13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

quando acontece, dá-se em situações que marcam a própria diferença entre grupos: por exemplo<br />

no trabalho (patrão/ empregado). A própria cultura que cada <strong>um</strong> dos grupos reproduziu <strong>é</strong><br />

praticamente incompatível. Os próprios corpos teatralizam a diferença, são vistos do ponto <strong>de</strong><br />

vista da est<strong>é</strong>tica como sendo feios ou bonitos, elegantes ou <strong>de</strong>selegantes. E isso são coisas que<br />

afastam afectivamente as pessoas. Em socieda<strong>de</strong>s com diferenças sociais muito marcadas mais<br />

se acentuam estas diferenças ao nível do corpo. No entanto, a cultura do cons<strong>um</strong>o e os meios <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> massa têm hoje <strong>um</strong>a função uniformizadora e <strong>um</strong> efeito <strong>de</strong>mocrático interessante.<br />

Embora sejam, com alg<strong>um</strong>a justeza, criticados por serem alienantes, eles permitem<br />

<strong>um</strong>a maior comunicação, sem relações face-a-face e, ao mesmo tempo, possibilitam que pessoas<br />

<strong>de</strong> origens sociais diferentes acabem por imitar formas <strong>de</strong> comportamento gestual, linguístico e<br />

cultural, muito semelhantes. E ao nível da cultura do cons<strong>um</strong>o permitem que as pessoas se<br />

i<strong>de</strong>ntifiquem mais atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> certos objectivos <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o, atrav<strong>é</strong>s da sub-cultura <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o a<br />

que pertencem, do que atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a origem social com<strong>um</strong>. Aliás, esta <strong>é</strong> <strong>um</strong>a das razões por<br />

que <strong>é</strong> tão difícil fazer <strong>um</strong>a política <strong>de</strong> esquerda tradicional – as pessoas já não se autoi<strong>de</strong>ntificam<br />

com este ou aquele grupo, funcionam muito mais como pertencendo a <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada onda ou<br />

moda.<br />

APDH – Qual a <strong>de</strong>terminação social das diferenças raciais?<br />

MVA – O meu próximo trabalho vai ser precisamente no Brasil e tem a ver com questões da<br />

raça. Porque se regista hoje <strong>um</strong> recru<strong>de</strong>scimento <strong>de</strong> fenómenos racistas. Sabe-se hoje que o<br />

próprio conceito <strong>de</strong> raça já não <strong>é</strong> válido. As raças só existem porque as pessoas foram separadas<br />

no início e obrigadas a reproduzir-se <strong>de</strong>ntro dos seus próprios grupos. Mas se fosse seguida a<br />

tendência natural, que era <strong>de</strong> se misturarem, <strong>de</strong>sapareceria a própria evidência física das raças.<br />

As raças foram construídas socialmente e não são <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> biológica. Tal como se faz no<br />

apuramento <strong>de</strong> raças <strong>de</strong> cães, escolhendo e conduzindo o processo <strong>de</strong> cruzamentos. Na História<br />

da H<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> fez-se o mesmo com as raças: <strong>um</strong> dos efeitos do racismo foi, justamente,<br />

manter grupos h<strong>um</strong>anos separados <strong>de</strong> modo a que eles tenham características físicas corporais<br />

absolutamente diferentes, que por sua vez servem para naturalizar a diferença <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que se<br />

estabeleceu entre eles. A raça <strong>é</strong> <strong>um</strong> dos processos <strong>de</strong> naturalização do po<strong>de</strong>r mais complicados<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scodifícar porque está baseado em processos históricos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social profunda,<br />

como a escravatura.<br />

Caixa: Objecção <strong>de</strong> Consciência. Pelo fim das Forças Armadas.<br />

APDH – Outra área do seu interesse <strong>é</strong> a Objecção <strong>de</strong> Consciência (OC). Com a progressiva<br />

profissionalização das Forças Armadas (FA), qual o sentido da objecção?<br />

MVA – A objecção <strong>de</strong> consciência surgiu, em Portugal, ligada ao Serviço Militar Obrigatório<br />

(SMO). Mas com a tendência para a profissionalização das FA, a OC torna-se progressivamente<br />

obsoleta. Eu acho mesmo que o SM não <strong>de</strong>via existir. Concordo com a profissionalização das<br />

FA. Mas há outra questão: que FA? As FA profissionalizadas, no sentido actual, são <strong>um</strong><br />

<strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> dinheiro. Tem <strong>de</strong> se equacionar <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> coisas: se o país tem ou não<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, qual o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e se isso se aplica a Portugal, qual o nosso<br />

papel na OTAN, UEO, UE, quais as nossas relações com Espanha, etc. É ridículo pensar no<br />

mo<strong>de</strong>lo tradicional <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do território e <strong>de</strong> as FA estarem preparadas para a eventualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a guerra. As FA <strong>de</strong> hoje servem para promover <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> valores culturais que vão<br />

junto com a legitimida<strong>de</strong> da i<strong>de</strong>ia do exercicio da violência pelo Estado. E que têm a ver com<br />

<strong>de</strong>terminados conceitos sobre o que <strong>é</strong> a hierarquia, a obediência, o castigo, o treino do corpo e o<br />

espírito <strong>de</strong> corpo, tudo coisas que pertencem a <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> antiga e que não se adaptam <strong>de</strong><br />

modo nenh<strong>um</strong> aos tempos actuais. Os potenciais das FA – <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> pessoas que po<strong>de</strong> ser<br />

facilmente mobilizada, porque tem <strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comando muito rígida e <strong>um</strong> código <strong>de</strong><br />

conduta muito severo, e que vivem n<strong>um</strong>a legalida<strong>de</strong> à margem do resto da socieda<strong>de</strong> – po<strong>de</strong>m<br />

ser aproveitados para <strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> polícia civil com funções <strong>de</strong> ajuda h<strong>um</strong>anitária, <strong>de</strong> intervenção<br />

em conflitos internacionais, <strong>de</strong> ajuda a catástrofes, <strong>de</strong> combate a incêndios, etc, tudo o que se<br />

quiser e que normalmente se espera das FA. Po<strong>de</strong>r-se-á dizer que nem todos os países têm<br />

condições para dar <strong>um</strong> passo civiIizacional <strong>de</strong>sses e <strong>de</strong>itar fora tudo aquilo que <strong>é</strong> absurdo e<br />

220

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!