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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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ecológico da nossa civilização (não só do comunismo), o Muro <strong>de</strong> Berlim não passa <strong>de</strong> <strong>um</strong> galo<br />

<strong>de</strong> Barcelos.<br />

Pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e cong<strong>é</strong>neres: a vertigem <strong>de</strong>sconstrucionista, o hiper-relativismo, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

fragmentação e muitos etceteras, têm contribuído para <strong>um</strong>a boa <strong>de</strong>scrição do estado fluído e<br />

acelerado da vida social e cultural, mas começam a cansar pela sua amoralida<strong>de</strong>. O pessimismo<br />

sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber vai <strong>de</strong> mãos dadas com o pessimismo sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

agir, e abre a porta à produção do mau (no campo da cultura) e mesmo do mal (no campo da<br />

socieda<strong>de</strong>). Nietzsche <strong>é</strong> <strong>um</strong> autor libertador para o leitor adolescente; mas <strong>é</strong> perigoso quando<br />

impe<strong>de</strong> o leitor <strong>de</strong> sair da adolescência. O pós-mo<strong>de</strong>rnismo “blas<strong>é</strong>” e <strong>de</strong>sleixado tem <strong>um</strong> primo<br />

empenhado em impor <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>: <strong>é</strong> o “politicamente correcto”. De <strong>um</strong> lado o <strong>de</strong>rrotismo, do<br />

outro o puritanismo.<br />

Ciber-espaço: os mesmos que dizem que já não há lugar para utopias não se apercebem que<br />

estão a construir <strong>um</strong>a com o ciberespaço, sobretudo em torno das promessas da Internet. Não se<br />

colocam questões básicas como quem tem ou po<strong>de</strong> ter computador ou se <strong>é</strong> ou não preciso saber<br />

ler e ter instrução para usar a re<strong>de</strong> com proveito. Folhear <strong>um</strong>a revista ciber, por exemplo, <strong>é</strong> cada<br />

vez mais como folhear <strong>um</strong>a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sportos radicais (“surfar” <strong>é</strong> <strong>um</strong>a expressão com<strong>um</strong> a ambos os<br />

campos), com todo o seu elitismo e efeito <strong>de</strong> moda. Milhões <strong>de</strong> seres h<strong>um</strong>anos no planeta<br />

prefeririam <strong>um</strong>a re<strong>de</strong>... <strong>de</strong> pesca.<br />

As ambiguida<strong>de</strong>s inerentes a todas estas expressões reflectem o estado <strong>de</strong> alma da civilização<br />

Oci<strong>de</strong>ntal e a sensação generalizada <strong>de</strong> se estar a viver n<strong>um</strong> mundo completamente novo e<br />

incompreensível. Para percebermos como estas expressões e os campos a que se reportam estão<br />

interrelacionados, precisamos <strong>de</strong> as ver com mais atenção, <strong>um</strong>a a <strong>um</strong>a, e n<strong>um</strong> contexto<br />

particular – em Portugal, por exemplo. É isso que tentarei fazer nas próximas semanas.<br />

“Aldêa Globali”<br />

(Público, 28.04.96)<br />

Quando estalou a Guerra do Golfo eu vivia n<strong>um</strong>a al<strong>de</strong>ia alentejana. A guerra chegou, primeiro,<br />

pelas notícias na TV. Mas cedo se fez real nas histórias pessoais dos seus habitantes. Na al<strong>de</strong>ia,<br />

a principal activida<strong>de</strong> económica <strong>é</strong> a extracção do mármore. Umas semanas <strong>de</strong>pois do início da<br />

guerra já havia sinais <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escoamento da pedra e corria o r<strong>um</strong>or <strong>de</strong> que o<br />

<strong>de</strong>semprego iria a<strong>um</strong>entar. Os tanques <strong>de</strong> Sadam Hussein no Kuwait e os aviões <strong>de</strong> George<br />

Bush no Iraque invadiram tamb<strong>é</strong>m a al<strong>de</strong>ia. Agora sim, era <strong>um</strong>a al<strong>de</strong>ia global.<br />

“Globalização” significa, sobretudo, <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> integração do mercado e da divisão do<br />

trabalho à escala planetária. Significa tamb<strong>é</strong>m que o po<strong>de</strong>r político não só <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> mais do que<br />

nunca do po<strong>de</strong>r económico, como está localizado fora do território do Estados-nação , muitas<br />

vezes em parte incerta. Assim, o emprego, as condições <strong>de</strong> trabalho e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das<br />

pessoas da al<strong>de</strong>ia não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> só do seu po<strong>de</strong>r reivindicativo face aos patrões locais. At<strong>é</strong> estes<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> capitais internacionais e dos acontecimentos políticos que constituem cada vez<br />

mais <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> regular o mercado. Consta que os senhores dos vários Estados do Golfo<br />

P<strong>é</strong>rsico são gran<strong>de</strong>s compradores <strong>de</strong> mármore. Compram-no, sobretudo a empresas <strong>de</strong> outros<br />

países europeus que não Portugal, nos quais se faz a transformação da pedra e a sua<br />

comercialização. No fim da escala estão os meus amigos da “minha” al<strong>de</strong>ia, que cortam a pedra.<br />

Se tivesse havido <strong>um</strong>a crise <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego catastrófica, à porta <strong>de</strong> quem fariam eles <strong>um</strong>a<br />

manifestação? À porta da casa do patrão? Ou teriam <strong>de</strong> a fazer em frente à televisão, <strong>de</strong> cada<br />

vez que a cara <strong>de</strong> Sadam Hussein aparecesse? Ou <strong>de</strong>veria ter sido a <strong>de</strong> George Bush?<br />

Há muito que vivemos n<strong>um</strong> sistema-mundo, como o têm <strong>de</strong>monstrado alguns sociólogos,<br />

historiadores e economistas. A situação actual <strong>é</strong> <strong>de</strong> a<strong>um</strong>ento da escala da integração do sistema.<br />

Aquilo que nos faz falar tanto <strong>de</strong> globalização hoje em dia pren<strong>de</strong>-se mais com o facto <strong>de</strong>, ao<br />

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