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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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Esperem, não me matem ainda. É que eu acho que não <strong>é</strong> nada disto que PSs e Fernan<strong>de</strong>s dizem.<br />

Pela mesma razão que, em Portugal, o PSD usurpou in<strong>de</strong>vidamente o termo “social<strong>de</strong>mocracia”<br />

e o PS finge ter feito o trabalho <strong>de</strong> actualização <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais socialistas que nunca<br />

teve. O que eu <strong>de</strong>sejaria que a esquerda pensasse – e <strong>de</strong>pois fizesse – <strong>é</strong> outra coisa. Primeiro:<br />

garantir que, em Portugal, a <strong>de</strong>mocracia liberal funciona; garantir que, em Portugal, a economia<br />

<strong>de</strong> mercado funciona. Em Portugal temos <strong>um</strong> travesti <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia liberal mascarando o<br />

patriarcalismo e as cunhas; e dois ou três gran<strong>de</strong>s grupos económicos, maus gestores e p<strong>é</strong>ssimos<br />

serviços. Segundo: batalhar para que a <strong>de</strong>mocracia liberal se aprofun<strong>de</strong> e multiplique em formas<br />

<strong>de</strong> cidadania mais completa em todos os sectores da vida: trabalho, família, ambiente,<br />

sexualida<strong>de</strong>, etc., e não se fique apenas pela ritualida<strong>de</strong> pobre do parlamentarismo; e batalhar<br />

para que a economia <strong>de</strong> mercado seja verda<strong>de</strong>iramente regulada no sentido <strong>de</strong> garantir serviços<br />

públicos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a fiscalida<strong>de</strong> justa e <strong>um</strong>a redistribuição o mais equitativa possível (as<br />

social-<strong>de</strong>mocracias nórdicas confirmam que <strong>é</strong> possível ac<strong>um</strong>ular riqueza e ao mesmo tempo<br />

distribui-la).<br />

Ora, isto, nem PSDs e PSs, por <strong>um</strong> lado, nem o PC, por outro, ou o Bloco (ainda por outro)<br />

dizem. Nas actuais circunstâncias, em que a esquerda está <strong>de</strong> pousio, talvez se <strong>de</strong>vesse <strong>de</strong>bater a<br />

s<strong>é</strong>rio estas questões: questões pragmáticas, questões tácticas e estrat<strong>é</strong>gicas, <strong>é</strong> certo, mas tamb<strong>é</strong>m<br />

questões i<strong>de</strong>ológicas. O meu sonho era que, vindos do PS, do PC ou do Bloco, se juntassem<br />

(como tendências nos partidos, como “think tanks”, como partidos ou movimentos, pouco<br />

importa) pessoas que se ass<strong>um</strong>issem como “Sociais-Democratas <strong>de</strong> Esquerda” – gente apostada<br />

na crítica feroz ao <strong>de</strong>missionismo centrista e oportunista, mas tamb<strong>é</strong>m farta da sobrevivência do<br />

vírus utópico-revolucionário (posso ser mauzinho e preconceituoso?: nem “betos” nem<br />

“freaks”).<br />

Às vezes as coisas mudam não com novas e totais invenções, mas com recuperações <strong>de</strong> coisas<br />

antigas que se per<strong>de</strong>ram. E <strong>um</strong>a <strong>de</strong>las <strong>é</strong> a social-<strong>de</strong>mocracia. A s<strong>é</strong>rio. De esquerda. Quem<br />

alinha?<br />

Texto apresentado n<strong>um</strong>a jornada <strong>de</strong> reflexão da “Plataforma pelo Direito <strong>de</strong> Optar”<br />

(Webpage, 18.05.02)<br />

A questão do aborto <strong>é</strong>, sem dúvida, <strong>um</strong> dos gran<strong>de</strong>s divisores <strong>de</strong> águas na socieda<strong>de</strong> e na<br />

política portuguesas. Foi-o no referendo, no processo político que o antece<strong>de</strong>u e nas<br />

consequências que ele teve. Tornou-se n<strong>um</strong> símbolo: <strong>de</strong> como as gran<strong>de</strong>s divisões na nossa<br />

socieda<strong>de</strong> têm lugar na política sexual; e do <strong>de</strong>scalabro do nosso sistema político (com a<br />

<strong>de</strong>slegitimação da representativida<strong>de</strong> da Assembleia da República e a convocação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

referendo que acabou por nem sequer ser vinculativo). É tamb<strong>é</strong>m <strong>um</strong>a das gran<strong>de</strong>s brechas<br />

civilizacionais que separam Portugal dos outros países da Europa. Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> dos gran<strong>de</strong>s<br />

divisores graças ao simplismo dos termos em que a questão <strong>é</strong> colocada pelo lado anti-aborto e<br />

não tanto pelo assunto em si. Colocada em termos <strong>de</strong> “Vida”, a questão torna-se<br />

necessariamente simplista porque baseada em absolutos, quando a base do pensamento e das<br />

escolhas <strong>é</strong> a comparação relativa.<br />

O gran<strong>de</strong> problema com que nos confrontamos <strong>é</strong> que a <strong>de</strong>finição do feto como h<strong>um</strong>ano (actual<br />

ou potencial) <strong>é</strong>, no fundo, partilhada pelos <strong>de</strong>fensores do aborto. Assim sendo, todo o discurso e<br />

retórica pró-escolha estão condicionados pelo discurso e pela retórica anti-aborto. Nesse<br />

sentido, po<strong>de</strong> dizer-se que o discurso anti-aborto <strong>é</strong> hegemónico, porque mais próximo <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

consenso generalizado sobre o valor da reprodução h<strong>um</strong>ana, das crianças e da <strong>é</strong>tica da <strong>de</strong>fesa<br />

dos mais fracos. Fomos todos educados a pensar assim, tal como fomos, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma ou <strong>de</strong><br />

outra, educados a pensar que as mulheres são <strong>de</strong> alg<strong>um</strong> modo “inferiores” aos homens –<br />

cabendo a estes tutelar-lhes os direitos.<br />

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