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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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que muitas campanhas anti-racistas. Finalmente, ao nível mundial, trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> acontecimento<br />

– tanto quanto sei – único: o regresso à vida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> judaica.<br />

É claro que os fenómenos <strong>de</strong> “ressurgimento” <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s são sempre mais complexos do<br />

que parecem. O cripto-judaísmo português <strong>de</strong>senvolveu-se ao longo dos anos à margem das<br />

correntes oficiais do judaísmo. Foi “gerido” por mulheres, ao nível dom<strong>é</strong>stico, e não por rabinos<br />

ou pela assembleia dos homens. Po<strong>de</strong>-se dizer que – <strong>de</strong> <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista antropológico – o<br />

cripto-judaísmo era já <strong>um</strong>a outra religião. O “regresso” à luz do dia <strong>é</strong> quase mais <strong>um</strong>a conversão<br />

do que <strong>um</strong> regresso, mesmo não sendo o judaísmo <strong>um</strong>a religião pros<strong>é</strong>lita. A oficialização<br />

religiosa em Belmonte cont<strong>é</strong>m por certo tanta harmonia como conflitos ocultos, como sejam a<br />

perda das formas próprias do cripto-judaísmo, da influência das mulheres, etc. E não será alheia<br />

– como todas as estrat<strong>é</strong>gias <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>é</strong>tnica – a <strong>um</strong> projecto <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> margem <strong>de</strong><br />

manobra social, neste caso graças à criação <strong>de</strong> laços com o judaísmo global.<br />

Mas que mal há nisto? Não temos o direito <strong>de</strong> imputar conspirações ao que as pessoas ou<br />

comunida<strong>de</strong>s fazem, se o que elas fazem tem <strong>um</strong> sentido que acreditam ser positivo. E <strong>é</strong> esse,<br />

contas feitas, o caso. Quando o ano passado passei <strong>um</strong> Sábado em Belmonte, hospitaleiramente<br />

recebido na sinagoga provisória, senti que encontrava a história viva nas pessoas. Senti que<br />

homenageava os meus próprios antepassados maternos. Senti que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hoje <strong>é</strong> feita <strong>de</strong><br />

recuperações do passado e po<strong>de</strong> ajudar a sonhar o futuro.<br />

E esse futuro, para Portugal, só po<strong>de</strong> ser o da diversida<strong>de</strong> cultural, “racial” e religiosa. Não<br />

graças a meia dúzia <strong>de</strong> palavras palermas sobre a tolerância portuguesa. Mas justamente pelo<br />

contrário: pela i<strong>de</strong>ntificação do que não <strong>é</strong> e não foi tolerante (por exemplo a expulsão dos<br />

ju<strong>de</strong>us). E pela mod<strong>é</strong>stia <strong>de</strong> aceitar que, aqui como em todo o mundo, a diversida<strong>de</strong> <strong>é</strong> algo que<br />

se constrói, incita e acarinha, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se dê às pessoas o po<strong>de</strong>r para exercerem a sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. No caso português, <strong>é</strong> absolutamente urgente reabilitar a memória <strong>de</strong> Barros Basto<br />

que, na <strong>é</strong>poca, foi para a ditadura <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> símbolo-síntese <strong>de</strong> todos os “males”:<br />

judaísmo, comunismo, maçonaria e at<strong>é</strong> homossexualida<strong>de</strong>. Assim como <strong>é</strong> urgente que o Banco<br />

<strong>de</strong> Portugal nos explique a todos o que se passou com o famoso ouro nazi, esteja ele relacionado<br />

ou não com a perseguição dos ju<strong>de</strong>us.<br />

Não duvido da importância do reforço dos laços entre Portugal e as suas ex-colónias. Mas a<br />

celebração da diversida<strong>de</strong> não se faz só extra-muros. Tem <strong>de</strong> ser feita cá <strong>de</strong>ntro, tanto em<br />

relação ao presente como ao passado: com os ciganos, com os imigrantes (ou não) africanos,<br />

com os ju<strong>de</strong>us, com os árabes e muçulmanos, com os povos colonizados. Nisto Portugal está a<br />

tempo <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> sítio exemplar. Sem esquecer que a diversida<strong>de</strong> existe tamb<strong>é</strong>m entre os<br />

“portugueses”: ao contrário do que os governos pensam quando dizem que <strong>de</strong>vem governar para<br />

o “consenso”, não somos todos familiazinhas muito brancas, mui católicas e mui assustadas<br />

com as mudanças <strong>de</strong>ste mundo.<br />

A inauguração da sinagoga <strong>é</strong> <strong>um</strong> exemplo perfeito <strong>de</strong> <strong>um</strong> acontecimento local com repercussões<br />

globais. É o bater <strong>de</strong> asas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a borboleta em Pequim. Netanyhau, que em Israel está a<br />

<strong>de</strong>sfazer tudo o que <strong>de</strong> bom os seus antecessores fizeram, <strong>de</strong>via ter trocado a conferência da<br />

OSCE por <strong>um</strong>a viagem a Belmonte. Talvez apren<strong>de</strong>sse qualquer coisa. Nós portugueses<br />

apren<strong>de</strong>mos. Espero. Agora que as gran<strong>de</strong>s religiões celebram as suas festas das luzes,<br />

merecemos todos não só <strong>um</strong> “Feliz Natal” mas tamb<strong>é</strong>m <strong>um</strong>”Feliz Hanukah”.<br />

Portugueses <strong>de</strong> gema<br />

(Público, 15.12.96)<br />

No último dia do processo <strong>de</strong> legalização <strong>de</strong> estrangeiros, <strong>um</strong> patrão <strong>de</strong>nunciava na TSF a<br />

seguinte situação: tinha-se dirigido ao local <strong>de</strong> atendimento com os seus empregados chineses.<br />

Foi-lhes dito que saíssem pois o seu pedido <strong>de</strong> legalização não seria atendido. O patrão disse,<br />

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