Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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Já o cordão h<strong>um</strong>ano me parecia mais simpático. Organizado por <strong>um</strong>a enorme lista <strong>de</strong> apoiantes<br />
<strong>de</strong> vários sectores políticos, o próprio acto <strong>de</strong> ligar a embaixada <strong>de</strong> Israel ao Sheraton <strong>é</strong><br />
reminiscente das movimentações <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> com Timor. Mas duas coisas me perturbaram<br />
à partida. A primeira foi ver o meu nome na lista <strong>de</strong> convocatória da manifestação. Acontece<br />
que ningu<strong>é</strong>m me pediu autorização (embora a inclusão do meu nome me tenha sido comunicada<br />
posteriormente, com base na “urgência” e na “inocuida<strong>de</strong>” do manifesto). Engolido esse sapo,<br />
houve mais: o anúncio publicado nos jornais dizia “dois povos, dois Estados”. Não ponho em<br />
causa a correcção política da afirmação: <strong>é</strong> <strong>um</strong>a maneira <strong>de</strong> dizer que a solidarieda<strong>de</strong> com a<br />
Palestina não significa a negação do Estado <strong>de</strong> Israel. E aceito at<strong>é</strong> certo ponto que a solução<br />
política a curto prazo seja a separação em dois Estados. Mas o arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que a <strong>um</strong> povo<br />
<strong>de</strong>ve correspon<strong>de</strong>r <strong>um</strong> Estado <strong>é</strong> puro nacionalismo do s<strong>é</strong>culo XIX e XX, e a esquerda já <strong>de</strong>veria<br />
ter ultrapassado a fantasia <strong>de</strong> que o nacionalismo tem <strong>um</strong> potencial progressista e libertador.<br />
Não tem: veja-se o País Basco, on<strong>de</strong> <strong>um</strong> projecto nacional <strong>é</strong> <strong>um</strong> projecto inútil, assustador e que<br />
faz correr sangue. Depois da separação, continuará Israel a ser <strong>um</strong> Estado confessional? E que<br />
esperanças há <strong>de</strong> <strong>um</strong> regime <strong>de</strong>mocrático na Palestina?<br />
O que está a acontecer em Israel-Palestina <strong>é</strong> simplesmente horrível. Sharon <strong>é</strong> <strong>um</strong> comprovado<br />
criminoso <strong>de</strong> guerra, pelo que fez antes (os massacres dos campos <strong>de</strong> refugiados) e pelo que está<br />
a fazer agora. Israel só faz o que faz porque os Estados Unidos permitem e querem. E os<br />
Estados Unidos, após o 11 <strong>de</strong> Setembro, tornaram-se n<strong>um</strong>a perigosa uni-hiper-potência, que<br />
permite tudo com a justificação do terrorismo. Quando do 11 <strong>de</strong> Setembro, achei que a esquerda<br />
<strong>de</strong>veria ser absolutamente intransigente em relação aos terroristas. Mas achei tamb<strong>é</strong>m que atacar<br />
os EUA não <strong>é</strong> como atacar a B<strong>é</strong>lgica. Não pela proximida<strong>de</strong> (tenho <strong>um</strong>a relação <strong>um</strong>bilical com<br />
os EUA provavelmente maior que muitas pessoas <strong>de</strong> direita, o que me iliba <strong>de</strong> “antiamericanismos”)<br />
mas pelo perigo que constitui para todos nós a reacção previsível da<br />
hiperpotência. Por isso no 11 <strong>de</strong> Setembro, pensar o terrorismo era indissociável <strong>de</strong> pensar qual<br />
seria a reacção dos americanos.<br />
No caso <strong>de</strong> Israel-Palestina há <strong>um</strong>a certa inclinação para se pensar que estamos perante <strong>um</strong> caso<br />
simples <strong>de</strong> ocupação versus libertação, <strong>de</strong> ricos contra pobres, po<strong>de</strong>rosos contra oprimidos, sem<br />
os problemas <strong>de</strong> consciência que o 11 <strong>de</strong> Setembro havia colocado. Mas não <strong>é</strong> assim. Não tenho<br />
a menor dúvida que Israel tem vindo a c<strong>um</strong>prir o papel <strong>de</strong> potência ocupante e não c<strong>um</strong>pridora<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões internacionais. Não tenho a menor dúvida que, contas feitas, o grau <strong>de</strong> perda dos<br />
Palestinianos <strong>é</strong> muito maior que o dos israelitas. Não tenho a menor dúvida que o primeiro<br />
passo para a solução <strong>é</strong> a intervenção internacional no sentido <strong>de</strong> garantir a existência <strong>de</strong> dois<br />
Estados na região. E não tenho a menor dúvida que tal acontece se os Estados Unidos quiserem,<br />
e não acontece se os Estados Unidos não quiserem.<br />
Mas há outras dúvidas que não tenho: que os ataques terroristas palestinianos nas ruas e caf<strong>é</strong>s <strong>de</strong><br />
Israel são absolutamente in<strong>de</strong>sculpáveis; que não são actos isolados <strong>de</strong> fundamentalistas mas<br />
antes participam já da lógica da resistência Palestiniana; que a autorida<strong>de</strong> palestiniana pouco ou<br />
nada fez para controlá-los; que, internamente, o universo palestiniano não <strong>é</strong> <strong>de</strong>mocrático nem<br />
tolerante (e a situação <strong>de</strong> ocupação não <strong>é</strong> <strong>de</strong>sculpa para isso – os timorenses que o digam); que<br />
as ditaduras árabes em redor não ajudam e que há <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo subliminar <strong>de</strong> extinção do Estado<br />
<strong>de</strong> Israel. <strong>Este</strong> <strong>de</strong>sejo, aliás, existe na direita israelita em relação aos palestinianos, mas ao<br />
menos aí sabemos que <strong>é</strong> na direita, não havendo a confusão entre <strong>um</strong> povo e <strong>um</strong>a política, como<br />
acontece entre os palestinianos e no seio da sinistra OLP.<br />
A esquerda internacional parece continuar a cometer os mesmos erros: elege os palestinianos<br />
em povo mártir, cria <strong>um</strong> folclore em torno <strong>de</strong>les, a<strong>de</strong>re à causa sem o mínimo espírito crítico e,<br />
<strong>de</strong> caminho, esquece airosamente o terrorismo palestiniano. De permeio, não vigia o perigo do<br />
anti-semitismo que po<strong>de</strong> irromper nessa atitu<strong>de</strong>, não distinguido cautelosamente este do antisionismo.<br />
O terrorismo <strong>de</strong> Estado perpetrado pela direita religiosa israelita no po<strong>de</strong>r <strong>é</strong> <strong>um</strong>a<br />
vergonha e <strong>um</strong> escândalo. Mas o terrorismo palestiniano tamb<strong>é</strong>m o <strong>é</strong>. No lado israelita,<br />
enfraqueceu quase at<strong>é</strong> à morte a esquerda israelita, os movimentos como o Paz Agora e o<br />
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