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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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Estados Unidos. Quando os críticos da hegemonia americana e da globalização neo-liberal<br />

apelam a soluções políticas para os problemas <strong>de</strong> injustiça a montante, não estão a justificar o<br />

ataque. De <strong>um</strong>a vez por todas: as motivações dos terroristas não são aceitáveis e estes actos não<br />

são a revolta dos oprimidos.<br />

Mas muitos comentaristas recusam aceitar esta distinção. Pegue-se no “Público” <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong><br />

Setembro, por exemplo: Jos<strong>é</strong> Manuel Fernan<strong>de</strong>s, Nuno Pacheco, ou Teresa <strong>de</strong> Sousa (como, já<br />

antes, Pacheco Pereira) insistem em não querer ver isto. Para eles, no fundo, toda e qualquer<br />

tentativa <strong>de</strong> pensar o mundo, os erros do sistema ou os <strong>de</strong>sequilíbrios <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, redunda n<strong>um</strong>a<br />

forma encoberta <strong>de</strong> justificação do atentado.<br />

É preciso dizer que este tipo <strong>de</strong> “arg<strong>um</strong>ento” <strong>é</strong> <strong>de</strong>magógico, recusa o diálogo e o pensamento e <strong>é</strong><br />

baseado n<strong>um</strong> preconceito em relação ao pensamento <strong>de</strong> esquerda em geral: porque generaliza,<br />

metendo no mesmo saco os d<strong>é</strong>beis mentais que se regozijam com o atentado, e as pessoas <strong>de</strong><br />

espírito crítico; e porque parece baseado n<strong>um</strong>a pulsão <strong>de</strong> negar os extremismos que esses<br />

comentadores terão <strong>de</strong>fendido na sua juventu<strong>de</strong>.<br />

De modo a conseguirem fazer valer o seu “arg<strong>um</strong>ento”, eles recorrem a estrat<strong>é</strong>gias <strong>de</strong>sonestas<br />

do ponto <strong>de</strong> vista intelectual. A primeira <strong>é</strong> atribuir sempre <strong>um</strong>a intenção oculta a tudo o que os<br />

adversários digam: não importa o que se escreva, algu<strong>é</strong>m que ponha em causa a retaliação estará<br />

sempre do lado dos terroristas. A segunda <strong>é</strong> a atribuição <strong>de</strong> fraqueza moral aos críticos da<br />

hegemonia americana: são sempre apresentados como pessoas que, no fundo, <strong>de</strong>sejam a<br />

passivida<strong>de</strong> e não têm a coragem <strong>de</strong> ass<strong>um</strong>ir os custos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a intervenção militar. A terceira <strong>é</strong> a<br />

utilização abusiva <strong>de</strong> termos pol<strong>é</strong>micos como “civilização”, sem nenh<strong>um</strong>a consi<strong>de</strong>ração do<br />

carácter i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> expressão: já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os Romanos que a “civilização” <strong>é</strong> o termo<br />

usado pelos conquistadores para branquearem os processos <strong>de</strong> barbárie que os conduziram ao<br />

po<strong>de</strong>r. As consi<strong>de</strong>rações sobre as socieda<strong>de</strong>s não oci<strong>de</strong>ntais são generalizadoras e revelam <strong>um</strong>a<br />

enorme ignorância sobre as forças <strong>de</strong>mocráticas, laicas e h<strong>um</strong>anistas que existem tamb<strong>é</strong>m<br />

nesses países.<br />

O uso indiscriminado dos chavões <strong>de</strong> <strong>um</strong> pró-americanismo liberal conduz estes comentaristas a<br />

<strong>um</strong>a contradição curiosa: <strong>é</strong> que, em nome da “<strong>de</strong>mocracia” e da “civilização”, só pensam no<br />

ataque armado, sem qualquer problema em admitir a espiral <strong>de</strong> violência que isso possa gerar; e<br />

não pensam politicamente sobre como (re)construir <strong>um</strong> mundo árabe e/ou islâmico que<br />

subscreva valores universais <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia e direitos h<strong>um</strong>anos.<br />

Não tenho a menor dúvida que os terroristas <strong>de</strong>vem ser impiedosamente perseguidos, presos e<br />

julgados. Ou que a comunida<strong>de</strong> internacional reforce os mecanismos ao seu dispôr para<br />

ostracizar e punir os regimes que albergam os terroristas. O que já <strong>é</strong> inadmissível <strong>é</strong> que não<br />

surja <strong>um</strong> lampejo <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração da importância política <strong>de</strong>cisiva <strong>de</strong> não ter políticas ambíguas<br />

com ditadores e fundamentalistas, <strong>de</strong> apoiar as forças <strong>de</strong>mocráticas nesses países e <strong>de</strong> garantir<br />

condições <strong>de</strong> vida dignas para as populações <strong>de</strong>ssas paragens.<br />

O simplismo do “raciocínio” que vê o atentado como acto isolado e fundador, e a retaliação<br />

como sua única consequência lógica, <strong>é</strong> não só estúpido como perigoso. O mais triste <strong>é</strong> que se<br />

apresenta com <strong>um</strong>a retórica soberba <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> moral. Eles confun<strong>de</strong>m a experiência<br />

promissora da Revolução Americana <strong>de</strong> há dois s<strong>é</strong>culos com o complexo militar-industrialfinanceiro<br />

<strong>de</strong> hoje. Nisso não se distinguem dos comunistas que confundiam as promessas do<br />

Marxismo com a realida<strong>de</strong> dramática do Estalinismo. Não percebem, por fim, que a “solução” <strong>é</strong><br />

parte do problema, e que as dúvidas quanto à reacção americana são dúvidas quanto a isso<br />

mesmo, e não dúvidas quanto à inadmissibilida<strong>de</strong> do atentado.<br />

Tal como acusam os outros, tamb<strong>é</strong>m estes comentaristas ficarão calmamente nas redacções<br />

assistindo aos <strong>de</strong>senvolvimentos. A sua revolta (que <strong>é</strong> tamb<strong>é</strong>m a minha e a nossa) com a morte<br />

dos inocentes nos Estados Unidos ficará apaziguada com a violência que se seguirá. Outros,<br />

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