13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Nas suas análises da est<strong>é</strong>tica, os “antigos” usavam <strong>um</strong>a noção <strong>de</strong> que gosto muito: o transporte.<br />

Queriam com isso referir a sensação <strong>de</strong>, perante <strong>um</strong>a obra est<strong>é</strong>tica (ou outra), sermos levados<br />

para fora <strong>de</strong> nós mesmos, para outro sítio, para outra dimensão. Em s<strong>um</strong>a, somos mexidos por<br />

algo e nesse movimento transformamo-nos e regressamos, renovados, a nós mesmos. Eis o<br />

“top”, infelizmente curto, dos autocarros que apanhei...<br />

No campo do ensaio (porque na ficção – e infelizmente para <strong>um</strong> leitor ávido como eu – nada <strong>de</strong><br />

especial me aconteceu) mexeu-me “R<strong>é</strong>flexions sur la question gay”, <strong>de</strong> Didier Éribon, publicado<br />

na Fayard. Há muito tempo que não lia nada tão lúcido sobre “a questão gay”. Éribon parte da<br />

noção <strong>de</strong> “injúria” (ou “insulto”) como a primeira e constante i<strong>de</strong>ntificação dos gays. A partir<br />

daí, a sua análise das várias estrat<strong>é</strong>gias <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e luta – <strong>de</strong> superação da injúria<br />

– <strong>é</strong> brilhante. Por favor leiam-no, para perceberem a ligação entre percursos biográficos e<br />

percursos políticos e sociais. Alg<strong>um</strong>a editora se candidata a publicá-lo em Portugal? Alg<strong>um</strong><br />

francófono/francófilo se oferece para traduzir? Cinco triângulos rosa!<br />

No campo acad<strong>é</strong>mico que me toca, a antropologia, os catálogos das editoras, cá e no<br />

estrangeiro, aborreceram-me <strong>de</strong> morte. E as teses universitárias não são, infelizmente, gran<strong>de</strong><br />

alternativa. Com <strong>um</strong>a excepção recente: Manuela Ivone Cunha (Universida<strong>de</strong> do Minho)<br />

abanou-me com a sua tese <strong>de</strong> doutoramento “Entre o Bairro e a Prisão: Tráfico e Trajectos”.<br />

Ficamos a perceber, atrav<strong>é</strong>s das vidas das presas da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Tires, o que aconteceu ao sistema<br />

prisional nos últimos <strong>de</strong>z anos e, sobretudo, como este país se concentra na perseguição ao<br />

pequeno tráfico <strong>de</strong> droga – coinci<strong>de</strong>nte com as populações estigmatizadas e outrora conhecidas<br />

como “classes populares” – enquanto os (tu)barões (colombianos e portugueses) ficam<br />

incól<strong>um</strong>es nas lavandarias <strong>de</strong> dinheiro e nos paraísos fiscais. Quem veja o meu CV po<strong>de</strong> dizer<br />

que o comentário <strong>é</strong> imo<strong>de</strong>sto: mas juro que, como orientador da Manuela, aprendi mais do que<br />

ensinei... Cinco antropófagos!<br />

No cinema, a coisa está triste. Filme após filme, nenh<strong>um</strong> conseguiu superar o movimento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>slocação que me provocou o mexicano “Y Tu Mamá Tambi<strong>é</strong>n”, <strong>de</strong> Alfonso Cuarón. Juntar o<br />

g<strong>é</strong>nero do “road movie” ao g<strong>é</strong>nero do “coming of age”, sem esquecer o espectro da morte, a<br />

sexualida<strong>de</strong> e o contexto social e político, <strong>é</strong> obra. Po<strong>de</strong>ria resultar n<strong>um</strong>a mixórdia, e afinal <strong>é</strong><br />

<strong>um</strong>a iguaria. Precisamos <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong>stas, e contadas <strong>de</strong>sta maneira – a beleza imperfeita dos<br />

conflitos interiores e das relações entre as pessoas, sobre o pano <strong>de</strong> fundo da imperfeição bela<br />

do mundo exterior e dos seus conflitos. E tudo isto sem a insuportável snobeira <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

“programa” ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “escola” subjacente ao filme. Inteligente, sem ser pedante. Sensível, sem<br />

ser lamecha. Engajado, sem ser militante. Divertido, sem ser palerma. Sensual, sem ser<br />

eroticozinho. Cinco margaritas!<br />

No terreno do audiovisual caseiro, flutuei no sofá vendo “Waking Life”, <strong>de</strong> Richard Linklater. É<br />

<strong>um</strong> daqueles casos em que a t<strong>é</strong>cnica fascina e se torna, ela própria, em est<strong>é</strong>tica. A animação por<br />

computador sobreposta às imagens “reais” dos actores e cenários leva mais longe o que já a<br />

música (e ela não está ausente neste filme, bem pelo contrário) fazia no cinema “normal” –<br />

compor <strong>um</strong> sonho, para lá da representação do real. E <strong>é</strong> <strong>de</strong> sonho versus realida<strong>de</strong> – a<br />

velhíssima questão – que o filme trata. O herói vai consultando especialistas sobre o assunto, o<br />

que infelizmente nos leva a ter que ouvir alguns <strong>de</strong>poimentos chatos no meio <strong>de</strong> muitos<br />

fascinantes. Quem quiser ter <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia da beleza <strong>de</strong>sta proeza t<strong>é</strong>cnica, veja a cena do ensaio do<br />

tango logo na parte inicial do filme. Cinco sonhos!<br />

O audiovisual caseiro – à semelhança da estante <strong>de</strong> livros – permite ainda revisitar coisas<br />

antigas. E permite que nasçam pequenas obsessões. Tem sido o caso com as edições em<br />

vi<strong>de</strong>ocassete e DVD da “sitcom” americana “Friends”. Eu já era fanático do g<strong>é</strong>nero (pagaria, e<br />

bem, por <strong>um</strong> canal só <strong>de</strong> “sitcoms”), mas “Friends” acrescenta ao “speed”, ao h<strong>um</strong>or e às<br />

“punch lines”, a ligação entre o espectador e <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> personagens com aquele tudo-nada<br />

que as faz serem mais do que bonecos. Foram mortos à nascença em Portugal com a experiência<br />

<strong>de</strong> dobragem da TVI. Algu<strong>é</strong>m os ressuscita? Cinco amigos (aliás, seis...)!<br />

123

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!