Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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É o pior e o mais perigoso “sítio” para reproduzir o silêncio e a culpabilização. E <strong>é</strong> isso que a<br />
Helena, por certo inadvertidamente, fez (esse <strong>é</strong> mais <strong>um</strong> dos efeitos da famosa hegemonia...).<br />
Chego agora à questão da “pedofilia”. As associações gay e l<strong>é</strong>sbicas reagiram com comunicados<br />
para a imprensa, que não os publicou (embora <strong>um</strong> texto meu tenha sido publicado neste jornal).<br />
Reagiram às confusões que foram surgindo entre homossexualida<strong>de</strong> e pedofilia. Claro que não<br />
tinham nada que dizer antes <strong>de</strong>ssas confusões surgirem, pois nada liga a homossexualida<strong>de</strong>,<br />
mais do que a heterossexualida<strong>de</strong> (infelizmente, antes pelo contrário, segundo as estatísticas) à<br />
pedofilia. E o que se disse – como por exemplo na reacção que houve a <strong>um</strong>a inenarrável crónica<br />
<strong>de</strong> João C<strong>é</strong>sar das Neves no DN – <strong>é</strong> o que há para dizer: por <strong>um</strong> lado, que o abuso sexual <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />
crime; e, por outro, que a linha <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação entre a legitimida<strong>de</strong> e a ilegitimida<strong>de</strong> dos<br />
comportamentos sexuais <strong>é</strong> o mútuo consentimento informado entre pessoas em ida<strong>de</strong> legal.<br />
Não há comparação possível entre o reaccionarismo básico <strong>de</strong> C<strong>é</strong>sar das Neves e os “mist<strong>é</strong>rios”<br />
com que a Helena se confronta. Mas são justamente a inteligência e a consciência cívica da<br />
Helena que obrigam, curiosamente, a <strong>um</strong>a responsabilida<strong>de</strong> acrescida na promoção <strong>de</strong> mais<br />
igualda<strong>de</strong>, cidadania e gosto pela diversida<strong>de</strong>.<br />
Sem fantasmas,<br />
<strong>Miguel</strong> <strong>Vale</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong><br />
Antropólogo, Professor Universitário e, por acaso e com muito gosto, homossexual.<br />
“Socialismo ou barbárie”<br />
(Webpage, 10.03.03)<br />
O historiador britânico Eric Hobsbawm publicou recentemente a sua autobiografia. Em dado<br />
momento, comenta assim a situação do mundo actual (tradução minha):<br />
“Dez anos <strong>de</strong>pois do fim da URSS (...)os ricos e os governos que eles conseguiram convencer<br />
da sua indispensabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong> novo <strong>de</strong>scobrir que os pobres precisam mais <strong>de</strong><br />
concessões do que <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo. Mas graças ao enfraquecimento da social- <strong>de</strong>mocracia e à<br />
<strong>de</strong>sintegração do comunismo, o perigo vem hoje dos inimigos da razão: fundamentalismos<br />
religiosos, <strong>é</strong>tnicos, tribais e xenófobos, entre os quais os her<strong>de</strong>iros do fascismo (ou partidos<br />
inspirados no fascismo), que têm lugar nos governos da Índia, Israel ou Itália. Uma das muitas<br />
ironias da História <strong>é</strong> que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> meio s<strong>é</strong>culo <strong>de</strong> Guerra Fria anti-comunista, os únicos<br />
inimigos do governo <strong>de</strong> Washington – e que mataram cidadãos no território dos EUA – sejam<br />
os seus zelotas <strong>de</strong> ultra-direita e fundamentalistas islâmicos em tempos financiados<br />
<strong>de</strong>liberadamente pelo “mundo livre” para combater os sovi<strong>é</strong>ticos. O mundo po<strong>de</strong>rá ainda vir a<br />
arrepen<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong>, face à alternativa entre socialismo ou barbárie formulada por Rosa<br />
Luxemburgo, ter <strong>de</strong>cidido preterir o socialismo” (Hobsbawm, Eric, 2002, Interesting Times,<br />
Londres: Allen Lane, pp 280-281).<br />
Esta passagem diz tudo. Hobsbawm, que se ass<strong>um</strong>e como comunista, não poupa, ao longo do<br />
livro, críticas à União Sovi<strong>é</strong>tica. Ass<strong>um</strong>idamente eurocomunista, não tem vergonha <strong>de</strong> dizer que<br />
sempre preferiu viver n<strong>um</strong> país da Europa Oci<strong>de</strong>ntal a viver n<strong>um</strong> regime <strong>de</strong> socialismo “real” no<br />
Leste. Reconhece, sem pudor nem truques retóricos, a <strong>de</strong>rrota histórica das esquerdas e do<br />
mo<strong>de</strong>lo do Estado social criado no pós-guerra. Sabe, como qualquer pessoa <strong>de</strong> bom senso, que<br />
tal se <strong>de</strong>veu a dois factores: a perversão sovi<strong>é</strong>tica (e chinesa) do socialismo, e o triunfo do que<br />
ele chama a “teologia” neo-liberal.<br />
Mas diz, ainda, isto: neste momento, os inimigos dos EUA e da or<strong>de</strong>m estabelecida não são nem<br />
comunistas, nem esquerdistas, nem guerrilhas, nem movimentos <strong>de</strong> libertação, nem nada <strong>de</strong><br />
parecido com as rebeldias do s<strong>é</strong>culo XX. São fanáticos racistas e religiosos, como os que<br />
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