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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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americanas e britânicas. Trata-se tecnicamente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coligação, mas entre duas forças e<br />

alg<strong>um</strong>as migalhas (australianos, etc.), sendo que <strong>um</strong>a das forças <strong>é</strong> obviamente esmagadora e<br />

teria avançado para a invasão com ou sem o Reino Unido. Assim, falar em “coligação” significa<br />

reproduzir a propaganda <strong>de</strong>sejada pelos EUA: dar a ilusão <strong>de</strong> que o mundo inteiro estaria a<br />

favor da invasão, e <strong>de</strong> que os EUA não estariam a fazer mais do que aplicar <strong>de</strong>cisões da ONU<br />

perante a “cobardia” da Velha Europa.<br />

As coisas não se ficaram por aí. Nem a expressão “libertação”, nem a expressão “<strong>de</strong>mocracia”<br />

foram alg<strong>um</strong>a vez questionadas ou matizadas. Foram compradas directamente no supermercado<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias do Pentágono. O que se vai instalar no Iraque <strong>é</strong> <strong>um</strong>a “<strong>de</strong>mocracia”, e isto <strong>é</strong> dito sem<br />

qualquer hesitação face a <strong>um</strong>a espantosa contradição: pela primeira vez na história da<br />

H<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mocracia será instalada à força. Não fosse o <strong>de</strong>sprezo a que o<br />

neoliberalismo educacional tem votado as h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>s e as ciências sociais, ficar-se-ia<br />

espantado com tanta ignorância da História e da Ciência Política. Pois o que o vice-rei Gardner<br />

e os americanos estão a fazer no Iraque – para quem saiba <strong>um</strong> pouco <strong>de</strong> História e interprete<br />

aquelas palavras paternalistas saídas da boca <strong>de</strong> quem impôs o seu po<strong>de</strong>r pelas armas – <strong>é</strong> a usar<br />

<strong>um</strong> discurso colonialista n<strong>um</strong>a situação colonial. Troque-se “<strong>de</strong>mocracia” e “liberda<strong>de</strong>” por<br />

“pacificação” e “civilização” e temos o discurso <strong>de</strong> <strong>um</strong> missionário ou governador colonial.<br />

Para completar a semelhança, esse discurso <strong>é</strong> proferido face a <strong>um</strong>a situação cultural e social<br />

absolutamente abstrusa para a mente dos colonizadores: <strong>é</strong> só esperar <strong>um</strong>as semanas para ver<br />

emergir o caos do fundamentalismo e do tribalismo, eventualmente apaziguado à força por<br />

fantoches como Chalabi, fugido da Jordânia <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>sviado milhões <strong>de</strong> dólares n<strong>um</strong><br />

negócio bancário e financeiro duvidoso, e que agora se refugia do seu insucesso popular n<strong>um</strong><br />

dos palácios do ex-ditador. Ah, <strong>é</strong> verda<strong>de</strong>: o ditador li<strong>de</strong>rava <strong>um</strong> “regime”, palavra espantosa,<br />

transformada em insulto, habilmente conotada com a adjectivação que lhe falta (“regime<br />

fascista”, regime totalitário”), como se os EUA ou qualquer outro país não tivessem <strong>um</strong><br />

“regime”.<br />

Em Portugal, esta coisa da guerra <strong>de</strong>u azo a diatribes violentíssimas entre apoiantes e<br />

opositores. Na realida<strong>de</strong>, o grau <strong>de</strong> ferocida<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>ve a <strong>um</strong>a especial preocupação dos<br />

portugueses com as questões internacionais. Deve-se a <strong>um</strong>a circunstância social curiosa e a <strong>um</strong>a<br />

outra, histórica, mais preocupante. A primeira <strong>é</strong> que os jornais ficaram nas mãos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a geração<br />

das elites nacionais que em tempos esteve na extrema esquerda e foi guinando para a direita. A<br />

segunda <strong>é</strong> que nunca em Portugal se “ajustaram contas” <strong>de</strong>pois da “normalização” do 25 <strong>de</strong><br />

Novembro. Directores e editorialistas <strong>de</strong> jornais e TVs têm agora a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

proclamarem a sua conversão e <strong>de</strong> atacarem aqueles que paranoicamente vêem como sendo eles<br />

próprios caso não se tivessem convertido. Só isto explica como po<strong>de</strong> algu<strong>é</strong>m comparar a<br />

“libertação” do Iraque ao 25 <strong>de</strong> Abril português, <strong>um</strong>a barbarida<strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong> como quando<br />

Saramago comparou a situação palestiniana ao Holocausto. A maneira como a direita<br />

portuguesa alinha com tudo o que venha <strong>de</strong> Washington <strong>é</strong> própria <strong>de</strong> cristãos novos, mais<br />

papistas que o Papa. Só isso explica, tamb<strong>é</strong>m, que possa haver uns rapazolas como o lí<strong>de</strong>r da<br />

Juventu<strong>de</strong> do PP evocando como luta pela “liberda<strong>de</strong>” o “sofrimento” passado pelos militantes<br />

do CDS no período a seguir ao 25 <strong>de</strong> Abril. A direita sempre interpretou a obra <strong>de</strong> Orwell como<br />

sendo <strong>um</strong> ataque ao estalinismo. Nunca percebeu que era <strong>um</strong> ataque a toda a manipulação dos<br />

sentidos da linguagem por qualquer po<strong>de</strong>r – justamente o que a direita agora faz, como quando<br />

tenta equivaler a “liberda<strong>de</strong>” no mercado (geradora <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s) com a liberda<strong>de</strong> política<br />

(só possível com o incremento da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s).<br />

Só na cabeça dos fazedores <strong>de</strong> notícias como negócio <strong>é</strong> que a guerra acabou. Isto <strong>é</strong>: era preciso<br />

que ela “acabasse <strong>um</strong> pouco”, <strong>de</strong> modo a dar entrada às fantochadas mais popularuchas. Mais<br />

at<strong>é</strong> do que os casos da “pedofilia” ou da Mo<strong>de</strong>rna, vamos vendo as histórias <strong>de</strong> “interesse<br />

h<strong>um</strong>ano”, normalmente relacionadas com crianças estropiadas, doentes crónicas ou baleadas.<br />

Tamb<strong>é</strong>m aqui a linguagem levou <strong>um</strong>a curiosa inflexão. Assistimos agora a Rodrigos Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Carvalhos usando a expressão “menina” para se referirem a <strong>um</strong>a criança. Em primeiro lugar, a<br />

horrorosa palavra aplica-se sobretudo ao sexo feminino, reproduzindo assim velhas diferenças<br />

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