Sul da França. Ou, em Portugal, esse fenómeno curioso que <strong>é</strong><br />

<strong>um</strong>a juventu<strong>de</strong> que está disposta a votar ora em <strong>Miguel</strong>, ora em Paulo Portas, consoante esteja<br />

mais interessada nas questões <strong>de</strong> cost<strong>um</strong>es ou nas questões económicas. É <strong>um</strong> mundo novo, e<br />

estamos longe <strong>de</strong> percebê-lo.<br />

Mas voltemos a <strong>um</strong>a das i<strong>de</strong>ias iniciais: a questão do “centrão”. Quando se começou a falar<br />

<strong>de</strong>sta semelhança nas formas <strong>de</strong> governar da direita e da esquerda institucionais, a expressão foi<br />

certeira. Mas, com o seu uso e abuso, po<strong>de</strong> cair-se no perigo <strong>de</strong> esquecer subtis mas importantes<br />

distinções. O governo <strong>de</strong> Jospin não foi, certamente, no quadro dos centrões europeus, o pior<br />

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