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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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vítimas ficou com <strong>um</strong> pulmão perfurado. Contaram-me ainda que os seguranças da discoteca<br />

não intervieram nem tomaram nota das matrículas dos carros dos assaltantes.<br />

Como não sou jornalista, não tenho nem os meios nem a capacida<strong>de</strong> para averiguar os factos. E<br />

conv<strong>é</strong>m dizer que não houve relação directa entre a convocatória do “kiss-in” e a agressão. Mas<br />

sinto-me na obrigação moral <strong>de</strong> publicitar o relato que recebi via internet, tanto mais quanto a<br />

cobertura mediática <strong>de</strong>ste caso foi quase nula. Em conversa pessoal com Gonçalo Dinis,<br />

presi<strong>de</strong>nte da ILGA (<strong>um</strong>a associação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos dos homossexuais), fiquei a saber<br />

que foi enviado <strong>um</strong> “press release” para a agência Lusa e para os principais orgãos <strong>de</strong><br />

comunicação social. Que eu saiba, só dois <strong>de</strong>ram cobertura ao caso: a SIC e O In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Na<br />

SIC, tal aconteceu no programa “Casos <strong>de</strong> Polícia”, mas sem referência ao carácter homofóbico<br />

da agressão. No In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, a referência vinha no meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a notícia sobre a <strong>de</strong>cisão da<br />

Câmara <strong>de</strong> Lisboa no sentido <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r <strong>um</strong>a se<strong>de</strong> para a ILGA (já agora: parab<strong>é</strong>ns, João Soares).<br />

O que <strong>é</strong> estranho nisto tudo? Duas coisas. A primeira <strong>é</strong> o fenómeno em si. Há anos que nos<br />

Estados Unidos se fala no problema do “queer bashing”, esse <strong>de</strong>sporto <strong>de</strong> indivíduos com<br />

perturbações da masculinida<strong>de</strong> que se divertem a atacar verbal e fisicamente as pessoas que<br />

i<strong>de</strong>ntificam como homossexuais. Tínhamos a sensação <strong>de</strong> que tal coisa não acontecia por cá.<br />

Enganámo-nos. A segunda <strong>é</strong> o pouco relevo dado a casos como este e a omissão do carácter<br />

homofóbico do ataque. Esta <strong>é</strong> a questão pantanosa. Consigo imaginar <strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento hipot<strong>é</strong>tico:<br />

“porque <strong>é</strong> que vocês querem ser tratados como as outras pessoas e <strong>de</strong>pois vêm exigir que se<br />

refira a vossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> gay como <strong>um</strong> facto relevante?” A resposta só po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a: enquanto<br />

as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s minoritárias forem marginalizadas e perseguidas pela intolerância, o conteúdo<br />

<strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>é</strong> relevante. Exactamente do mesmo modo que se referem os ataques racistas,<br />

por muito que nós gostassemos <strong>de</strong> não ter que mencionar a “raça” das pessoas atacadas (ou<br />

atacantes).<br />

Finalmente, outra <strong>de</strong>silusão: não houve “kiss-in” alg<strong>um</strong>. Parece que ningu<strong>é</strong>m na “comunida<strong>de</strong><br />

gay” se sentiu motivado a participar, assim como ningu<strong>é</strong>m sairá à rua para protestar contra os<br />

casos <strong>de</strong> agressão e ameaças que têm vindo a a<strong>um</strong>entar. Claro que o problema <strong>de</strong> fundo está nos<br />

energúmenos que atacaram as vítimas. Mas sem comunida<strong>de</strong>, solidarieda<strong>de</strong>, movimento e <strong>um</strong><br />

pouco <strong>de</strong> raiva da parte <strong>de</strong> quem está sujeito a ataques, as facadas continuarão. E sem cobertura<br />

jornalística empenhada, as facadas serão tamb<strong>é</strong>m facadas contra a cidadania.<br />

Ciência ou essência?<br />

(Público, 03.11.96)<br />

Os <strong>de</strong>bates em torno da <strong>de</strong>spenalização ou da legalização do aborto acabam sempre n<strong>um</strong><br />

aparente beco sem saída: a questão da “vida”. As posições extremam-se: por <strong>um</strong> lado, os que<br />

dizem que a vida começa no momento da concepção e, por outro, os que dizem que ela começa<br />

no nascimento ou algures durante a gestação.<br />

Assim <strong>de</strong> repente, a primeira opinião parece ser a mais segura. A segunda peca por hesitação e<br />

in<strong>de</strong>finição, po<strong>de</strong>ndo levar a discussões bizantinas sobre o momento a partir do qual se po<strong>de</strong> ou<br />

não falar <strong>de</strong> vida h<strong>um</strong>ana. No entanto, ambas me parecem erróneas. O uso do termo “vida” para<br />

referir o que resulta da concepção <strong>é</strong> mais pantanoso do que parece à primeira vista. Há <strong>um</strong>a<br />

gran<strong>de</strong> coincidência entre quem <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> esta i<strong>de</strong>ia e quem toma posições sobre o aborto<br />

baseadas nos preceitos da igreja católica romana. Quer isto dizer que a biologia <strong>é</strong> chamada a<br />

testemunhar a favor <strong>de</strong> <strong>um</strong>a moral religiosa específica. Assim, o conceito <strong>de</strong> “vida” <strong>é</strong> tornado<br />

absoluto, <strong>é</strong> transformado n<strong>um</strong> fetiche e em algo que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser passível <strong>de</strong> discussão por parte<br />

<strong>de</strong> quem mais sabe sobre a vida: nós todos, os vivos. Por outro lado, encontra-se nisto<br />

semelhanças com a forma como a igreja católica romana <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sobre a veracida<strong>de</strong> dos<br />

milagres, consultando primeiro os cientistas, especialistas do conhecimento racional e<br />

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