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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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encontrar explicações sociológicas sobre a ausência <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r: o seu colega <strong>é</strong> homem, <strong>é</strong> branco,<br />

tem <strong>um</strong>a origem social privilegiada, <strong>é</strong> culto e exerce <strong>um</strong>a profissão <strong>de</strong> prestígio.<br />

Alg<strong>um</strong>a coisa, então, terá que unir as atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito e conflitualida<strong>de</strong> do rapaz e do<br />

colega, para lá do pouco po<strong>de</strong>r do primeiro e do muito do segundo. A primeira tentativa <strong>de</strong><br />

explicação <strong>é</strong> <strong>de</strong> senso com<strong>um</strong>: o “mau carácter”. Haverá seres h<strong>um</strong>anos maus, assim como<br />

haverá seres h<strong>um</strong>anos bons. Uns e outros calham-nos ou não, como os números n<strong>um</strong>a lotaria. A<br />

segunda tentativa navega nas mesmas águas: a natureza h<strong>um</strong>ana assentaria na competição, no<br />

rancor e na inveja, só que você ainda não tinha reparado. Ora, você tem problemas em aceitar<br />

este tipo <strong>de</strong> explicações. Parecem-se <strong>de</strong>masiado com aquelas outras que dizem que as mulheres<br />

são mais sensíveis ou que os negros têm <strong>um</strong>a inclinação natural para a música, ou que os<br />

Portugueses têm brandos cost<strong>um</strong>es. Uma outra explicação começa a ganhar contornos: aquilo<br />

que <strong>de</strong> com<strong>um</strong> falhou – ou terá falhado – no crescimento tanto do rapaz quanto do colega, terá<br />

sido a aprendizagem da rectidão e do civismo nas relações com os outros. Trata-se <strong>de</strong> algo que<br />

se apren<strong>de</strong> em casa, nas relações familiares, com os amigos, com a exposição a exemplos e<br />

contra-exemplos (na literatura, no cinema etc.), e na escola.<br />

Acontece, por<strong>é</strong>m, que a família <strong>é</strong> <strong>um</strong>a instituição <strong>de</strong>masiado errática, imprevisível e<br />

diversificada, para que se possa contar com ela como escola <strong>de</strong> boa formação. Em muitos casos,<br />

os conflitos familiares são <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m que em vez <strong>de</strong> ajudarem a construir <strong>um</strong>a boa formação,<br />

ajudam a impedi-la. Tão pouco os “mass media” po<strong>de</strong>m ser responsabilizados ou usados como<br />

escola <strong>de</strong> boa formação, pois a sua lógica não <strong>é</strong> a do serviço social, mas sim a do lucro. Sobra,<br />

aparentemente, a escola. Porque esta, sim, <strong>é</strong> <strong>um</strong>a instituição pública, <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong><br />

se espera que sejam ensinados os valores <strong>de</strong> convivência que evitem a explosão – malcriada e<br />

“<strong>de</strong> rua”, ou persecutória e “<strong>de</strong> gabinete” – dos conflitos que necessariamente surgem entre<br />

quem partilha espaços ou instituições.<br />

Não me lembro <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a vez ter tido, na escola, algo que se parecesse com Educação Cívica<br />

ou Ética. E não me parece que tal coisa exista ainda. Há anos que se fala disto, mas pouco ou<br />

nada <strong>é</strong> feito. Entretanto, seja entre ricos ou entre pobres, entre letrados ou analfabetos<br />

funcionais, seja na aca<strong>de</strong>mia ou na rua do bairro, o “mau-caratismo” (como se diz no Brasil)<br />

expan<strong>de</strong>-se, tornando a vida em Portugal n<strong>um</strong>a pequena história <strong>de</strong> horror.<br />

Sem título<br />

(Webpage, 16.11.01)<br />

Duas palavras <strong>de</strong> origem afegã entraram recentemente no vocabulário português: talibã e burka.<br />

Não há caf<strong>é</strong> popular on<strong>de</strong> não se oiça os compinchas apelidarem-se mutuamente <strong>de</strong> talibãs;<br />

taxistas furiosos lançam o epíteto para condutores incautos; e at<strong>é</strong> os opositores à guerra<br />

americana contra o Afeganistão são facilmente etiquetados com o palavrão. Já com a palavra<br />

burka <strong>é</strong> toda <strong>um</strong>a outra história: ela aparece sobretudo nos jornais como ícone da opressão das<br />

mulheres pelo fundamentalismo. E ainda bem. Só que <strong>um</strong> curioso duplo padrão se estabeleceu,<br />

sub-repticiamente, em toda esta história: “talibã” foi rapidamente apropriado para <strong>de</strong>signar toda<br />

e qualquer pessoa violenta ou fanática – ou simplesmente para chatear – ao passo que burka não<br />

teve nenh<strong>um</strong>a extensão analógica na socieda<strong>de</strong> portuguesa. E no entanto...<br />

E no entanto, ali mesmo nos arredores do Porto, n<strong>um</strong> tribunal da Maia, 17 mulheres estão a ser<br />

julgadas pela prática <strong>de</strong> aborto. O julgamento <strong>de</strong>corre <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todo o escândalo que ro<strong>de</strong>ou o<br />

referendo do aborto. Um escândalo duplo: garantindo-nos o lugar <strong>de</strong> país mais retrógrado da UE<br />

em relação aos direitos das mulheres e acabando <strong>de</strong> vez com a dignida<strong>de</strong> do referendo,<br />

consi<strong>de</strong>rando o nível <strong>de</strong> abstenção então verificado. Os “<strong>de</strong>fensores da vida” então vitoriosos<br />

(os mesmos, provavelmente, que não se preocupam com as vidas dos afegãos mortos na guerra)<br />

prometeram mundos e fundos em termos <strong>de</strong> contrapartidas. Consta at<strong>é</strong> que o PP tem <strong>um</strong>a<br />

proposta <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> bases para a família – <strong>um</strong> absurdo completo, pois seria primeiro necessário<br />

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