13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

crónicas e <strong>de</strong> lenta mudança. Há três p<strong>é</strong>rolas do nosso atraso que este ano contribuiram<br />

sobremaneira para estarmos na casa dos trinta. Todas elas são <strong>de</strong> resolução mais fácil e,<br />

sobretudo, são questões <strong>de</strong> civilização que por cá se ten<strong>de</strong> a consi<strong>de</strong>rar sup<strong>é</strong>rfluas. São elas: a<br />

fraca participação das mulheres na política, a excessiva percentagem <strong>de</strong> presos na população, e<br />

o analfabetismo. <strong>Vale</strong>rá sequer a pena comentar o que significa este trio? Talvez três breves<br />

<strong>de</strong>duções: não basta as mulheres trabalharem para ace<strong>de</strong>rem à cidadania plena, se tiverem<br />

empregos estúpidos e precários; n<strong>um</strong> sistema judicial e penal perverso pren<strong>de</strong>-se as pessoas<br />

erradas, por <strong>de</strong>masiado tempo e sem alternativas <strong>de</strong> pena; <strong>é</strong> cruel pensar que basta esperar uns<br />

anos para que os analfabetos morram (n<strong>um</strong> país civilizado ensina-se essas pessoas a ler). Em<br />

s<strong>um</strong>a: os três indicadores são-no <strong>de</strong> <strong>um</strong> país que se <strong>de</strong>spreza a si mesmo e aos seus cidadãos e<br />

que se contenta por ter passado da 36ª para a 35ª posição porque alg<strong>um</strong>as pessoas morreram.<br />

Intriga-nos o 10º lugar da Espanha? Devo dizer que, tendo regressado a Barcelona ao fim <strong>de</strong><br />

doze anos, não me intriga nada. <strong>Bem</strong> sei que a Catalunha <strong>é</strong> a região mais <strong>de</strong>senvolvida do<br />

Estado Espanhol; e que Barcelona <strong>é</strong> <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> metrópole Europeia há bastante tempo.<br />

Acontece, por<strong>é</strong>m, que nestes doze anos houve ali muito esforço, vonta<strong>de</strong> e concretização. Podia<br />

dar mil exemplos: os largos passeios sem carros, as esplanadas com bonitas ca<strong>de</strong>iras que<br />

ningu<strong>é</strong>m rouba à noite, a ausência <strong>de</strong> pr<strong>é</strong>dios neo e pós-pirosos e iniciativas autárquicas que<br />

enriquecem o dia a dia, das faixas para bicicletas ao ar condicionado nos autocarros. Mas o<br />

exemplo paradigmático – o exemplo <strong>de</strong> civilização – <strong>é</strong> o do Museu <strong>de</strong> Arte Contemporânea<br />

(MAC), inaugurado o ano passado.<br />

No meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a parte <strong>de</strong>gradada da cida<strong>de</strong> velha, as autorida<strong>de</strong>s não tiveram medo <strong>de</strong> implodir<br />

meia dúzia <strong>de</strong> quarteirões. Em seu lugar ergueu-se <strong>um</strong>a jóia <strong>de</strong> arquitectura. A principal<br />

exposição não <strong>é</strong> exactamente <strong>um</strong>a exposição, mas <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> intervenções no museu, que<br />

mexem com este e o provocam. N<strong>um</strong>a <strong>de</strong>las, os visitantes são <strong>de</strong>safiados a completar as peças<br />

<strong>de</strong> vários puzzles que retratam os interiores <strong>de</strong> casas <strong>de</strong> vizinhos do museu. Para tal po<strong>de</strong>m<br />

sentar-se nas ca<strong>de</strong>iras trazidas das ditas casas, as quais por sua vez figuram na imagem do<br />

puzzle. Noutra, o visitante po<strong>de</strong> saír por <strong>um</strong>a janela e andar por <strong>um</strong>a rampa improvisada at<strong>é</strong> à<br />

janela da casa <strong>de</strong> <strong>um</strong> apartamento fronteiro ao museu. Noutra ainda, <strong>um</strong> minúsculo buraco n<strong>um</strong>a<br />

das lajes <strong>de</strong> pedra do chão <strong>de</strong>ixa entrever a imagem ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mulher implorando-nos que a<br />

tiremos dali, como se tivessemos <strong>de</strong> a resgatar das profun<strong>de</strong>zas do museu. Não há civilização<br />

sem ironia.<br />

É <strong>um</strong> símbolo, o MAC. O jornal “Público” <strong>de</strong>via fazer <strong>um</strong>a colecta entre os seus leitores no<br />

sentido <strong>de</strong> oferecer <strong>um</strong>a estadia <strong>de</strong> <strong>um</strong> mês em Barcelona a João Soares. Tenho a certeza <strong>de</strong> que,<br />

quando voltasse, acabava com as hesitações do Martim Moniz e fazia ali <strong>um</strong>a coisa semelhante.<br />

Subíamos alguns dos 25 <strong>de</strong>graus que, na escala do PNUD, nos separam da Espanha. Pelo<br />

menos.<br />

Jogos <strong>de</strong> Verão<br />

(Público, 28.07.96)<br />

Sempre me fez imensa impressão ver as competições olímpicas <strong>de</strong> ginástica feminina. Isto por<br />

causa dos corpos das atletas. Na maior parte dos casos parecem ser criaturas que não chegaram<br />

ainda à puberda<strong>de</strong> ou que tudo fizeram para conter os seus efeitos, <strong>de</strong> tal maneira parecem<br />

crianças. Na realida<strong>de</strong>, a maioria são-no. As que o não são tecnicamente, parecem-no, e <strong>é</strong> isso<br />

que nos faz ter a sensação <strong>de</strong> estarmos a ver <strong>um</strong> espectáculo <strong>de</strong> “freaks” n<strong>um</strong> circo itinerante. E<br />

d<strong>um</strong> circo itinerante se trata, <strong>de</strong> facto. De quatro em quatro anos, as nossas vidas são marcadas<br />

pelas Olimpíadas. Ao contrário do circo que anualmente aparecia na al<strong>de</strong>ia, este chega-nos pela<br />

televisão. Tratando-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> espectáculo <strong>de</strong>sportivo – o que há <strong>de</strong> mais físico? – nós assistimos<br />

a ele na mais completa virtualida<strong>de</strong>.<br />

37

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!