13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

À i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que Portugal <strong>é</strong> <strong>um</strong> país <strong>de</strong> brandos cost<strong>um</strong>es e conservador, on<strong>de</strong> nunca se po<strong>de</strong>rão<br />

viver i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s alternativas, junta-se a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que “lá fora” <strong>é</strong> diferente. Mas sempre com a<br />

ressalva que não se quer imitar essas experiências. A única referência ao estrangeiro <strong>é</strong> às<br />

paradas gay, ridicularizadas como exibicionistas. Impõe-se – tanto à repórter como aos<br />

entrevistados gays – a pergunta: o que <strong>é</strong> o carnaval (como o do Rio, transmitido anualmente nas<br />

Tvs) se não a mesma coisa? Que mal intrínseco há – do ponto <strong>de</strong> vista da cidadania – em fazer<br />

paradas provocatórias e celebratórias? Porque se pensa que as pessoas que nelas participam<br />

passam a vida naquilo e só naquilo? Mais importante teria sido referir tudo o que cá não há:<br />

grupos <strong>de</strong> apoio, centros sociais, comunida<strong>de</strong>s, jornais. Tudo o que evitaria que no dia seguinte<br />

à emissão eu recebesse telefonemas <strong>de</strong> gente aflita e isolada por esse país fora, que não sabe<br />

com quem falar sobre os seus sentimentos, <strong>de</strong>sejos e receios <strong>de</strong> perseguição.<br />

Curiosamente, a sequência com a cantora Dina foi o momento mais real e h<strong>um</strong>ano do programa,<br />

porque <strong>de</strong>monstrou que ser gay não <strong>é</strong> <strong>um</strong>a coisa <strong>de</strong>finida, ao contrário do que muitos <strong>de</strong>sejam.<br />

Po<strong>de</strong> ser, para quem quiser, <strong>um</strong>a das muitas esferas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e comunida<strong>de</strong> em que as<br />

pessoas vivem. Mas não <strong>é</strong> nem a única nem a <strong>de</strong>terminante. Embora o trabalho <strong>de</strong> Gonçalo<br />

Dinis e da ILGA seja muito importante, discordo <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as das suas premissas, como a crítica<br />

a certas práticas sexuais ou certas formas <strong>de</strong> afirmação. Não penso que a aceitação social dos<br />

gays tenha <strong>de</strong> passar pela igualização, pela aparência <strong>de</strong> “normalida<strong>de</strong>”. Isso <strong>é</strong> o que o espírito<br />

“tolerante e liberal” <strong>de</strong>seja. O que se <strong>de</strong>ve exigir <strong>é</strong> outra coisa: pluralismo e discordância,<br />

assentes n<strong>um</strong> contrato social mínimo baseado no respeito pelo livre arbítrio, o mútuo<br />

consentimento e a recusa <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> opressão ou exploração das pessoas. A ILGA tem o<br />

m<strong>é</strong>rito <strong>de</strong> estar a constituir <strong>um</strong>a plataforma <strong>de</strong> acção gay em Portugal. Assim como o GTH tem<br />

o m<strong>é</strong>rito <strong>de</strong> ter introduzido a sexualida<strong>de</strong> no seio da política partidária. Mas nem <strong>um</strong>a nem outro<br />

<strong>de</strong>veriam sentir-se obrigados a traduzir a homossexualida<strong>de</strong> nos termos da norma vigente, do<br />

“rapaz que não se teria vergonha <strong>de</strong> apresentar aos pais”, nem nos termos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a alternativa <strong>de</strong><br />

vida total.<br />

“Entre iguais”, cheio <strong>de</strong> boas intenções, não só reproduziu estereótipos, como os<br />

espectacularizou e erotizou. Outra coisa não seria <strong>de</strong> esperar <strong>de</strong> <strong>um</strong> programa que fala “<strong>de</strong>les”,<br />

os homossexuais, como categoria. Reproduziu tamb<strong>é</strong>m a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o que <strong>é</strong> preciso <strong>é</strong> não dar<br />

escândalo, remetendo a sexualida<strong>de</strong> para o estritamente privado. Não investigou as causas da<br />

estigmatização. Não problematizou as i<strong>de</strong>ias feitas sobre os g<strong>é</strong>neros. Dizer que os gays são<br />

clan<strong>de</strong>stinos porque gostam disso ou se conformam <strong>é</strong> apenas meia-verda<strong>de</strong>. A outra meta<strong>de</strong> não<br />

mostrada <strong>é</strong> a do pluralismo <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> vida. Uma socieda<strong>de</strong> como <strong>de</strong>ve ser <strong>é</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong><br />

que aceita o engate e o quarto escuro, como aceita o casal vestido <strong>de</strong> fato e gravata, como aceita<br />

a mãe solteira, as “bichas” e os grupos gay que jogam na estrat<strong>é</strong>gia da igualização. Aceita tudo,<br />

sem juízo sobre o que <strong>é</strong> correcto ou incorrecto. Por estranho que pareça, isto <strong>é</strong> <strong>um</strong>a questão <strong>de</strong><br />

valores morais e políticos: os da não interferência na liberda<strong>de</strong> alheia. Ningu<strong>é</strong>m tem que<br />

“compreen<strong>de</strong>r” ou “tolerar” ou “traduzir”os outros (estando implícito nisto que “não façam<br />

ondas”), mas sim respeitar para ser respeitado, mesmo tendo à sua volta coisas e pessoas que<br />

“<strong>de</strong>sagradam”. Aí sim, estaríamos “entre iguais”.<br />

A Guerra do Futebol<br />

(Público, 09.06.96)<br />

Em 1969, El Salvador invadiu as Honduras. A guerra durou apenas cem horas, mas morreram<br />

milhares <strong>de</strong> pessoas e o número <strong>de</strong> refugiados ascen<strong>de</strong>u a cem mil. Embora hoje saibamos que<br />

as causas profundas se prendiam com questões <strong>de</strong> economia política, aquela guerra ficou<br />

conhecida como “a guerra do futebol”, pois aconteceu na sequência <strong>de</strong> três jogos pol<strong>é</strong>micos<br />

entre as equipas dos dois países durante a selecção para o Mundial. Para o com<strong>um</strong> dos mortais<br />

indígenas, a guerra <strong>de</strong>veu-se – e <strong>de</strong> forma legítima – a <strong>um</strong>a disputa futebolística.<br />

30

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!