13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

“Cultural Survival” <strong>é</strong> <strong>um</strong>a organização <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos h<strong>um</strong>anos dos povos indígenas e<br />

das minorias <strong>é</strong>tnicas. Em 1993 publicou “State of the Peoples”, <strong>um</strong> relatório mundial sobre<br />

direitos h<strong>um</strong>anos e socieda<strong>de</strong>s em perigo. Tanto a organização como o livro pertencem a <strong>um</strong>a<br />

tendência conhecida como “antropologia <strong>de</strong> urgência”, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que se <strong>de</strong>ve, por<br />

<strong>um</strong> lado, registar a cultura <strong>de</strong> certas comunida<strong>de</strong>s antes que <strong>de</strong>sapareçam e, por outro, <strong>de</strong>nunciar<br />

os processos que levam à sua extinção.<br />

Há tempos atrás teria sorrido perante tão “nobres <strong>de</strong>sígnios”. Não <strong>de</strong>sapareceram já, ao longo da<br />

história, centenas e centenas <strong>de</strong> povos? Não faz isso parte da história da socieda<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana? A<br />

própria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “povo” não <strong>é</strong> perigosa, coisificante? Não há, nestes conservacionismos,<br />

qualquer coisa <strong>de</strong>... conservador? Não estaremos a tratar os povos como “esp<strong>é</strong>cies em vias <strong>de</strong><br />

extinção”? Hoje já não consigo ser nem tão cínico nem tão radical. Por duas razões: a metáfora<br />

das esp<strong>é</strong>cies em extinção não <strong>é</strong> tontice. Em quase todos os casos recenseados no livro, as<br />

questões ecológicas são a causa imediata da ameaça para os povos; e essas questões ecológicas<br />

estão directamente ligadas a questões económicas e políticas, <strong>de</strong> “<strong>de</strong>senvolvimento”. Ou seja:<br />

foi graças ao movimento e à consciência ecológica que chegámos à preocupação com a<br />

sobrevivência dos povos indígenas.<br />

Segunda razão: na maior parte dos casos, a iniciativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa já não parte <strong>de</strong> antropólogos ou<br />

quejandos. Ela parte <strong>de</strong> pessoas locais, quando não mesmo <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s inteiras. Rigoberta<br />

Menchú T<strong>um</strong>, índia Maya da Guatemala, activista pelos direitos indígenas, ecológicos e da<br />

mulher – e pr<strong>é</strong>mio Nobel – assina <strong>um</strong> texto no livro que <strong>de</strong>monstra isto mesmo. A conclusão<br />

provisória po<strong>de</strong> ser a seguinte: <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o direito à sobrevivência <strong>de</strong>stes povos já não <strong>é</strong><br />

“<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os coitadinhos”; <strong>é</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-nos a nós mesmos, a nossa diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas <strong>de</strong><br />

estar, <strong>de</strong> lidar com a natureza, o trabalho e uns com os outros. Mas que dizer, então, <strong>de</strong> todas as<br />

reivindicações <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e autonomia que, estando mais próximas <strong>de</strong> nós do que os índios<br />

da Amazónia, classificamos como perigosas, nacionalistas, integristas? Que dizer <strong>de</strong> <strong>um</strong> certo<br />

mundo islâmico ou da Europa da guerra da Bósnia?<br />

“State of the Peoples” não se coíbe <strong>de</strong> entrar Europa a<strong>de</strong>ntro. Michael Herzfeld, antropólogo<br />

americano com trabalho <strong>de</strong> campo feito na Gr<strong>é</strong>cia, assina a introdução ao capítulo sobre a<br />

Europa. Começa por <strong>de</strong>smentir a suposta tolerância Europeia, referindo-se à Bósnia, aos<br />

ciganos, ao vandalismo em cemit<strong>é</strong>rios ju<strong>de</strong>us franceses, às supressões <strong>de</strong> línguas regionais, ao<br />

<strong>de</strong>bate sobre o uso <strong>de</strong> v<strong>é</strong>u pelas estudantes islâmicas em França. Traça o quadro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Europa<br />

que gosta <strong>de</strong> se ver a si mesma como construída com Estados-nação racionalmente organizados<br />

e legislados, mas on<strong>de</strong>, afinal, se verificam complexos mecanismos simbólicos <strong>de</strong> inclusão e<br />

exclusão.<br />

Ao pensarmos “em nós próprios” começam as verda<strong>de</strong>iras dúvidas sobre a “sobrevivência dos<br />

povos”. A lista dos grupos i<strong>de</strong>ntificados no capítulo sobre a Europa vai dos Abkhazes da<br />

Geórgia aos Bálticos, dos Bascos aos Saami Escandinavos (Lapões), passando pelos Cripto-<br />

Ju<strong>de</strong>us Ib<strong>é</strong>ricos e pelos Roma (ciganos). É, no mínimo, <strong>um</strong>a salganhada. Mistura Estados com<br />

nómadas, movimentos <strong>de</strong> libertação com chauvinismos, grupos religiosos com grupos <strong>é</strong>tnicos. E<br />

exclui por completo formas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> legítimas no mundo <strong>de</strong> hoje, como as que se baseiam<br />

em estilos <strong>de</strong> vida, opções <strong>é</strong>ticas, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s cruzadas e outras que não se cosem pelas linhas do<br />

“<strong>é</strong>tnico”.<br />

Retiro, então, o que disse sobre a postura da “Cultural Survival” ? Não. Acrescento <strong>um</strong>a coisa: o<br />

direito à constituição <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ve, por <strong>um</strong> lado, ultrapassar a <strong>de</strong>finição estreita do<br />

“<strong>é</strong>tnico”. E, por outro, não <strong>de</strong>vem ser apoiados os movimentos que funcionem segundo a lógica<br />

<strong>de</strong> exclusão agressiva <strong>de</strong> outras comunida<strong>de</strong>s. Parece, então, que voltamos à estaca zero? Ou<br />

que vemos <strong>um</strong>a diferença <strong>de</strong> raíz, essencial, entre o que se passa na Europa e o que se passa no<br />

Terceiro Mundo? Talvez não: na simpática luta da índia Rigoberta Menchú ou na antipática<br />

guerra dos Croatas, a questão regressa sempre à <strong>de</strong>mocracia, à promoção da cidadania, ao lugar<br />

das minorias lado a lado com as maiorias e ao direito das pessoas pertencerem (e <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong><br />

32

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!