Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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insultuoso, injusto e perigoso dizer que quem quer a aceitação plena dos homossexuais quer<br />
tamb<strong>é</strong>m a aceitação do abuso sexual? Na falta <strong>de</strong> algu<strong>é</strong>m mais a<strong>de</strong>quado, digo-o eu, enquanto<br />
homossexual e ac<strong>é</strong>rrimo <strong>de</strong>fensor da punição dos abusos sexuais <strong>de</strong> crianças por todos os<br />
senhores “respeitáveis” (e <strong>de</strong> qualquer orientação sexual) que venham a ser apurados como<br />
culpados.<br />
Depois da Manif<br />
(Webpage, 15.02.03)<br />
A manifestação contra a guerra foi <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira surpresa. Apesar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ou outra ban<strong>de</strong>ira<br />
<strong>de</strong> Cuba (que raio tem Cuba a ver com o resto?) ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a chocante ban<strong>de</strong>ira iraquiana bem na<br />
frente da marcha (que temos nós a ver com o regime do ditador Hussein e do seu partido<br />
único?), os receios que expressei em crónica anterior não se confirmaram. Não se sentiu a<br />
hegemonia do sector PCP/CGTP na sua versão “tarefista”. Pelo contrário, a manif contou com<br />
<strong>um</strong> “povo” diversificado, atingindo as camadas m<strong>é</strong>dia e m<strong>é</strong>dia-alta da população. Quando isso<br />
acontece, sabe-se que a revolta contra <strong>um</strong> certo assunto <strong>é</strong> gran<strong>de</strong> e que <strong>é</strong> da or<strong>de</strong>m dos valores<br />
abrangentes e não das agendas (legítimas) dos grupos sociais concretos.<br />
Mais ainda, a manif surpreen<strong>de</strong>u pela dimensão. Quem tenha estado na mini-manif do Camões<br />
contra o ataque ao Afeganistão terá ficado embasbacado: há muito tempo que não se via <strong>um</strong>a<br />
coisa assim. O Camões não foi suficiente para a concentração e o Rossio po<strong>de</strong>ria facilmente ter<br />
sido substituído pelo Terreiro do Paço como local <strong>de</strong> apoteose. Creio que o surpreen<strong>de</strong>nte<br />
afluxo se <strong>de</strong>veu a dois importantes factores, para lá da motivação imediata do evento: o factor<br />
“globalização” e o factor “enDurãocimento”. O primeiro tem a ver com o facto <strong>de</strong> ser hoje mais<br />
mobilizador saber-se que o mesmo evento ocorre em várias partes do mundo ao mesmo tempo;<br />
o segundo tem a ver com o facto <strong>de</strong> esta manif ter sido <strong>um</strong> pretexto para protestar contra a<br />
política do governo Durão e a sua subserviência a Bush. Esta não <strong>é</strong> <strong>um</strong>a subserviência à<br />
“Am<strong>é</strong>rica”: a comprová-lo está a gigantesca manif <strong>de</strong> Nova Iorque, on<strong>de</strong> muitos americanos<br />
<strong>de</strong>monstraram não se rever em Bush. A “nova Am<strong>é</strong>rica” anti-Bush (esse representante da<br />
“Velha Am<strong>é</strong>rica”) aliou-se a <strong>um</strong>a “velha Europa” (sim, e <strong>de</strong>pois?) renovadamente orgulhosa por<br />
ter interiorizado na sua cultura e hábitos a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a guerra e o imperialismo não<br />
servem 17[1] .<br />
Ao mesmo tempo que a manif <strong>de</strong>corria, Durão Barroso recebia os partidos em audiência <strong>de</strong><br />
preparação do Conselho Europeu que vai discutir a situação no Iraque (em rigor, <strong>de</strong>veria ser a<br />
situação na Am<strong>é</strong>rica, mas isso <strong>é</strong> outra (H)história). <strong>Este</strong> tipo <strong>de</strong> manobra rasca <strong>de</strong> provocação<br />
política já não espanta. Do cinismo anti-laboral <strong>de</strong> Bagão F<strong>é</strong>lix (não faz mesmo recordar o<br />
mal<strong>é</strong>fico Doutor Septimus do “Blake e Mortimer”?) à homofobia e sexismo à-beira-do-crime <strong>de</strong><br />
C<strong>é</strong>sar das Neves nas páginas do DN, esta direita recorre aos truques mais torpes, porque não se<br />
sente legitimada (<strong>um</strong>a coligação feita à pressa no pós-eleições e não anunciada antes aos<br />
eleitores), à semelhança <strong>de</strong> Bush (o presi<strong>de</strong>nte não-eleito por excelência).<br />
É claro que à audiência Barrosã foi Ferro Rodrigues, provavelmente porque já não tinha nada<br />
mais a per<strong>de</strong>r: per<strong>de</strong>u a chance <strong>de</strong> tentar li<strong>de</strong>rar – ou, na pior das hipóteses, integrar – os novos<br />
movimentos <strong>de</strong> esquerda que surgem em Portugal e na socieda<strong>de</strong> Europeia e Global, ao recusar<br />
a participação do PS na manif com base n<strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento especioso (na manif havia muita gente<br />
que respeita o Conselho <strong>de</strong> Segurança da ONU e certamente quase ningu<strong>é</strong>m que apoiasse<br />
17[1] <strong>Vale</strong> a pena ler o artigo <strong>de</strong> Timothy Garton Ash no último número da “New York Review of Books”.<br />
Nele ficamos a saber as últimas sobre o anti-europeísmo na Am<strong>é</strong>rica. Leitura recomendada às virgens<br />
lacrimejantes que se envergonham com o anti-americanismo na Europa.<br />
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