13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>um</strong> lado, porque <strong>um</strong>a pessoa LGBT não apresenta sinais exteriores da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> –<br />

codificações sociais do corpo que servem para estabelecer hierarquias -, ao contrário <strong>de</strong><br />

“mulher” ou “homem” ou do “negro” ou “estrangeiro”, ou at<strong>é</strong> da pessoa <strong>de</strong> classe “baixa”. Por<br />

outro, porque o homossexual ainda nasce em estruturas familiares que reproduzem a<br />

heteronormativida<strong>de</strong>. Assim, o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> si próprio, a assunção da sexualida<strong>de</strong><br />

(o “coming out”) e a criação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vida alternativa e <strong>de</strong> exigência <strong>de</strong> cidadania fazem-se<br />

necessariamente atrav<strong>é</strong>s da exposição a <strong>um</strong> colectivo ou comunida<strong>de</strong>. Isto <strong>é</strong>, em vez d<strong>um</strong>a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> “natural”, nacional, <strong>é</strong>tnica ou outra que se mostra aí, no real, a pessoa LGBT<br />

constitui-se na criação da re<strong>de</strong> dos seus amigos e amantes, eventualmente nos lugares<br />

comunitários e, por fim e i<strong>de</strong>almente, na política do seu movimento social. Po<strong>de</strong>r ver os outros e<br />

tornar-se visível <strong>é</strong> <strong>um</strong> acto político <strong>de</strong> extrema importância. Daí que seja essa a principal<br />

questão do ataque à política LGBT: por parte dos reaccionários, mas tamb<strong>é</strong>m por parte da<br />

esquerda das “priorida<strong>de</strong>s” e, infelizmente, por parte dos LGBTs menos politizados (aqui<br />

entraríamos n<strong>um</strong>a questão interessante <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição: <strong>um</strong> LGBT não politizado <strong>é</strong> <strong>um</strong> LGBT ou<br />

<strong>um</strong> praticante <strong>de</strong> certos actos sexuais?).<br />

A natureza politizada da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> LGBT não <strong>é</strong> evi<strong>de</strong>nte para os próprios. Ou porque<br />

interpretam o seu coming out como fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong> trabalho pessoal – em linha com a i<strong>de</strong>ologia<br />

individualista actual – ou porque recorrem a interpretações essencialistas à semelhança das que<br />

presi<strong>de</strong>m ao g<strong>é</strong>nero (ser gay porque se nasceu assim, por razões biológicas...). Mas sobretudo<br />

não <strong>é</strong> evi<strong>de</strong>nte para os segmentos políticos que têm a tradição <strong>de</strong> querer mudar a socieda<strong>de</strong> no<br />

sentido <strong>de</strong> maior igualda<strong>de</strong>. Refiro-me à esquerda.<br />

A tradição da esquerda <strong>é</strong> a promoção da igualda<strong>de</strong> e o combate às <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s. A esquerda<br />

que conhecemos hoje, na sua diversida<strong>de</strong>, <strong>é</strong> a esquerda vinda do movimento operário e do<br />

sindicalismo, preocupada com a igualda<strong>de</strong> socio-económica e com a superação das contradições<br />

do capitalismo. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> interpretação <strong>é</strong> político-económico. Mas outras tradições <strong>de</strong><br />

esquerda existem. Uma mais difusa e antiga, que se pren<strong>de</strong> com o mo<strong>de</strong>lo liberal da revolução<br />

francesa e do il<strong>um</strong>inismo, centrada na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> cidadania e igualda<strong>de</strong> perante a lei. E a sua<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, mais americana, centrada na preocupação em articular igualda<strong>de</strong> e felicida<strong>de</strong> e<br />

focada nos chamados “interesses especiais”. A principal prisão da esquerda tem sido pensar que<br />

há <strong>um</strong>a contradição fundamental, a que está na base das relações entre capital e trabalho,<br />

esquecendo assim tanto a cidadania quanto os “interesses especiais”.<br />

Mas o mundo <strong>é</strong> hoje outro. O capitalismo pós-industrial introduziu outras coor<strong>de</strong>nadas: a<br />

terciarização, a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o, o individualismo, o<br />

hedonismo. A globalização aprofundou-se e acelerou-se. E a <strong>é</strong>poca das revoluções e do infeliz<br />

“socialismo real” terminou com <strong>um</strong> saldo longe <strong>de</strong> ser positivo. Estas transformações tiveram<br />

como resultado a esquerda colocar-se à <strong>de</strong>fesa, e o capitalismo avançar para a fase <strong>de</strong><br />

globalização neo-liberal. Há que dizê-lo claramente: a reestruturação da esquerda passa por<br />

novas formas <strong>de</strong> ler a questão do trabalho, e <strong>de</strong> ler a questão da relação entre capital e trabalho.<br />

E passa por introduzir na sua agenda questões que lhe eram estranhas: o feminismo, o ambiente,<br />

as questões LGBT entre outras. Não como “compagnons <strong>de</strong> route”, simpáticos mas secundários<br />

aliados <strong>de</strong> <strong>um</strong>a qualquer frente <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentes, mas como imprescindíveis parceiros iguais.<br />

Porque as contradições actuais são tamb<strong>é</strong>m as contradições entre os projectos <strong>de</strong> cidadania e<br />

diversida<strong>de</strong>, por <strong>um</strong> lado, e a manutenção <strong>de</strong> estruturas <strong>de</strong> classe, família, etnicida<strong>de</strong> e<br />

sexualida<strong>de</strong> antigas. Não se trata já <strong>de</strong> apenas combater a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e promover a igualda<strong>de</strong>.<br />

Trata-se tamb<strong>é</strong>m <strong>de</strong> combater a unicida<strong>de</strong> e promover a diversida<strong>de</strong>.<br />

O movimento LGBT sabe o que isto <strong>é</strong>. Para al<strong>é</strong>m do activismo, da pedagogia, da busca <strong>de</strong><br />

visibilida<strong>de</strong>, do diálogo, <strong>um</strong>a das suas formas <strong>de</strong> construir comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio e <strong>de</strong> promover<br />

a visibilida<strong>de</strong> tem sido a promoção <strong>de</strong> <strong>um</strong> mercado específico. Esse mercado corre o risco <strong>de</strong><br />

introduzir três perigosas clivagens: entre LGBTs ricos e cons<strong>um</strong>istas e pobres e excluídos; entre<br />

gays e l<strong>é</strong>sbicas, os primeiros usufruindo dos privil<strong>é</strong>gios masculinos, as segundas sofrendo a<br />

subordinação feminina; e <strong>de</strong> promover <strong>um</strong>a imagem aceitável mas igualmente estereotipada do<br />

130

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!