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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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mesmo po<strong>de</strong>rá acontecer. O problema <strong>é</strong> que durante muito tempo se achou que a socieda<strong>de</strong><br />

oci<strong>de</strong>ntal era essencialmente “outra coisa”, e <strong>de</strong>pois havia tudo o resto. Hoje em dia esta<br />

concepção está ultrapassada: a Antropologia e a Sociologia analisam o social e o cultural,<br />

pressupondo que existem <strong>de</strong>terminados princípios que são universais no funcionamento das<br />

socieda<strong>de</strong>s. Por exemplo, as socieda<strong>de</strong>s baseiam-se em formas <strong>de</strong> negociação e <strong>de</strong> conflito –<br />

nunca nenh<strong>um</strong> po<strong>de</strong>r cultural <strong>é</strong> pacificamente partilhado por toda a gente. Don<strong>de</strong>, e para<br />

terminar, essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “homem na lua e <strong>de</strong> osso no nariz” acaba por pa<strong>de</strong>cer justamente <strong>de</strong>sse<br />

problema: não reconhecer que tanto o homem na lua como o homem que põe o osso no nariz<br />

são, <strong>de</strong> certa forma, resultado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a negociação. Existe <strong>um</strong> capital cultural importante nas socieda<strong>de</strong>s<br />

dos homens com <strong>um</strong> “osso no nariz” que não po<strong>de</strong> ser subestimado e ignorado, só por<br />

acharmos que <strong>é</strong> mais complexa e importante a ida do homem à lua. As duas coisas são<br />

necessárias e po<strong>de</strong>m-se fertilizar mutuamente.<br />

P.I. – N<strong>um</strong> artigo recente falava em “caviar para todos”, não lhe parece <strong>um</strong> projecto irrealista<br />

para as “socieda<strong>de</strong>s dos dois terços”?<br />

M.V.A. – É <strong>de</strong> facto <strong>um</strong> projecto basicamente irrealista, no sentido do termo. Ora o valor do<br />

pensamento <strong>é</strong> justamente permitir que se façam coisas no sentido <strong>de</strong>... o que interessa são as<br />

coisas que se vão conseguindo à medida que se tenta atingir <strong>um</strong> dado objectivo. Por outro lado <strong>é</strong><br />

evi<strong>de</strong>nte que a imagem “caviar para todos” <strong>é</strong> impossível e inviável, quanto mais não seja por<br />

razões ecológicas... A i<strong>de</strong>ia que se encontra por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> tal imagem <strong>é</strong> nós – a Esquerda...<br />

P.I. – <strong>Bem</strong>, Esquerdas há muitas...<br />

M.V.A. – Esquerda “lato senso” – ou a esquerda com qual me i<strong>de</strong>ntifico – não cairmos n<strong>um</strong><br />

erro trágico que <strong>é</strong> reconhecermos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong>rrotista que existem coisas que não se po<strong>de</strong>m<br />

transformar. <strong>Este</strong> erro teria como resultado aceitarmos como inevitável <strong>um</strong>a imensa maioria <strong>de</strong><br />

excluídos e <strong>um</strong>a pequena maioria <strong>de</strong> pessoas com conforto, com acesso aos bens que a h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong><br />

inventou, ao “homem da lua” <strong>de</strong> que falávamos há pouco. Esta postura <strong>de</strong>rrotista <strong>é</strong> muito<br />

perigosa porque em última análise leva a governos dispostos apenas a pequeníssimas<br />

transformações políticas. A morte da utopia no pensamento social-<strong>de</strong>mocrata – ou seja aquele<br />

que o PS e a social-<strong>de</strong>mocracia têm – teve como consequência a invenção apenas <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong><br />

gestão e contenção da exclusão social. Eu acho que <strong>é</strong> necessário algo mais. Nomeadamente garantir<br />

que o princípio fundamental seja a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s. Assim, n<strong>um</strong>a linguagem<br />

metafórica, o “caviar para todos” significa garantir que as pessoas à partida sintam que não têm<br />

<strong>um</strong> estigma social <strong>de</strong> tal forma profundo que as impeça <strong>de</strong> sequer pensar na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comer “caviar” – por “caviar” enten<strong>de</strong>-se, por exemplo, acesso ao ensino superior, acesso a <strong>um</strong><br />

sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> eficiente, a <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> justiça c<strong>é</strong>lere, etc. Ou seja, o importante <strong>é</strong> que o<br />

mecanismo <strong>de</strong> selecção social seja outro e não a exclusão à partida por via da marginalização,<br />

da pobreza.<br />

P.I. – Mas, como no Oci<strong>de</strong>nte liberal são os tais “dois terços” que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m as eleições, não será<br />

que a Nova Esquerda nunca passará <strong>de</strong> <strong>um</strong> simples “clube <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias”?<br />

M.V.A. – Olhe, se não acharmos (como, aliás eu nunca o fiz) que são as transformações<br />

materiais (no sentido marxista do termo) que provocam as transformações <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, mas que<br />

pelo contrário, o mundo das i<strong>de</strong>ias <strong>é</strong> relativamente autónomo e tamb<strong>é</strong>m ajuda a provocar<br />

mutações no plano material (nomeadamente atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> transformações políticas que<br />

posteriormente organizam <strong>de</strong> forma diferente o material), então não há mal nenh<strong>um</strong> em<br />

pensarmos que <strong>de</strong>ve existir <strong>um</strong> sector <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> política que produza i<strong>de</strong>ias. No entanto as<br />

i<strong>de</strong>ias têm sempre que ganhar vida social. O que interessa <strong>é</strong> que esse mundo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias políticas<br />

inovadoras influencie o mais possível aquilo que se chama os “movimentos sociais”, mais do<br />

que os partidos. Os movimentos sociais têm a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> unir as pessoas <strong>de</strong> origens<br />

diferentes com interesses específicos: têm a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer “lobby” perante os partidos, os<br />

quais se ass<strong>um</strong>em como organizações estruturadas para a tomada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma legítima<br />

e, at<strong>é</strong> agora, insubstituível. Portanto, as i<strong>de</strong>ias são produzidas por pessoas que se<br />

especializam mas estão sempre a ser constantemente aferidas por movimentos sociais que<br />

pe<strong>de</strong>m i<strong>de</strong>ias para resolver os problemas que enfrentam; os problemas que os movimentos<br />

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