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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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mental <strong>de</strong> pelo menos 70% da população. Por outro lado, os asiáticos apresentam sempre<br />

melhores resultados que os brancos. O que <strong>é</strong> que isto lhe diz?<br />

MVA – Em primeiro lugar, tem <strong>de</strong> se pôr em causa o crit<strong>é</strong>rio <strong>de</strong> medição da inteligência, que <strong>é</strong><br />

à partida <strong>um</strong>a escolha baseada em i<strong>de</strong>ias feitas. A outra questão, óbvia, <strong>é</strong> a sociológica: quem <strong>é</strong><br />

que são as pessoas “medidas”? Estão todas <strong>de</strong>ntro do mesmo nível social? Mas aquilo <strong>de</strong> que<br />

duvido mais <strong>é</strong> do próprio conceito <strong>de</strong> QI e da sua utilida<strong>de</strong>, já que <strong>é</strong> criado a partir <strong>de</strong> premissas<br />

culturalmente transmissíveis. Se pertenço a <strong>um</strong> grupo para quem as questões colocadas não<br />

fazem sentido, não fizeram parte da minha aprendizagem, estou fora do jogo. Mas ainda há <strong>um</strong>a<br />

questão mais radical: como <strong>é</strong> que i<strong>de</strong>ntifico as pessoas que vou analisar como sendo brancas,<br />

negras ou outra coisa qualquer? Esses estudos acontecem muito nos EUA, on<strong>de</strong> <strong>é</strong> suposto as<br />

pessoas terem <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntificação racial específica que <strong>é</strong> <strong>de</strong>finida atrav<strong>é</strong>s da genealogia e on<strong>de</strong> se<br />

aceita <strong>um</strong>a coisa a que se chama o “one drop rule”: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se tenha “<strong>um</strong>a gota <strong>de</strong> sangue<br />

negro” – e esta metáfora <strong>é</strong> muito importante -, <strong>é</strong>-se consi<strong>de</strong>rado negro. É <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> teoria<br />

da contaminação.<br />

NM – Como a que os nazis estabeleceram em relação aos ju<strong>de</strong>us.<br />

MVA – Sim, e isso significa que a partir disso a pessoa tem esse estigma, ou essa vantagem,<br />

caso assim a consi<strong>de</strong>re. Mas há locais on<strong>de</strong> <strong>é</strong> impossível estabelecer essa distinção entre pessoas<br />

brancas e negras, como o Brasil. Lá a <strong>de</strong>finição da “negritu<strong>de</strong>” ou “branquitu<strong>de</strong>” da pessoa <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />

processo negociado na interacção social, só existe se o próprio se afirmar como tal. Não <strong>é</strong> que<br />

não haja racismo no Brasil, <strong>é</strong> outra questão: há <strong>um</strong> tabu em relação à raça porque existe a<br />

fantasia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> harmonia racial. O caso <strong>é</strong> interessante porque <strong>de</strong>monstra a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> crit<strong>é</strong>rio exterior objectivo. A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pessoa como negra,<br />

n<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> com muita miscigenação...<br />

NM – No contexto <strong>de</strong> <strong>um</strong> discurso que recusa a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> raça, miscigenação não <strong>é</strong> <strong>um</strong>a palavra<br />

proibida?<br />

MVA – Sim, claro... Isto <strong>é</strong> o velho problema das prisões discursivas. Acontece que temos <strong>um</strong><br />

lote <strong>de</strong> palavras para usar, e as palavras têm <strong>um</strong>a história. E quando tentamos criticá-las, e criar<br />

novas palavras, isso nem sempre funciona.<br />

N M – É a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> base do politicamente correcto...<br />

MVA – Que tem a sua importância, não sou completamente contra. É que nós enten<strong>de</strong>mos o<br />

mundo atrav<strong>é</strong>s da linguagem e agimos sobre o mundo atrav<strong>é</strong>s do discurso. Mas não po<strong>de</strong>mos<br />

inventar tudo <strong>de</strong> novo.<br />

NM – Vou então ser politicamente incorrecta: <strong>um</strong> dos arg<strong>um</strong>entos utilizados tanto por aqueles<br />

que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a “inferiorida<strong>de</strong>” dos negros como pelos negros para reiterar o orgulho da “raça”<br />

<strong>é</strong> o facto <strong>de</strong> haver tantos negros em evidência nas competições <strong>de</strong> atletismo, por exemplo. Os<br />

primeiros vêem isso do prisma da “animalida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que a <strong>um</strong> corpo mais<br />

performativo correspon<strong>de</strong> <strong>um</strong>a mente inferior...<br />

MVA – Há <strong>um</strong>a coisa básica implícita nessa questão, que <strong>é</strong> <strong>um</strong> velho processo começado há<br />

muitos s<strong>é</strong>culos no pensamento oci<strong>de</strong>ntal que formata as ciências e a forma <strong>de</strong> pensar o mundo,<br />

que <strong>é</strong> a velha distinção entre corpo e mente em que tudo o que <strong>é</strong> remetido para o corpo faz parte<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a categoria inferior. Isso foi feito em termos raciais, com os negros: há <strong>um</strong> remetimento<br />

para o corpo, para a festa, para a sexualida<strong>de</strong>. Claro que as aptidões gen<strong>é</strong>ticas, as capacida<strong>de</strong>s fisicas,<br />

os traços do corpo existem. E <strong>um</strong> ou vários <strong>de</strong>les po<strong>de</strong>m coincidir, do ponto <strong>de</strong> vista<br />

estatístico, com certos aspectos exteriores do fisico que são utilizados nas classificações raciais.<br />

É <strong>um</strong>a mistura entre processos <strong>de</strong> transmissão gen<strong>é</strong>tica, condições ambientais e aspectos<br />

sociológicos.<br />

NM – Por exemplo os ju<strong>de</strong>us – bem entendido, os que chamam a si próprios ju<strong>de</strong>us -, têm <strong>um</strong><br />

enorme orgulho no facto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da ciência oci<strong>de</strong>ntal ser construída com base nos<br />

“c<strong>é</strong>rebros ju<strong>de</strong>us”. Usar esse raciocínio p<strong>é</strong>la positiva implica a hipótese <strong>de</strong> o usar pela negativa.<br />

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