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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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garantias e intervenção na administração da coisa europeia e, no outro extremo da escala, <strong>de</strong><br />

mais participação e controlo na vida local. A vantagem acrescida <strong>de</strong> pensar nestes termos está<br />

no evitamento <strong>de</strong> qualquer lógica “<strong>é</strong>tnica” <strong>de</strong> divisão do país, a qual está já subjacente a muito<br />

do senso com<strong>um</strong> da conversa sobre regionalização (<strong>um</strong> exemplo: o consenso <strong>de</strong> que o Algarve <strong>é</strong><br />

a única região “natural” – <strong>um</strong>a falácia facilmente verificável in loco). O que não se fez a partir<br />

<strong>de</strong> baixo, não <strong>de</strong>ve ser feito a partir <strong>de</strong> cima: todos os embróglios “<strong>é</strong>tnicos” começam assim.<br />

A regionalização <strong>é</strong>, em abstracto, <strong>um</strong> bom princípio. Mas precisa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura política mais<br />

<strong>de</strong>senvolta. E não será atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong>sta regionalização que ela será atingida – embora eu adorasse<br />

estar enganado. Sabendo o que a casa gasta – que a <strong>de</strong>cisão final ten<strong>de</strong>rá a ser tomada nas se<strong>de</strong>s<br />

dos dois maiores partidos -, exijamos pelo menos o seguinte: que sejamos todos consultados nos<br />

vários passos do processo. Caso contrário, o PS fará mais estragos n<strong>um</strong> ano do que o PSD fez<br />

em quinze. Em vez <strong>de</strong> simplificar, <strong>de</strong>sburocratizar e distribuir po<strong>de</strong>r, terá complicado,<br />

burocratizado mais e distribuído o po<strong>de</strong>r ... pelos mesmos. Pela parte que me toca, prefiro que se<br />

refaçam as fronteiras absurdas da freguesia lisboeta on<strong>de</strong> vivo e que esta seja <strong>de</strong> facto <strong>um</strong> bairro<br />

administrado pelos vizinhos. Prefiro que os municípios da área <strong>de</strong> Lisboa se articulem <strong>de</strong> facto e<br />

que eu tenha alg<strong>um</strong>a voz nas <strong>de</strong>cisões. Mas estou-me nas tintas para a fe<strong>de</strong>ração croatomuçulmana<br />

<strong>de</strong> Lisboa e Setúbal, na Bósnia-Herzegovina da Estremadura e Ribatejo.<br />

Palavras Ambíguas<br />

(Público, 21.04.96)<br />

E se as palavras-chave <strong>de</strong>ste fim <strong>de</strong> mil<strong>é</strong>nio estivessem a banalizar-se e, assim, a escon<strong>de</strong>rem<br />

mais do que aquilo que esclarecem? Eis <strong>um</strong>a lista possível das mais recorrentes, e dos seus usos<br />

e conteúdos ambíguos.<br />

Globalização: <strong>um</strong>a das suas consequências principais <strong>é</strong> não se saber “on<strong>de</strong> está” o po<strong>de</strong>r<br />

económico. Mas o abuso da expressão po<strong>de</strong> levar a <strong>um</strong>a <strong>de</strong>sculpabilização excessiva: se as<br />

se<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão estão em toda a parte, então <strong>é</strong> porque não estão em parte nenh<strong>um</strong>a. A criança<br />

que disse que o rei ia nu, disse-o a dois metros <strong>de</strong>le. Por outro lado, a globalização não <strong>é</strong><br />

necessariamente homogeneizadora. Resi<strong>de</strong> aqui alg<strong>um</strong>a esperança: as misturas globais ao nível<br />

local criam <strong>um</strong>a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> difícil controlo pelos po<strong>de</strong>res instituídos.<br />

Xenofobia: que há cada vez mais, <strong>é</strong> <strong>um</strong>a evidência. Mas o conceito por vezes <strong>de</strong>scamba n<strong>um</strong><br />

“fundamentalismo cultural”: <strong>um</strong>a vez que já não <strong>é</strong> na “raça” que assentam as diferenças, a<br />

noção <strong>de</strong> “cultura” c<strong>um</strong>pre essa função. Era este o arg<strong>um</strong>ento dos i<strong>de</strong>ólogos mais sofisticados<br />

do “apartheid”. A luta contra o “medo do estranho” po<strong>de</strong> acabar por reforçar as fronteiras entre<br />

culturas, legitimando as diferenças como intransponíveis. É cada vez mais esse o discurso antiimigração<br />

e dos que promovem Estados-nação por todo o lado, impedindo a crioulização.<br />

Fundamentalismos: qualquer vítima <strong>de</strong> <strong>um</strong> ataque <strong>de</strong> terroristas fundamentalistas sabe o que <strong>é</strong>.<br />

Mas não se po<strong>de</strong> confundir a árvore com a floresta. Parte substancial do fundamentalismo <strong>é</strong><br />

vivida pelos seus actores não como regressão mas como libertação. A verda<strong>de</strong>ira questão <strong>é</strong><br />

saber porque sentem esses grupos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer aos purismos e não a outros<br />

mecanismos (a <strong>de</strong>mocracia, por exemplo?). Seja no Irão, na Arg<strong>é</strong>lia, na Jugoslávia ou na IURD,<br />

o problema está mais na incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta das <strong>de</strong>mocracias do que em qualquer tara <strong>de</strong><br />

psicologia <strong>de</strong> massas.<br />

O fim da História e a metáfora do Muro: <strong>é</strong> certo que a História já não <strong>é</strong> vista como <strong>um</strong>a marcha<br />

previsível, as i<strong>de</strong>ologias já não são programas políticos completos e a queda do Muro <strong>de</strong> Berlim<br />

simboliza <strong>um</strong>a importante mudança. Todavia, a História continua a (po<strong>de</strong>r) ser feita, e a queda<br />

do Muro <strong>é</strong> mais importante pela entrada do capitalismo selvagem no Leste do que pela chegada<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mocracia salvífica. Não há nenh<strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m mundial: nem nova, nem or<strong>de</strong>nada<br />

(pacífica), nem mundial. Ao p<strong>é</strong> do símbolo <strong>de</strong> Chernobyl, que sintetiza o <strong>de</strong>sastre político-<br />

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