Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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po<strong>de</strong> queixar, porque lhe estou a dar notorieda<strong>de</strong>; e o facto <strong>de</strong> eu lhe dar fama (boa ou má)<br />
reverte a meu favor sob a forma <strong>de</strong> lucro.<br />
Não basta dizer que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sligar a TV. Não basta dizer que quem se mete nisto sabe o que o<br />
espera. Não basta dizer que, em nome das liberda<strong>de</strong>s, a produção televisiva <strong>é</strong> livre <strong>de</strong> colocar no<br />
mercado os produtos que quiser. Essa <strong>de</strong>magogia só po<strong>de</strong> ser contrariada <strong>de</strong> duas formas:<br />
atrav<strong>é</strong>s da elaboração <strong>de</strong> códigos <strong>de</strong> conduta dos profissionais da TV, na base do<br />
reconhecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> po<strong>de</strong>r excessivamente gran<strong>de</strong> que este meio tem na socieda<strong>de</strong> actual; e<br />
atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a educação para os media, ensinando os jovens a verem TV, a <strong>de</strong>scodificarem a<br />
sua linguagem, a compreen<strong>de</strong>rem os mecanismos dos seus efeitos sociais. A lição número <strong>um</strong><br />
po<strong>de</strong>ria, então, versar o seguinte tema: o problema não <strong>é</strong> mostrar nus, mas sim manipular<br />
emoções e fazer <strong>de</strong>ssa manipulação o próprio conteúdo da emissão.<br />
A guerra por outros meios<br />
(“Portugal Diário”, 2001)<br />
Clausewitz disse que a guerra <strong>é</strong> a continuação da política por outros meios. Hoje em dia dá<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer que a política <strong>é</strong> a continuação da guerra por outros meios. Esta inversão dos<br />
termos aplica-se, sem dúvida, ao contexto Euro-Americano ou Oci<strong>de</strong>ntal. Instituições como a<br />
União Europeia servem, justamente, para garantir o crescimento económico n<strong>um</strong> contexto em<br />
que já não <strong>é</strong> viável que ele seja garantido pela expansão territorial, pela industrialização ou pela<br />
economia da reconstrução que guerra e pós-guerra permitiam. Hoje, os lucros da indústria<br />
militar são garantidos pela promoção <strong>de</strong> guerras fora <strong>de</strong> portas. Armas e tropas, europeias e<br />
americanas, “emigram” para a periferia, ao mesmo tempo que as populações da periferia<br />
imigram para a Europa e para a Am<strong>é</strong>rica. A suprema ironia seria se estes trabalhadores<br />
encontrassem emprego nas fábricas <strong>de</strong> armamento do Oci<strong>de</strong>nte....<br />
Por estranho que possa parecer, tudo isto vem a propósito da estreia <strong>de</strong> <strong>um</strong> filme – “Pearl<br />
Harbor”. Escrevo este texto a partir dos Estados Unidos, on<strong>de</strong> este filme foi recentemente<br />
lançado com o mesmo furor <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo produto no mercado. Que digo eu? É <strong>um</strong> novo produto<br />
no mercado, ou não fosse a indústria cinematográfica da mesma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za da indústria<br />
do armamento. Insisto na analogia: quando se ven<strong>de</strong> <strong>um</strong>a pasta <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes ou <strong>um</strong> refrigerante, a<br />
sua publicida<strong>de</strong> tem que apelar a noções <strong>de</strong> bem-estar ou sucesso individual. Quando se ven<strong>de</strong><br />
armamento (quer quando se tem que tomar a <strong>de</strong>cisão política nos órgãos competentes ou se<br />
torna necessário convencer a opinião pública) tem que se apelar a noções <strong>de</strong> patriotismo e<br />
orgulho colectivo. Para consegui-lo <strong>é</strong> necessário recorrer à i<strong>de</strong>ologia.<br />
Filmes do tipo <strong>de</strong> “Pearl Harbor” pertencem a <strong>um</strong>a categoria muito especial: eles são<br />
publicitados e promovidos atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> estrat<strong>é</strong>gias i<strong>de</strong>ológicas que focam o patriotismo e o<br />
espírito guerreiro. Mas eles são, tamb<strong>é</strong>m, o principal veículo <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong>ssa mesma<br />
i<strong>de</strong>ologia. Isto acontece, sem dúvida, porque a indústria cinematográfica conseguiu <strong>um</strong> feito<br />
nunca antes alcançado: produzir mercadorias que são tamb<strong>é</strong>m pacotes i<strong>de</strong>ológicos. Já não <strong>é</strong><br />
necessária <strong>um</strong>a representação para falar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coisa, ou <strong>um</strong>a coisa que materialize <strong>um</strong>a<br />
representação. No caso do cinema-indústria, coisa e representação são <strong>um</strong>a só.<br />
De facto, apren<strong>de</strong>-se muito mais sobre os códigos <strong>de</strong> valores vigentes vendo filmes e televisão,<br />
do que lendo manuais escolares ou indo à catequese. A experiência <strong>de</strong> vida dos oci<strong>de</strong>ntais – as<br />
suas memórias, sentimentos e at<strong>é</strong> códigos <strong>de</strong> conduta – são aprendidos e revividos n<strong>um</strong>a zona<br />
nebulosa on<strong>de</strong> não se sabe on<strong>de</strong> acaba a “realida<strong>de</strong>” e começa a “ficção” (neste caso a<br />
representação audio-visual). Não vejo, <strong>de</strong> forma moralista, nenh<strong>um</strong> mal intrínseco nisto. Mas a<br />
categoria dos filmes patrióticos merece – e, a meu ver, <strong>de</strong>ve – ser submetida a <strong>um</strong>a crítica<br />
atenta. Porquê? Porque <strong>é</strong> lá que se faz muita da política <strong>de</strong> hoje. Quando o espectador m<strong>é</strong>dio<br />
americano vai ver “Pearl Harbor”, sabe que não vai ver <strong>um</strong> filme “artístico”. Vai preparado para<br />
aceitar o que lhe <strong>é</strong> transmitido: produto e cons<strong>um</strong>idor ajustam-se na perfeição e o resultado <strong>é</strong> a<br />
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