13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

quase se controem pr<strong>é</strong>dios “tipo Lapa” – pastiches <strong>de</strong> antigo e nobre para novos ricos. O caf<strong>é</strong><br />

fronteiro à ilha era at<strong>é</strong> há meses <strong>um</strong> dos poucos com mesas e ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira; agora <strong>é</strong> <strong>um</strong>a<br />

coisa venezuelana <strong>de</strong> cromados e n<strong>é</strong>ons.<br />

No meio disto, a ilha resiste. Se calhar são os “amigos” que a têm protegido. Ela ali está,<br />

pequena al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Ast<strong>é</strong>rix. Não <strong>é</strong> – note-se – <strong>um</strong> reduto <strong>de</strong> conservadorismo, contra o progresso.<br />

<strong>Bem</strong> pelo contrário: resiste porque <strong>é</strong> <strong>um</strong> espaço bom para imaginar. É a proverbial janela<br />

(ver<strong>de</strong>?) para o mundo. Ela resiste ao que <strong>de</strong> pior a “tradição” tem (a sujeira, e o <strong>de</strong>sleixo);<br />

recusa-se a participar do que <strong>de</strong> pior a “novida<strong>de</strong>” tem (o reor<strong>de</strong>namento novo-rico); e mant<strong>é</strong>mse<br />

orgulhosa como plataforma <strong>de</strong> comunicações e almofada para o imaginário. Ao p<strong>é</strong> <strong>de</strong>la,<br />

f<strong>é</strong>rias nas Seychelles ou <strong>de</strong>lírios com as Caraíbas são brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> mau-gosto. Na ilha <strong>de</strong><br />

Santos – aí sim – vai-se para fora cá <strong>de</strong>ntro.<br />

Um Africano Branco<br />

(Público, 30.06.96)<br />

Provavelmente o doc<strong>um</strong>entário passou <strong>de</strong>spercebido, como quase tudo o que acontece no<br />

segundo canal da televisão do Estado (se pu<strong>de</strong>sse, <strong>de</strong>dicava-me exclusivamente a fazer versões<br />

escritas das coisas interessantes que por vezes ali passam). Foi emitido no programa “Sinais do<br />

Tempo” e versava a candidatura <strong>de</strong> Richard Leakey à presidência do Qu<strong>é</strong>nia.<br />

Richard Leakey, tal como a sua mulher ou o seu pai, <strong>é</strong> <strong>um</strong> famoso antropólogo físico e<br />

arqueólogo. Branco, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ingleses, <strong>é</strong> cidadão do Qu<strong>é</strong>nia. Durante alg<strong>um</strong> tempo, foilhe<br />

dada carta branca pelo presi<strong>de</strong>nte Queniano, Moi, para acabar com o tráfico <strong>de</strong> marfim e<br />

para gerir a preservação da vida selvagem. Conflitos vários levaram a que o presi<strong>de</strong>nte não só<br />

lhe retirasse a confiança como o elegesse como ódio <strong>de</strong> estimação. Ao que parece, tudo tem a<br />

ver com o facto <strong>de</strong> Leakey ter <strong>de</strong>cido enveredar pela carreira política.<br />

Fundou <strong>um</strong> partido, candidatou-se às eleições. N<strong>um</strong> <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> avião, cujas causas permanecem<br />

inexplicadas, per<strong>de</strong>u ambas as pernas. Mais tar<strong>de</strong>, n<strong>um</strong> comício n<strong>um</strong>a zona rural, foi atacado<br />

por <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> homens. Correram mundo as imagens do seu corpo chicoteado, bem como as<br />

nódoas negras dos jornalistas brancos presentes na cena. Ao que parece, Leakey não <strong>de</strong>sistiu e<br />

insiste que a sua campanha vai no sentido <strong>de</strong> acabar com a corrupção end<strong>é</strong>mica, bem como<br />

estabilizar e aprofundar as instituições <strong>de</strong>mocráticas.<br />

Parece que a maioria dos brancos quenianos não vai muito na sua conversa. O doc<strong>um</strong>entário<br />

mostra-nos <strong>um</strong> pouco da vida <strong>de</strong>ssa gente. O próprio irmão <strong>de</strong> Leakey diz que o projecto <strong>de</strong><br />

Richard <strong>é</strong> ina<strong>de</strong>quado para a África, pois preten<strong>de</strong> impor a <strong>de</strong>mocracia à Oci<strong>de</strong>ntal, sem respeito<br />

pelas tradições locais. <strong>Este</strong> irmão tamb<strong>é</strong>m está na vida política, mas como apoiante do<br />

presi<strong>de</strong>nte Moi. Outros brancos entrevistados, na maioria fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> gado ou chá, tamb<strong>é</strong>m<br />

<strong>de</strong>sconfiam <strong>de</strong> Richard. Insistem quase sempre em três pontos: <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que são quenianos e<br />

não europeus, <strong>um</strong>a vez que já nasceram em África e não têm <strong>um</strong> sítio “a on<strong>de</strong> regressar”; usam<br />

muito a imagem <strong>de</strong> que são a 48ª tribo do Qu<strong>é</strong>nia; e acham que, <strong>de</strong> <strong>um</strong> modo geral, os brancos<br />

não <strong>de</strong>vem participar na política (coisa que <strong>de</strong>ve ficar para os africanos), mas sim <strong>de</strong>dicar-se<br />

apenas à activida<strong>de</strong> empresarial.<br />

O presi<strong>de</strong>nte Moi parece concordar com os dois últimos pontos e recusar o primeiro. Um dia<br />

convidou os fazen<strong>de</strong>iros brancos para <strong>um</strong>a recepção no palácio. Era <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> pedir<br />

vassalagem. No seu discurso referiu-se directamente a Leakey, dizendo que nunca em dias <strong>de</strong><br />

vida <strong>um</strong> branco po<strong>de</strong>rá ser presi<strong>de</strong>nte do Qu<strong>é</strong>nia. Por <strong>um</strong> lado reconhecia os brancos como<br />

cidadãos quenianos, por outro dizia-lhes que a África <strong>é</strong> dos africanos. O discurso não era apenas<br />

contraditório; era insultuoso. Ora, os convidados não só anuiram, como aplaudiram e<br />

c<strong>um</strong>primentaram efusivamente o gran<strong>de</strong> chefe. Incluíndo o político que diz que os brancos não<br />

se <strong>de</strong>vem meter em política.<br />

34

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!