Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Nunca <strong>é</strong> <strong>de</strong>mais dizer que o principal erro do PS foi governar à direita no pior sentido da<br />
palavra: o da cultura do po<strong>de</strong>r. O PS conseguiu imitar, e por vezes ultrapassar, o PSD, na<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer o clientelismo, a negociata política, a distância entre retórica e prática.<br />
Nunca <strong>é</strong> <strong>de</strong>mais dizer que simplesmente geriu (e mal) o pacote neo-liberal predominante. Mas<br />
tamb<strong>é</strong>m nunca <strong>é</strong> <strong>de</strong>mais dizer que isto não tinha que ser <strong>um</strong>a fatalida<strong>de</strong>, como se a História<br />
tivesse mesmo chegado ao fim. Na área tão <strong>de</strong>terminante da reforma fiscal – e sendo aquela<br />
on<strong>de</strong> existe maior autonomia em relação quer às imposições da globalização quer às regras da<br />
UE – praticamente tudo ficou por fazer e, em relação ao pouco que se fez, recuou-se. Assim<br />
como na área dos direitos e das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, o PS ce<strong>de</strong>u mais à Igreja Católica e ao<br />
conservadorismo nacional do que, inclusive, o teriam feito alguns sectores do PSD. A falta <strong>de</strong><br />
espinha dorsal do Guterrismo começou com a atitu<strong>de</strong> face ao aborto, atingiu o auge nos<br />
famigerados orçamentos limianos e morreu na praia com a performance da <strong>de</strong>missão do<br />
primeiro ministro. E agudizou-se pateticamente na “eleição” mediática <strong>de</strong> três secretários-gerais<br />
em três dias. No PS, <strong>é</strong> urgente <strong>um</strong> jej<strong>um</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. E que, durante ele, se organizem, <strong>de</strong> facto, os<br />
sectores social-<strong>de</strong>mocratas que <strong>de</strong>fendam o etado-providência, a justiça social, o trabalhismo e<br />
as novas lutas i<strong>de</strong>ntitárias. O carácter <strong>de</strong> Bloco Central do PS condu-lo a <strong>um</strong>a dupla aniquilação:<br />
<strong>é</strong> pior do que o PSD a gerir o status quo neo-liberal, porque menos vocacionado para isso; e,<br />
paradoxalmente, <strong>de</strong>ixa o PSD usurpar não só o nome da coisa, como certas políticas social<strong>de</strong>mocratas.<br />
O PCP, por sua vez, começa agora a pagar a factura da sua recusa em mo<strong>de</strong>rnizar-se. A sua<br />
visão do mundo – assente n<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> estratificação social que não correspon<strong>de</strong> à realida<strong>de</strong>,<br />
assente n<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia do papel do partido nas lutas da esquerda que não correspon<strong>de</strong> ao pluralismo<br />
<strong>de</strong>sta, assente n<strong>um</strong>a noção <strong>de</strong> disciplina interna que não correspon<strong>de</strong> às liberda<strong>de</strong>s e dinâmicas<br />
das vidas quotidianas e das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s dos seus a<strong>de</strong>rentes – condu-lo inexoravelmente ao<br />
<strong>de</strong>sgaste, quer <strong>de</strong> militantes quer <strong>de</strong> votos. O PCP precisa d<strong>um</strong>a revolução interna na qual, em<br />
vez <strong>de</strong> haver mais <strong>um</strong>a sangria <strong>de</strong> quadros para o PS, haja <strong>um</strong>a clara afirmação dos sectores<br />
reformadores que já perceberam que o Muro <strong>de</strong> Berlim foi <strong>de</strong>struído e que a política <strong>de</strong> hoje não<br />
se po<strong>de</strong> reduzir à resistência e ao acantonamento, <strong>de</strong>vendo antes ser <strong>um</strong>a política <strong>de</strong> invenção,<br />
experimentação e diálogo.<br />
O BE, a que pertenço, constituiu a mais recente lufada <strong>de</strong> ar fresco na política nacional. Mas não<br />
está isento <strong>de</strong> problemas. Começa a manifestar-se no seu seio a tendência para a autogratificação<br />
e a “self-righteousness” típica dos grupúsculos que julgam ser puros e <strong>de</strong>ter a<br />
verda<strong>de</strong>. A tendência para ver-se a si próprio como a “verda<strong>de</strong>ira” esquerda só po<strong>de</strong> levar ao<br />
triunfo do esquerdismo radical. Isto só se evita reforçando a lógica <strong>de</strong> movimento contra a <strong>de</strong><br />
partido, e promovendo o diálogo com os outros sectores da esquerda.<br />
A actuação do Bloco – se quer mesmo ser exemplar para a esquerda e, simplificando, para os<br />
jovens que votam Santana Lopes – precisa <strong>de</strong> se centrar nos aspectos mais perturbadores da<br />
actual vida política, económica e social portuguesa: 1) A reforma do sistema, <strong>de</strong> modo a garantir<br />
a representativida<strong>de</strong> e o pluralismo, combatendo a bipartidarização, combatendo o populismo e<br />
mostrando que <strong>é</strong> possível exercer honesta e convictamente as funções políticas, nomeadamente<br />
no parlamento; neste sentido, o tipo <strong>de</strong> movimento lançado pelo Bloco <strong>de</strong>ve apresentar-se contra<br />
o estado actual do sistema e contra o populismo anti-sist<strong>é</strong>mico; 2) A fiscalida<strong>de</strong>, o Estadoprovidência<br />
e os direitos do trabalho são os nós centrais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a política <strong>de</strong> regulação e reforma<br />
da “coisa” neo-liberal; 3) a política das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e dos direitos e liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ve ser a chave<br />
para articular as tradicionais lutas da esquerda com as novas realida<strong>de</strong>s e necessida<strong>de</strong>s. Aborto,<br />
drogas e imigração são, neste contexto, as questões centrais <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a alternativa; 4)<br />
A ecologia e o urbanismo – em s<strong>um</strong>a, a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida – são centrais para a criação <strong>de</strong> zonas<br />
<strong>de</strong> entendimento que ultrapassem as divisões políticas e que dêem conta dos problemas<br />
quotidianos das pessoas.<br />
<strong>Este</strong> <strong>é</strong> <strong>um</strong> “programa” que po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser ten<strong>de</strong>ncialmente hegemónico à esquerda e a largos<br />
sectores da população que pouco se interessam pela divisão teórica esquerda-direita, ou que não<br />
104