Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
vez mais a ser discursos sobre o sentido da vida, que substituem evi<strong>de</strong>ntemente o discurso <strong>de</strong><br />
tipo religioso ou <strong>de</strong> tipo i<strong>de</strong>ológico, <strong>de</strong> luta política.<br />
Os sistemas tecnológicos po<strong>de</strong>m chegar ao ponto em que permitem a massificação cultural, a<br />
constituição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura única?<br />
Acho que vai acontecer o contrário. O que a realida<strong>de</strong> tem mostrado <strong>é</strong> que, havendo níveis <strong>de</strong><br />
homogeneização, são mais os fenómenos <strong>de</strong> cruzamento e variação. A disseminação a nível<br />
global, porque vai ter a vários locais, cria diferentes realida<strong>de</strong>s. E essas realida<strong>de</strong>s locais <strong>de</strong><br />
miscigenação e <strong>de</strong> criação multivariada, hoje em dia, por causa da própria globalida<strong>de</strong>, têm a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser reenviadas para o centro. Aquilo que <strong>é</strong> reenviado para o centro, que produz a<br />
tal hegemonia global, são já formas mistas que <strong>de</strong>pois, todas elas, concorrem no centro. O<br />
potencial <strong>de</strong> homogeneização ou <strong>de</strong> variação <strong>é</strong> rigorosamente igual. Acontecer mais <strong>um</strong>a coisa<br />
ou outra n<strong>um</strong> sítio <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie <strong>de</strong> circunstâncias. Nomeadamente, <strong>de</strong> mais ou menos<br />
po<strong>de</strong>r a nível local, para as pessoas imporem os seus mo<strong>de</strong>los como alternativos e misturá-los<br />
com os mo<strong>de</strong>los que vêm <strong>de</strong> fora. O pânico que hoje se tem com novas formas <strong>de</strong> disseminação<br />
<strong>é</strong> mais medo do que realida<strong>de</strong> porque, provavelmente, criará <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicar na<br />
mesma base, ter referentes comuns sobre os quais se po<strong>de</strong> falar mas falando <strong>de</strong> maneiras<br />
diferentes, criando discursos diferentes.<br />
A masculinida<strong>de</strong> como capital. “Senhores <strong>de</strong> Si. Uma Interpretação Antropológica da<br />
Masculinida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> <strong>Miguel</strong> <strong>Vale</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong>. Por Octávio Gameiro (Público, 22.04.95)<br />
“Senhores <strong>de</strong> Si”, <strong>de</strong> <strong>Vale</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong>, <strong>é</strong> o resultado <strong>de</strong> <strong>um</strong> trabalho <strong>de</strong> campo n<strong>um</strong>a al<strong>de</strong>ia do<br />
Alentejo e trata-se da primeira investigação antropológica sobre a masculinida<strong>de</strong> realizada em<br />
Portugal. Um instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> prestígio social compensatório para quem não possui outras<br />
formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r social. Ou que reforça o po<strong>de</strong>r adquirido noutras instâncias.<br />
Antropólogo social no ISCTE, <strong>Miguel</strong> <strong>Vale</strong> <strong>de</strong> AImeida acaba <strong>de</strong> publicar “Senhores <strong>de</strong> si”, que<br />
sintetiza a sua tese <strong>de</strong> doutoramento e que será publicado em Inglaterra, no próximo Outono. Se<br />
exceptuarmos as pesquisas <strong>de</strong> Lígia Amâncio, sob o prisma da psicologia social e tendo como<br />
objecto as características sociais da feminilida<strong>de</strong>, estamos <strong>de</strong> facto perante <strong>um</strong> trabalho pioneiro<br />
em Portugal: <strong>de</strong> que forma a masculinida<strong>de</strong> se constrói, se gere e quais as suas funções sociais.<br />
Utilizando como terreno <strong>um</strong>a al<strong>de</strong>ia do Alentejo em processo <strong>de</strong> transformação social,<br />
económica e cultural, a masculinida<strong>de</strong> <strong>é</strong> aqui observada como algo que precisa <strong>de</strong> ser explicado.<br />
PUBLICO – Don<strong>de</strong> nasceu esta i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ver a masculinida<strong>de</strong> como <strong>um</strong> objecto estranho, atrav<strong>é</strong>s<br />
do discurso do antropólogo?<br />
MIGUEL VALE DE ALMEIDA – Tem <strong>um</strong>a vertente pessoal e tem <strong>um</strong>a vertente antropológica.<br />
A pessoal tem a ver com o facto <strong>de</strong> eu não me sentir i<strong>de</strong>ntificado com o que consi<strong>de</strong>ro ser o<br />
mo<strong>de</strong>lo normativo proposto para a masculinida<strong>de</strong>. E isso está em tudo ligado com a<br />
antropologia. Esta tem já <strong>um</strong> espólio ac<strong>um</strong>ulado nos últimos anos <strong>de</strong> trabalhos sobre o g<strong>é</strong>nero<br />
em que a questão tem sido sempre <strong>um</strong>a <strong>de</strong> duas. Ou a construção social da feminilida<strong>de</strong>, como<br />
objecto em si, ou o questionamento, a análise critica, e mesmo o ataque ao que alg<strong>um</strong>as<br />
feministas chamavam o patriarcado. O que aconteceu a partir das leituras e da investigação que<br />
fiz nessa área <strong>é</strong> que me pareceu que o ataque ao patriarcado não <strong>é</strong> a mesma coisa que a<br />
<strong>de</strong>sconstrução da masculinida<strong>de</strong>. É muito mais <strong>um</strong> ataque a <strong>um</strong>a forma institucional, vista sob o<br />
prisma da opressão feminina, e não sobre a constituição das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s masculinas. Ou seja, se<br />
<strong>é</strong> que há homens concretos por <strong>de</strong>trás do patriarcado <strong>de</strong> que fala o feminismo, que a mim não<br />
me parece que haja, esses homens praticamente não existem, daquela maneira.<br />
P. – Existem todavia como representação.<br />
R.- Exacto. Havia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver por <strong>um</strong> lado, no terreno, o que são masculinida<strong>de</strong>s<br />
diferentes e como <strong>é</strong> que se constituem, e, por outro lado, como <strong>é</strong> que o fazem a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
mo<strong>de</strong>lo central, que, apesar <strong>de</strong> tudo, existe como <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>ológico. Mas, em relação a ele,<br />
207