13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

po<strong>de</strong> queixar, porque lhe estou a dar notorieda<strong>de</strong>; e o facto <strong>de</strong> eu lhe dar fama (boa ou má)<br />

reverte a meu favor sob a forma <strong>de</strong> lucro.<br />

Não basta dizer que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sligar a TV. Não basta dizer que quem se mete nisto sabe o que o<br />

espera. Não basta dizer que, em nome das liberda<strong>de</strong>s, a produção televisiva <strong>é</strong> livre <strong>de</strong> colocar no<br />

mercado os produtos que quiser. Essa <strong>de</strong>magogia só po<strong>de</strong> ser contrariada <strong>de</strong> duas formas:<br />

atrav<strong>é</strong>s da elaboração <strong>de</strong> códigos <strong>de</strong> conduta dos profissionais da TV, na base do<br />

reconhecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> po<strong>de</strong>r excessivamente gran<strong>de</strong> que este meio tem na socieda<strong>de</strong> actual; e<br />

atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a educação para os media, ensinando os jovens a verem TV, a <strong>de</strong>scodificarem a<br />

sua linguagem, a compreen<strong>de</strong>rem os mecanismos dos seus efeitos sociais. A lição número <strong>um</strong><br />

po<strong>de</strong>ria, então, versar o seguinte tema: o problema não <strong>é</strong> mostrar nus, mas sim manipular<br />

emoções e fazer <strong>de</strong>ssa manipulação o próprio conteúdo da emissão.<br />

A guerra por outros meios<br />

(“Portugal Diário”, 2001)<br />

Clausewitz disse que a guerra <strong>é</strong> a continuação da política por outros meios. Hoje em dia dá<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer que a política <strong>é</strong> a continuação da guerra por outros meios. Esta inversão dos<br />

termos aplica-se, sem dúvida, ao contexto Euro-Americano ou Oci<strong>de</strong>ntal. Instituições como a<br />

União Europeia servem, justamente, para garantir o crescimento económico n<strong>um</strong> contexto em<br />

que já não <strong>é</strong> viável que ele seja garantido pela expansão territorial, pela industrialização ou pela<br />

economia da reconstrução que guerra e pós-guerra permitiam. Hoje, os lucros da indústria<br />

militar são garantidos pela promoção <strong>de</strong> guerras fora <strong>de</strong> portas. Armas e tropas, europeias e<br />

americanas, “emigram” para a periferia, ao mesmo tempo que as populações da periferia<br />

imigram para a Europa e para a Am<strong>é</strong>rica. A suprema ironia seria se estes trabalhadores<br />

encontrassem emprego nas fábricas <strong>de</strong> armamento do Oci<strong>de</strong>nte....<br />

Por estranho que possa parecer, tudo isto vem a propósito da estreia <strong>de</strong> <strong>um</strong> filme – “Pearl<br />

Harbor”. Escrevo este texto a partir dos Estados Unidos, on<strong>de</strong> este filme foi recentemente<br />

lançado com o mesmo furor <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo produto no mercado. Que digo eu? É <strong>um</strong> novo produto<br />

no mercado, ou não fosse a indústria cinematográfica da mesma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za da indústria<br />

do armamento. Insisto na analogia: quando se ven<strong>de</strong> <strong>um</strong>a pasta <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes ou <strong>um</strong> refrigerante, a<br />

sua publicida<strong>de</strong> tem que apelar a noções <strong>de</strong> bem-estar ou sucesso individual. Quando se ven<strong>de</strong><br />

armamento (quer quando se tem que tomar a <strong>de</strong>cisão política nos órgãos competentes ou se<br />

torna necessário convencer a opinião pública) tem que se apelar a noções <strong>de</strong> patriotismo e<br />

orgulho colectivo. Para consegui-lo <strong>é</strong> necessário recorrer à i<strong>de</strong>ologia.<br />

Filmes do tipo <strong>de</strong> “Pearl Harbor” pertencem a <strong>um</strong>a categoria muito especial: eles são<br />

publicitados e promovidos atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> estrat<strong>é</strong>gias i<strong>de</strong>ológicas que focam o patriotismo e o<br />

espírito guerreiro. Mas eles são, tamb<strong>é</strong>m, o principal veículo <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong>ssa mesma<br />

i<strong>de</strong>ologia. Isto acontece, sem dúvida, porque a indústria cinematográfica conseguiu <strong>um</strong> feito<br />

nunca antes alcançado: produzir mercadorias que são tamb<strong>é</strong>m pacotes i<strong>de</strong>ológicos. Já não <strong>é</strong><br />

necessária <strong>um</strong>a representação para falar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coisa, ou <strong>um</strong>a coisa que materialize <strong>um</strong>a<br />

representação. No caso do cinema-indústria, coisa e representação são <strong>um</strong>a só.<br />

De facto, apren<strong>de</strong>-se muito mais sobre os códigos <strong>de</strong> valores vigentes vendo filmes e televisão,<br />

do que lendo manuais escolares ou indo à catequese. A experiência <strong>de</strong> vida dos oci<strong>de</strong>ntais – as<br />

suas memórias, sentimentos e at<strong>é</strong> códigos <strong>de</strong> conduta – são aprendidos e revividos n<strong>um</strong>a zona<br />

nebulosa on<strong>de</strong> não se sabe on<strong>de</strong> acaba a “realida<strong>de</strong>” e começa a “ficção” (neste caso a<br />

representação audio-visual). Não vejo, <strong>de</strong> forma moralista, nenh<strong>um</strong> mal intrínseco nisto. Mas a<br />

categoria dos filmes patrióticos merece – e, a meu ver, <strong>de</strong>ve – ser submetida a <strong>um</strong>a crítica<br />

atenta. Porquê? Porque <strong>é</strong> lá que se faz muita da política <strong>de</strong> hoje. Quando o espectador m<strong>é</strong>dio<br />

americano vai ver “Pearl Harbor”, sabe que não vai ver <strong>um</strong> filme “artístico”. Vai preparado para<br />

aceitar o que lhe <strong>é</strong> transmitido: produto e cons<strong>um</strong>idor ajustam-se na perfeição e o resultado <strong>é</strong> a<br />

80

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!