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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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sem propaganda ou, em casos extremos, como forma <strong>de</strong> revolta contra <strong>um</strong>a situação <strong>de</strong> exclusão<br />

política ou cultural – como acontece com certas minorias. Todavia, Portugal não está nesta<br />

situação, nem sequer no quadro da globalização, on<strong>de</strong> ocupa a situação privilegiada <strong>de</strong> membro<br />

da UE. Por isso o orgulho e a auto-estima <strong>de</strong>stes últimos anos, alarves e propagandísticos, têm<br />

<strong>um</strong> travo amargo.<br />

Neste processo tem jogado <strong>um</strong> papel central a “Lusofonia”. Trata-se d<strong>um</strong>a invenção recente:<br />

estritamente portuguesa, oficial, e i<strong>de</strong>ológica. Portuguesa, porque não foi concertada com os<br />

outros “lusófonos”. Ainda hoje os brasileiros não lhe “ligam nenh<strong>um</strong>a” e, nos PALOPS, a<strong>de</strong>rem<br />

à retórica lusófona os membros das elites internacionalizadas que vivem das benesses que a<br />

lusofonia oferece. Oficial, porque a iniciativa não partiu “<strong>de</strong> baixo”, nem sequer <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

movimento literário, mas sim dos governos e suas agências – e a nomenklatura literária a<strong>de</strong>re,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que <strong>é</strong> do Estado. I<strong>de</strong>ológica, porque apresenta <strong>um</strong>a visão distorcida da realida<strong>de</strong> e<br />

daquilo que propugna: nem os países africanos <strong>de</strong> língua oficial portuguesa são (apenas ou<br />

sobretudo) lusófonos, nem o Brasil <strong>é</strong>, no sentido estrito, <strong>um</strong>a extensão <strong>de</strong> Portugal, mas sim o<br />

país on<strong>de</strong> mais gente fala português e, portanto, o centro <strong>de</strong>mograficamente legítimo da<br />

lusofonia (por oposição a Portugal, que se revindica, à boa maneira “nacionalista”, como centro<br />

originário da língua).<br />

A Lusofonia está claramente a ser construída como essência que confere distinção e<br />

especificida<strong>de</strong> a <strong>um</strong>a cultura, n<strong>um</strong> mercado globalizado <strong>de</strong> diferenças on<strong>de</strong> só vinga quem<br />

conseguir apresentar <strong>um</strong> produto original. O problema <strong>é</strong> que o português não <strong>é</strong> propriamente o<br />

croata, <strong>um</strong>a língua restrita a <strong>um</strong> território. É a língua que acabou por “ficar” em partes do<br />

mundo on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>u o encontro e o confronto colonial. Não po<strong>de</strong>, pois, ser vista, <strong>de</strong> forma neutra<br />

ou só como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> contacto. Ela foi tamb<strong>é</strong>m instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> confronto. E <strong>de</strong><br />

apropriação. Para mais, não po<strong>de</strong>mos esquecer a promiscuida<strong>de</strong> entre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional,<br />

língua e chauvinismo, <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo a que fomos expostos duramente durante d<strong>é</strong>cadas <strong>de</strong><br />

nacionalismo autoritário. O discurso sobre a Lusofonia está irremediavelmente contaminado por<br />

isto e por <strong>um</strong> factor que os seus propagandistas se “esquecem”: a Lusofonia, em última<br />

instância, discursa sempre sobre “o lugar <strong>de</strong> origem da coisa”, isto <strong>é</strong>, Portugal.<br />

Nesse sentido, a Lusofonia, po<strong>de</strong> ser, <strong>de</strong> facto, <strong>um</strong>a expressão neo-colonialista. Mas ela <strong>é</strong><br />

sobretudo pós-colonial: ela tem a ver com a tentativa portuguesa <strong>de</strong> refundar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

nacional, <strong>um</strong>a vez acabado o longo ciclo imperial. Basta pensar em como a Lusofonia surgiu no<br />

mesmo período em que começou o longo ciclo <strong>de</strong> Comemorações dos Descobrimentos e o<br />

fenómeno da Expo-98. Um ciclo marcado por tentativas <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnizar o discurso i<strong>de</strong>ntitário<br />

nacional e at<strong>é</strong> <strong>de</strong> inverter a polarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido do imaginário colonial. Mas no qual não se<br />

mudou, em substância, aquilo <strong>de</strong> que se fala. Quando <strong>é</strong> que <strong>de</strong>ixaremos, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vez por todas,<br />

<strong>de</strong> nos pensarmos como Imp<strong>é</strong>rio, real ou virtual?<br />

Brasil e Cabo Ver<strong>de</strong><br />

(“Jornal Torrejano”, 25.05.00)<br />

No dia 22 <strong>de</strong> Abril publiquei <strong>um</strong>a crónica no “Público” em que criticava a forma<br />

simultaneamente ignorante e nacionalista como as comemorações dos 500 anos do Brasil têm<br />

sido feitas em Portugal. Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> caso <strong>de</strong> ignorância da realida<strong>de</strong> brasileira, da História<br />

portuguesa e das reconfigurações contemporâneas da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. E <strong>de</strong> <strong>um</strong> caso <strong>de</strong> nacionalismo<br />

mascarado <strong>de</strong> suposto pragmatismo e <strong>de</strong>missão do carácter político e propositivo <strong>de</strong> toda e<br />

qualquer “comemoração”. Dizia eu, então, que era preciso “comemorar o futuro”, isto <strong>é</strong>,<br />

aproveitar as datas para implementar atitu<strong>de</strong>s e políticas novas.<br />

Mas não <strong>de</strong>senvolvi totalmente o arg<strong>um</strong>ento. Deveria ter dito, então, que atitu<strong>de</strong>s novas seriam<br />

essas. A meu ver, <strong>de</strong>veriam ser aquelas que se baseassem n<strong>um</strong>a análise dos principais problemas<br />

sociais e culturais do Brasil actual que, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma, tenham <strong>um</strong>a relação directa com o que<br />

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