13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

população – pela pobreza, pelo racismo, pelo caciquismo, pela intolerância religiosa (no caso, a<br />

exercida pelos evang<strong>é</strong>licos). Nesses meios fui <strong>de</strong>parar com <strong>um</strong>a Igreja Católica com <strong>um</strong>a<br />

altíssima percentagem <strong>de</strong> sacerdotes progressistas, promovendo activida<strong>de</strong>s que, mais do que<br />

solidárias, são transformadoras da socieda<strong>de</strong>. A Teologia da Libertação e as Comunida<strong>de</strong>s<br />

Eclesiais <strong>de</strong> Base ajudaram a criar <strong>um</strong>a igreja diferente e promoveram a cidadania.<br />

Por isso começo, agora, a irritar-me com a Igreja Católica Portuguesa – e at<strong>é</strong> com muitos<br />

católicos, pois não vejo nem oiço as acções e a voz dos católicos progressistas, se <strong>de</strong>scontar a<br />

incontornável Lur<strong>de</strong>s Pintasilgo. Perante isto, o meu espanto cresce quando vejo que o papa<br />

actual – <strong>um</strong>a figura no mínimo conservadora, no quadro da política internacional – promover<br />

pedidos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa por erros históricos da sua igreja. O pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas <strong>é</strong> <strong>um</strong>a acto com<br />

muito significado: reconhecendo, como <strong>é</strong> óbvio, que não se po<strong>de</strong> refazer o passado, que os<br />

valores eram outros, e que os presentes não são responsáveis pelo que os antecessores fizeram, <strong>é</strong><br />

<strong>um</strong> gesto que diz “apren<strong>de</strong>mos com o passado e coisas semelhantes àquelas não serão por nós<br />

cometidas no futuro”.<br />

O meu espanto a<strong>um</strong>enta, então, porque não vejo a Igreja Católica Portuguesa fazer o que seja<br />

neste sentido. E há <strong>de</strong>sculpas bem “portuguesas” a pedir. A primeira e a maior <strong>de</strong>las <strong>é</strong> sem<br />

dúvida a perseguição aos ju<strong>de</strong>us, e a subsequente promoção <strong>de</strong> esquecimento do nosso passado<br />

judaico; a segunda, e igualmente grave, <strong>é</strong> o papel específico da Igreja portuguesa na conversão<br />

forçada <strong>de</strong> indígenas do Brasil, no apoio implícito (e explícito) à escravatura em massa <strong>de</strong> que<br />

fomos promotores pioneiros; a terceira, ligada à primeira, mas que nela não se esgota, <strong>é</strong> a<br />

Inquisição, abolida escandalosamente tar<strong>de</strong>; a quarta <strong>é</strong> o papel conivente com a ditadura <strong>de</strong><br />

Salazar e Caetano e a sua promoção do atraso, do analfabetismo e da guerra nas colónias; e por<br />

fim (como se não bastasse já), a atitu<strong>de</strong> geral <strong>de</strong> estigmatização das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s minoritárias e<br />

comportamentos alternativos, incluindo os religiosos, tibiamente branqueada, quando muito, na<br />

infeliz expressão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “atitu<strong>de</strong> tolerante”.<br />

N<strong>um</strong>a coisa concordo com os <strong>de</strong>tractores dos projectos <strong>de</strong> laicida<strong>de</strong>: a Igreja Católica <strong>é</strong><br />

diferente das outras igrejas. Sem dúvida: tal como está, no Vaticano e em Portugal, <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />

Estado, <strong>é</strong> <strong>um</strong>a monarquia absoluta, <strong>um</strong>a estrutura falocrática, <strong>um</strong> lobby e <strong>um</strong> banco. É tamb<strong>é</strong>m,<br />

reconheço, a guardiã <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> riqueza artística, força actuante em acções <strong>de</strong> beneficência,<br />

her<strong>de</strong>ira (ah, mas os her<strong>de</strong>iros!…) <strong>de</strong> <strong>um</strong>a excelente filosofia h<strong>um</strong>anista e – em meios que<br />

escapam ao controlo do Vaticano e que este con<strong>de</strong>na -, <strong>um</strong>a força transformadora. Mas a sua<br />

pior originalida<strong>de</strong> <strong>é</strong> o rol <strong>de</strong> crimes que apoiou (enquanto instituição, note-se, não enquanto<br />

credo – e <strong>é</strong> a confusão entre estas duas coisas que alguns nos querem impingir). E <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa<br />

originalida<strong>de</strong>, a Igreja portuguesa <strong>é</strong> mais original que as outras. É como o Partido Comunista:<br />

primeiro dizemos “vai mudar, vai mudar!”. Depois temos que dizer: “Ups, não mudou…”.<br />

Lusofonia<br />

(“Jornal Torrejano”, 30.03.00)<br />

Em Paris, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>legação da nomenklatura literária portuguesa instalou-se no Salão do Livro,<br />

por entre as imagens <strong>de</strong> pescadores, mulheres <strong>de</strong> preto e sobreiros que, em França, passam por<br />

símbolos do nosso país. Or<strong>de</strong>ira, a <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> escritores faz a sua romaria número 5214.<br />

Consensual, discursa sobre a singularida<strong>de</strong> das letras portuguesas e, n<strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> selvajaria<br />

sociológica, sobre a singularida<strong>de</strong> da língua portuguesa e do povo que a sustenta. Foi preciso<br />

Tabucchi – por boas ou más razões, pouco importa – <strong>de</strong>nunciar a Lusofonia como <strong>um</strong>a<br />

estrat<strong>é</strong>gia neo-colonial, para que a coisa ganhasse alg<strong>um</strong> interesse.<br />

Tabucchi não está a dizer nada <strong>de</strong> novo. Mas está a dizer algo que <strong>é</strong> cuidadosamente silenciado.<br />

A verda<strong>de</strong> <strong>é</strong> que, <strong>de</strong> há uns <strong>de</strong>z anos para cá, Portugal entrou n<strong>um</strong> ciclo <strong>de</strong> orgulho e autoestima<br />

sem prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos da propaganda salazarista. O orgulho e a auto-estima<br />

não são, em si, sentimentos con<strong>de</strong>náveis. São bons sentimentos quando usados com parcimónia,<br />

71

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!