Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
– Precisam <strong>de</strong> ser bem feitas. Mas o tipo <strong>de</strong> coisas que a gente quer saber não passa por aí, não <strong>é</strong><br />
quantificável.<br />
– Dois dos seus assuntos essenciais, enquanto objecto <strong>de</strong> trabalho, pren<strong>de</strong>m-se, <strong>um</strong> com a<br />
masculinida<strong>de</strong> e o g<strong>é</strong>nero, e o outro com a vivência <strong>de</strong> casais homossexuais.<br />
– O meu trabalho <strong>de</strong> doutoramento foi sobre g<strong>é</strong>nero e masculinida<strong>de</strong> e fiquei muito marcado por<br />
isso, at<strong>é</strong> hoje. Essa coisa dos casais foi muito extemporânea, <strong>um</strong> pequeno projecto <strong>de</strong> pesquisa<br />
feito com alunos que acabou por não ter nenh<strong>um</strong>a concretização; mas não <strong>é</strong>, <strong>de</strong> modo nenh<strong>um</strong>,<br />
<strong>um</strong>a concentração. Aliás, sempre quis evitar tudo o que tivesse a ver com homossexualida<strong>de</strong>.<br />
– Estudar a construção da masculinida<strong>de</strong> não <strong>é</strong> <strong>um</strong>a forma?<br />
– Implica imenso. Mas a estrat<strong>é</strong>gia foi estudar a masculinida<strong>de</strong> hegemónica, ou seja, mo<strong>de</strong>los<br />
muito bem <strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong> heterossexual e <strong>de</strong> <strong>um</strong> certo tipo.<br />
– Por isso foi para o Alentejo? Seria muito diferente em Lisboa?<br />
– Interessavam questões sociais específicas: classe trabalhadora, pessoas que usam o corpo para<br />
trabalhar, n<strong>um</strong> ambiente <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia com <strong>um</strong> controlo social bastante forte, e que permitisse falar<br />
sobre aspectos centrais <strong>de</strong> como se apren<strong>de</strong> a ser homem <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa forma. Não <strong>é</strong> <strong>um</strong> caso<br />
para extrapolar, embora, atrav<strong>é</strong>s da comparação, se perceba que há eIementos recorrentes em<br />
contextos parecidos. É claro que a homossexualida<strong>de</strong> tem <strong>de</strong> vir ao <strong>de</strong> cima como <strong>um</strong> tema.<br />
Certas i<strong>de</strong>ias sobre a homossexualida<strong>de</strong> são constitutivas da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> masculina heterossexual.<br />
É o outro escondido. É o que não se po<strong>de</strong> fazer. É o que se usa como arma <strong>de</strong> arremesso contra<br />
os outros. É o gran<strong>de</strong> medo e a gran<strong>de</strong> tentação, consoante as pessoas e as situações da vida.<br />
Mas não gosto <strong>de</strong>ssas atribuições, <strong>de</strong> que em cada heterossexual há <strong>um</strong> homossexual escondido;<br />
não há necessariamente. Tenho amigos que não gostam, não lhes apetece e têm toda a<br />
legitimida<strong>de</strong> para o dizer. Senão po<strong>de</strong>riam dizer o contrário, tamb<strong>é</strong>m.<br />
– Sentir-se-ia quase ofendido se dissessem que em si existe <strong>um</strong> heterossexual?<br />
– Não, existe <strong>de</strong> certeza. Existe em toda a gente porque <strong>é</strong> o mo<strong>de</strong>lo cultural dominante e não se<br />
largam esses hábitos facilmente. A homossexualida<strong>de</strong> aparecia na pesquisa porque era <strong>um</strong>a<br />
questão <strong>de</strong> que os meus informantes falavam constantemente. Os dois gran<strong>de</strong>s problemas nessa<br />
masculinida<strong>de</strong> hegemónica são as mulheres e a homossexualida<strong>de</strong> entre os homens.<br />
– Os homens heterossexuais falam assim tanto entre si da masculinida<strong>de</strong> masculina?<br />
– Oh, oh. É sempre <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> fazer sarcasmo e ironia com os outros (sugerir que os outros<br />
po<strong>de</strong>m ser).<br />
– Qualquer coisa como: “Não experimentes que ainda gostas” ?<br />
– Exacto. Sempre atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> códigos que têm muito a ver com a questão do po<strong>de</strong>r. O problema,<br />
basicamente, <strong>é</strong> baixar as calças, <strong>é</strong> entrar n<strong>um</strong>a relação com <strong>um</strong>a pessoa do mesmo sexo n<strong>um</strong><br />
papel que projectam como passivo, porque lêem as relações homossexuais à luz <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />
conservador <strong>de</strong> relações heterossexuais. Que <strong>é</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o homem e a mulher representam<br />
pap<strong>é</strong>is diferentes, <strong>de</strong> mais ou menos po<strong>de</strong>r, e que são replicados na cama sob a forma <strong>de</strong> certos<br />
actos sexuais que se chamam activo e passivo, por cima e por baixo. Como esse <strong>é</strong> o mo<strong>de</strong>lo<br />
simbólico principal, <strong>é</strong> muito facilmente transferido para as relações homossexuais, mesmo que<br />
não seja isso que acontece na maior parte <strong>de</strong>las.<br />
– Quer dizer que para esses homens, que partilham <strong>um</strong>a heterossexualida<strong>de</strong> hegemónica, <strong>é</strong><br />
menos grave ser o activo do que o passivo?<br />
– Ah claro!, e isso <strong>é</strong> que introduz a contradição no arg<strong>um</strong>ento e faz perceber muito do que se<br />
está a passar. Não <strong>é</strong> tanto o sexo dos parceiros que interessa, mas a natureza dos actos e aquilo<br />
em que a sexualida<strong>de</strong> serve <strong>de</strong> metáfora do po<strong>de</strong>r, da dominação e da libertação.<br />
– Nas relações h<strong>um</strong>anas, política, económica ou socialmente, a questão <strong>é</strong>, mais <strong>um</strong>a vez, quem<br />
<strong>de</strong>t<strong>é</strong>m o po<strong>de</strong>r.<br />
236