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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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Estas i<strong>de</strong>ias são ainda exacerbadas pelo espírito securitário e <strong>de</strong>fensivo que se vive hoje. At<strong>é</strong> o<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República faz esse discurso, dizendo ser impensável receber quem ponha em<br />

causa as nossas “tradições” com atitu<strong>de</strong>s fundamentalistas. Claro que <strong>é</strong> inpensável: mas tamb<strong>é</strong>m<br />

o são os fundamentalismos católicos que existem entre nós. A questão <strong>é</strong>, no fundo, simples:<br />

toda a gente po<strong>de</strong> acreditar e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o que bem enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não o imponha aos outros.<br />

Isto aplica-se a fundamentalistas islâmicos como se aplica a fundamentalistas anti-aborto ou da<br />

Opus Dei.<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Nação e Cultura unas (perturbadas pelos vírus culturais dos Outros) <strong>de</strong>ve ser posta<br />

em causa. No seio <strong>de</strong> qualquer socieda<strong>de</strong>, existem diferenças culturais profundas, consoante os<br />

níveis <strong>de</strong> educação, as origens <strong>de</strong> classe, as regiões, o g<strong>é</strong>nero, etc. A cultura, na realida<strong>de</strong>, não <strong>é</strong><br />

mais dos que os sentidos partilhados por pessoas com interesses e vivências comuns. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

Nação e Cultura unas <strong>é</strong> <strong>de</strong> tal maneira vaga, abrangente e irreal, que acaba por servir <strong>de</strong> máscara<br />

para a diversida<strong>de</strong> e para a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> interna a <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong>. Daí a obsessão oficial com a<br />

língua unificadora; daí a promoção <strong>de</strong> patriotismos – os guerreiros ou os futebolísticos; daí a<br />

invenção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a narrativa histórica mítica. O verda<strong>de</strong>iro perigo dos imigrantes <strong>é</strong> porem estas<br />

evidências em cheque com a sua alterida<strong>de</strong>.<br />

No campo cultural, a esquerda <strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong> dizer que o seu projecto <strong>é</strong> o <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong><br />

multicultural e cosmopolita, on<strong>de</strong> seja possível surgirem misturas e novas formas culturais.<br />

Trata-se <strong>de</strong> recusar a i<strong>de</strong>ia comunitarista <strong>de</strong> Nação e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> República como<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cidadãos. Uma República on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veres e direitos sejam iguais para todos,<br />

imigrantes ou não; on<strong>de</strong> a diversida<strong>de</strong> cultural não tenha que ter origem na exclusão social e<br />

económica – como acontece cada vez mais com os filhos da primeira leva <strong>de</strong> imigrantes<br />

africanos; on<strong>de</strong> não se imponha <strong>um</strong> falso multiculturalismo comunitarista, em que cada<br />

comunida<strong>de</strong> imigrante viva separada em nome <strong>de</strong> <strong>um</strong> suposto respeito pelas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s; on<strong>de</strong><br />

não se estabeleça <strong>um</strong>a hierarquia racista <strong>de</strong> preferência pelos imigrantes <strong>de</strong> Leste, geradora <strong>de</strong><br />

conflitos intra-imigrantes.<br />

A<strong>de</strong>us, Estados Unidos<br />

(Webpage, 5.09.02)<br />

Passei <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> parte do Verão nos Estados Unidos. Sempre consi<strong>de</strong>rei os EUA como <strong>um</strong>a<br />

esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> segunda “pátria”: fiz lá o d<strong>é</strong>cimo-segundo ano e o mestrado, e sempre frequentei o<br />

país assiduamente. O inglês <strong>é</strong>, para mim, mais do que <strong>um</strong>a segunda língua – <strong>é</strong> <strong>um</strong>a forma<br />

alternativa e complementar <strong>de</strong> pensar e sentir, presente at<strong>é</strong> em pensamentos e sonhos. Nos EUA<br />

<strong>de</strong>scobri e concretizei muitas coisas importantes para a minha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> – a começar pela<br />

minha primeira relação amorosa com <strong>um</strong> homem. E gran<strong>de</strong> parte das minhas referências<br />

culturais – eruditas ou “pop” – são americanas.<br />

Uma das consequências – a meu ver positiva – <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ntificação foi ter-me situado n<strong>um</strong>a zona<br />

<strong>de</strong> fricção com os meus “companheiros <strong>de</strong> estrada” das coisas da esquerda: sempre critiquei o<br />

anti-americanismo primário e, sobretudo, as “certezas” <strong>de</strong> tanta gente que nunca pôs lá os p<strong>é</strong>s<br />

(embora, <strong>é</strong> claro, não critique as certezas <strong>de</strong> quem viu os EUA porem os p<strong>é</strong>s nas suas vidas e<br />

países...). Ganhei perspectiva em relação às i<strong>de</strong>ias políticas da esquerda à europeia, ao mesmo<br />

tempo que pu<strong>de</strong> perceber melhor como a hegemonia americana <strong>é</strong> reproduzida, quotidianamente,<br />

entre os próprios americanos.<br />

Tudo isto para dizer o quê? Para dizer que esta viagem foi <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> viragem: foi como<br />

aquelas situações em que vemos <strong>um</strong> familiar ou <strong>um</strong> amigo revelarem <strong>um</strong> lado que<br />

<strong>de</strong>sconhecíamos – e que não nos agrada muito. Não <strong>é</strong> preciso ser muito esperto para perceber<br />

que o 11 <strong>de</strong> Setembro está na origem disso. O país está possuído por <strong>um</strong> ataque <strong>de</strong> orgulho e<br />

patriotismo como nunca vi: não há carro – ou bicicleta, ou casa – que não ostente <strong>um</strong>a (ou mais<br />

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