13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

está perigosamente em território das berças). Depois <strong>de</strong> a Câmara <strong>de</strong> Lisboa ter tido a infeliz<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> abandonar os simpáticos corvos como logótipo, a alface das Amoreiras foi <strong>um</strong> golpe <strong>de</strong><br />

frescura. Pena <strong>é</strong> que se tenham metido com Maria e Jos<strong>é</strong>. O Pai Natal <strong>é</strong> <strong>um</strong> personagem bem<br />

mais animado do que o sor<strong>um</strong>bático casal. Tivessem mudado as cores do fato <strong>de</strong> vermelho para<br />

ver<strong>de</strong>-alface. Ou transformado o pinheiro <strong>de</strong> Natal em alface <strong>de</strong> Natal.<br />

A pol<strong>é</strong>mica <strong>de</strong>u-se entre o capital e a igreja. Mas que posição tomar quando não se simpatiza<br />

nem com <strong>um</strong> nem com outra? Já lá vão os tempos em que o Natal era <strong>um</strong>a data religiosa ou <strong>um</strong>a<br />

pacata festa <strong>de</strong> família. Laicizado, por <strong>um</strong> lado, e comercializado, por outro, já não <strong>é</strong> novida<strong>de</strong><br />

dizer que se trata da celebração da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o. Compete agora aos lojistas geriremno:<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a data da “abertura da caça” (cada vez mais cedo) at<strong>é</strong> à produção <strong>de</strong> símbolos<br />

comunitários. Agora só falta mesmo produzir mini-alfaces <strong>de</strong> açúcar para se ter <strong>um</strong> doce<br />

natalício apropriadamente lisboeta. Mas há <strong>um</strong>a outra transformação do Natal que poucos se<br />

atrevem a reconhecer: <strong>é</strong> que, para largos sectores das classes m<strong>é</strong>dias urbanas, laicas e<br />

cons<strong>um</strong>istas, o Natal passou a ser a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se encontrar a família extensa (cujas<br />

interacções quotidianas diminuíram drasticamente) e mostrar o sucesso relativo da vidinha <strong>de</strong><br />

cada <strong>um</strong>. Como? Atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong>ssa oferta excessiva e competitiva <strong>de</strong> prendas que <strong>um</strong> antropólogo<br />

chamaria <strong>um</strong> “potlatch”. Dou, para mostrar que posso dar. O Natal virou <strong>um</strong> filme <strong>de</strong> terror, que<br />

começa no pânico das compras e termina na silenciosa comparação das prendas.<br />

Já <strong>é</strong> hora <strong>de</strong> algu<strong>é</strong>m começar a propor alternativas, pequenas resistências, invenções contraculturais.<br />

Assim como há cada vez mais gente que se sente bem consigo mesma por levar os<br />

jornais para a reciclagem, espero que comecem a surgir as pessoas que se sintam bem por<br />

reinventarem o horror das dádivas natalícias. E que, ao fazê-lo, suscitem nos outros a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

os imitarem, por <strong>de</strong>tectarem <strong>um</strong> não-sei-quê <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e prafrentismo. Já há exemplos:<br />

conheço <strong>um</strong>a família que todos os Natais reúne <strong>um</strong>as trinta pessoas. Em vez <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a gastar<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> contos em prendas para todas as outras (e mesmo em vez da alternativa <strong>de</strong> só dar<br />

prendas aos miúdos), inventaram <strong>um</strong> sistema: atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong> sorteio, cada pessoa fica<br />

encarregada <strong>de</strong> dar <strong>um</strong>a e só <strong>um</strong>a prenda a <strong>um</strong>a outra pessoa. Esta, por sua vez, fica encarregada<br />

<strong>de</strong> fazer o mesmo com <strong>um</strong>a terceira pessoa. E assim sucessivamente, sendo que at<strong>é</strong> o preço<br />

mínimo da prenda <strong>é</strong> estipulado. Quem disse que não se po<strong>de</strong> reinventar o Natal e tirá-lo das<br />

garras do cons<strong>um</strong>ismo, tal como, em tempos, os empresários o tiraram das garras da Igreja?<br />

O pior <strong>é</strong> que agora tenho que sair à rua, urgentemente, cartões <strong>de</strong> cr<strong>é</strong>dito em punho, para <strong>um</strong><br />

<strong>de</strong>salmado ataque <strong>de</strong> “shopping”. Porque não consegui convencer a minha família a adoptar o<br />

novo esquema. Para cúmulo, a família a que me referi <strong>é</strong> católica e mo<strong>de</strong>radamente<br />

conservadora; a minha <strong>é</strong> laica e dada à progressivite. Conclusão: já não se po<strong>de</strong> contar com a<br />

sociologia.<br />

Um bom Natal para todos, boas entradas no mítico 2000 e não chorem muito na <strong>de</strong>volução <strong>de</strong><br />

Macau que não vale a pena.<br />

A Gran<strong>de</strong> Desilusão<br />

(“Jornal Torrejano”, 06.01.00)<br />

Escrevo este texto <strong>um</strong>a semana antes da passagem do ano. Embora, como toda a gente,<br />

aproveite o simbolismo da data para criar a ilusão <strong>de</strong> que tudo vai mudar para melhor na minha<br />

vida, fico <strong>um</strong> pouco zonzo com a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expectativas ridículas que o novo ano suscita.<br />

Para o bem e para o mal, há muito tempo que o pensamento místico não se <strong>de</strong>monstrava com<br />

tanta força. De tal modo assim <strong>é</strong>, que se conseguiu criar o consenso <strong>de</strong> que começa <strong>um</strong> novo<br />

s<strong>é</strong>culo, <strong>um</strong> novo mil<strong>é</strong>nio. Não vale a pena insistir nas contas e <strong>de</strong>monstrar que eles só começam<br />

a 1 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2001, porque toda a gente quer o mil<strong>é</strong>nio já, redondinho nos números, ou não<br />

fosse a n<strong>um</strong>erologia <strong>um</strong>a das mil e <strong>um</strong>a <strong>de</strong>monstrações do misticismo.<br />

65

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!