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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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sociais – feminista, pacifista, ecologista, etc. – enfrentam não são imediatamente resolúveis pelo<br />

tipo <strong>de</strong> orgânica dos partidos políticos que têm <strong>um</strong>a vocação muito mais generalista, mais<br />

vocacionada para a gestão da socieda<strong>de</strong> durante quatro ou cinco anos. A perspectiva dos<br />

movimentos sociais <strong>é</strong>, pois, simultaneamente mais civilizacional porque aborda questões que<br />

ultrapassam a mera gestão pública, e mais local e pessoalizada porque tem em conta os<br />

interesses que dizem directamente respeito às pessoas.<br />

P.I. – N<strong>um</strong> artigo publicado recentemente afirmava que “Ao contrário do que se pensa, os<br />

estudantes não são os operários e os docentes os patrões. Quando os próprios perceberem isto e<br />

lutarem em com<strong>um</strong>, os governos que se acautelem.” Desenvolva lá esta i<strong>de</strong>ia.<br />

M.V.A.- Se fizermos <strong>um</strong> estudo etnográfico nas universida<strong>de</strong>s veremos que existe <strong>um</strong>a<br />

diferença muito maior entre professores e alunos do que aquilo que imaginamos. O que<br />

pensamos <strong>é</strong> que o professor <strong>é</strong> aquele que dá notas e o aluno <strong>é</strong> aquele que apren<strong>de</strong> e recebe notas.<br />

Mas existe <strong>um</strong>a diferença muito mais importante: <strong>é</strong> que os alunos passam e os professores<br />

ficam. Isto origina <strong>um</strong>a diferença no grau <strong>de</strong> incorporação social relativamente às universida<strong>de</strong>s:<br />

os professores estão aqui a fazer o seu trabalho, com todos os problemas salariais e sindicais que<br />

isso implica, para al<strong>é</strong>m do facto dos professores serem poucos e conhecerem-se todos durante<br />

muitos anos. Por outro lado, e durante <strong>um</strong> período <strong>de</strong> quatro ou cinco anos, passam levas <strong>de</strong> estudantes<br />

que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>saparecem e que estão n<strong>um</strong>a situação social perfeitamente diferente: não<br />

<strong>é</strong> o seu emprego, não <strong>é</strong> a sua carreira, <strong>é</strong> o caminho para ela, na maior parte dos casos. Isto<br />

significa que os problemas das universida<strong>de</strong>s nunca <strong>de</strong>verão ser problemas <strong>de</strong> tipo<br />

patrão/operário, porque não há <strong>um</strong>a real dicotomia entre professores e alunos, pela razão <strong>de</strong> que<br />

estão, à partida, em lugares sociais completamente diferentes e incompatíveis. O que acontece <strong>é</strong><br />

que as reivindicações estudantis têm <strong>um</strong> carácter c<strong>um</strong>ulativo muito interessante: aquilo que <strong>um</strong>a<br />

geração <strong>de</strong> estudantes faz <strong>é</strong> conquistado e dado como garantido à geração seguinte. No entanto,<br />

o que acontece <strong>é</strong> que por via das transformações políticas, aquilo que foi dado, <strong>é</strong> retirado outra<br />

vez. A acção política dos estudantes na universida<strong>de</strong> em relação ao sistema <strong>de</strong> ensino tem <strong>um</strong>a<br />

dinâmica muito mais confusa – no sentido bom da palavra – e isso cria <strong>um</strong> relativo espanto nas<br />

pessoas que estão na universida<strong>de</strong>, nomeadamente nos professores. O que acontece <strong>é</strong> que<br />

surgem problemas específicos relativos à carreira dos docentes os quais, se forem resolvidos,<br />

vão resolver alguns dos problemas enfrentados por gerações <strong>de</strong> estudantes. Por exemplo,<br />

bastava que se resolvesse o problema dos rácios, da contratação <strong>de</strong> professores, da possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> investigação, das condições pedagógicas, para que gerações sucessivas <strong>de</strong> alunos tivessem<br />

muitos dos seus problemas, à partida, resolvidos. Turmas mais pequenas; maior qualida<strong>de</strong> pedagógica;<br />

professores mais interessantes, cujo conhecimento estivesse baseado na investigação.<br />

O fundamental <strong>é</strong> que os estudantes entendam que o tipo <strong>de</strong> reivindicações ou problemas dos<br />

professores são fundamentais para resolver muitos dos seus problemas. Os movimentos<br />

estudantis <strong>de</strong>viam fazer <strong>um</strong> esforço para escaparem a <strong>um</strong>a regra <strong>de</strong> senso com<strong>um</strong> que <strong>é</strong> a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> que os professores são a continuida<strong>de</strong> metafórica dos pais, dos patrões, do Estado, e tentarem<br />

perceber <strong>um</strong>a outra coisa...<br />

P.I. – Mas será “senso com<strong>um</strong>” ou o “com<strong>um</strong>” das universida<strong>de</strong>s portuguesas, talvez com<br />

excepção do ISCTE?<br />

M.V.A. – O problema <strong>é</strong> precisamente esse: os conteúdos específicos. Existem <strong>de</strong>terminadas universida<strong>de</strong>s<br />

on<strong>de</strong> os próprios docentes pertencem a <strong>um</strong>a oligarquia, a <strong>um</strong> “mandarinato” muito<br />

cristalizado e associado justamente ao po<strong>de</strong>r que os estudantes combatem ao reivindicar melhorias<br />

no sistema <strong>de</strong> ensino. Não acontece no ISCTE – <strong>é</strong> <strong>um</strong>a das coisas boas <strong>de</strong>sta escola –<br />

mas acontece em muitas outras: Direito, por exemplo. Nestas faculda<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> existem estes<br />

problemas, os próprios docentes têm <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social muito mais ligada à classe política e<br />

aos aparelhos ministeriais e <strong>de</strong> Estado, do que à docência e à investigação. <strong>Este</strong> problema não<br />

tem existido no ISCTE porque temos tido <strong>um</strong> grupo maioritário <strong>de</strong> pessoas cuja i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

social básica <strong>é</strong> serem cientistas, serem pessoas que se <strong>de</strong>dicam à investigação, à compreensão<br />

das coisas e ao ensino feito com base nessa investigação. É essa a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> mista on<strong>de</strong> a docência e a investigação se entrecruzam e que <strong>é</strong> garantida por <strong>um</strong>a<br />

coisa que cada vez mais espanta os colegas das outras universida<strong>de</strong>s: o facto <strong>de</strong> conseguirmos<br />

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