13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

se reconhecem sociologicamente nela. Um programa que po<strong>de</strong> ser subscrito por muitos sectores<br />

do PS e do PCP, bem como pelos segmentos urbanos <strong>de</strong> classe m<strong>é</strong>dia e que, aceitando a lógica<br />

da economia do mercado, não aceitam a lógica da socieda<strong>de</strong> do mercado (n<strong>um</strong>a frase<br />

abusivamente usada por Guterres). Do que este programa não precisa <strong>é</strong> da retórica e atitu<strong>de</strong> da<br />

esquerda revolucionária, por <strong>um</strong> lado, e da retórica e atitu<strong>de</strong> do republicanismo jacobino, por<br />

outro.<br />

As autárquicas foram o sinal <strong>de</strong> aviso: da erosão do sistema político-partidário da jovem<br />

<strong>de</strong>mocracia portuguesa; e da erosão das divisões do arco-íris da esquerda. Infelizmente, em<br />

Março nada disto ficará <strong>de</strong>finido. As eleições vão ser feitas à pressa e o sistema continuará,<br />

porque os eleitores ainda só castigam usando as armas do próprio sistema, isto <strong>é</strong>, reforçando a<br />

bipolarização e o fulanismo. Muito provavelmente ainda teremos, por mais quatro anos, <strong>um</strong><br />

governo que, sendo do PS ou do PSD, será dirigido por burocratas sem chama ou, pior ainda,<br />

por Berlusconis <strong>de</strong> última hora. Torna-se, por isso, importante que o próximo governo não conte<br />

com <strong>um</strong>a maioria absoluta e que os que contribuam para a evitar tenham <strong>um</strong> programa<br />

claríssimo <strong>de</strong> reformas. Depois das eleições – preferencialmente sem maioria absoluta, e com<br />

<strong>de</strong>putados do Bloco <strong>de</strong> Esquerda no parlamento – as esquerdas vão ter que arr<strong>um</strong>ar a casa. Caso<br />

contrário, serão os portugueses a arr<strong>um</strong>ar a casa à esquerda, <strong>de</strong>sistindo da política e entregandose<br />

às estrat<strong>é</strong>gias protectoras da família, do cons<strong>um</strong>o e do individualismo – e com razão.<br />

Com o estrondoso falhanço do PS e com os tiques esquerdistas da restante Esquerda, per<strong>de</strong>u-se<br />

a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inventar <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira social-<strong>de</strong>mocracia à portuguesa. Mas não <strong>é</strong> verda<strong>de</strong><br />

que quando se per<strong>de</strong> tudo o único caminho que resta <strong>é</strong> “começar <strong>de</strong> novo”?<br />

“Euro”<br />

(Webpage, 21.01.01)<br />

“Isso dos euros, eu ainda percebo. O pior <strong>é</strong> a outra coisa, os... centímetros”, dizia <strong>um</strong>a mulher,<br />

n<strong>um</strong>a reportagem televisiva sobre a chegada do euro. Velha, a senhora? Camponesa, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a<br />

al<strong>de</strong>ia do interior? Não: na casa dos trinta, suburbano-lisboeta. Pensava eu que coisas <strong>de</strong>stas só<br />

na TV. At<strong>é</strong> que.<br />

At<strong>é</strong> que resolvi sair à rua só com euros. A minha primeira transacção consistiu no pagamento do<br />

pequeno almoço n<strong>um</strong> mo<strong>de</strong>sto caf<strong>é</strong> do meu bairro. Tamb<strong>é</strong>m ele mo<strong>de</strong>sto, diga-se <strong>de</strong> passagem,<br />

n<strong>um</strong>a <strong>de</strong>ssas zonas da cida<strong>de</strong> antiga com elevadas percentagens <strong>de</strong> reformados e jovens<br />

<strong>de</strong>socupados. Primeiro pensei que tudo correria bem, pois o dono do caf<strong>é</strong> começou por dar-me<br />

<strong>um</strong>a nota <strong>de</strong> 5 como troco. Mas como faltassem alg<strong>um</strong>as moedas, resolveu completar o troco<br />

com escudos. Insisti no facto <strong>de</strong> que não queria andar com duas moedas na carteira.<br />

Contrariado, vasculhou uns sacos <strong>de</strong> plástico com euros. Na boa tradição portuguesa ofereci-me<br />

para acrescentar alguns cêntimos ao meu pagamento <strong>de</strong> modo a arredondar o troco. Confusão<br />

geral: ele acabaria por me dar o dobro do que eu tinha a haver. E quando regressei ao caf<strong>é</strong> para<br />

lhe <strong>de</strong>volver o exce<strong>de</strong>nte, a única coisa que encontrou para me dizer (em vez <strong>de</strong> <strong>um</strong> simples<br />

“obrigado”) foi: “Mas há qualquer coisa aqui que ainda não está bem”. Não po<strong>de</strong>ria ter sido<br />

mais certeiro.<br />

Na tar<strong>de</strong> do mesmo dia, paro n<strong>um</strong> outro caf<strong>é</strong>, <strong>de</strong>sta vez para comprar <strong>um</strong>a ninharia. O preço <strong>é</strong>me<br />

comunicado imediatamente em escudos: 130. “Só tenho euros”, respondo. “Ah, em euros <strong>é</strong><br />

65 cêntimos. Está aqui escrito”. Desta vez resolvo jogar fácil, dando-lhe <strong>um</strong>a moeda <strong>de</strong> 1 euro.<br />

“Ora, 1 euro, 1 euro <strong>é</strong>... 200 escudos, portanto...”, começou o senhor a titubear, à medida que ia<br />

empali<strong>de</strong>cendo. “Portanto, tenho a dar-lhe 200 menos 65,... 135!”, disse, triunfante. Quando<br />

retorqui que não, não senhor, tinha que me dar, isso sim, 35 cêntimos, não houve maneira <strong>de</strong> me<br />

fazer enten<strong>de</strong>r. A cara do senhor passara <strong>de</strong> branca a lívida. Gaguejava. Não percebeu a<br />

prelecção, que então fiz, sobre o sistema centesimal. Para ele, <strong>um</strong> euro eram 200 escudos, mas a<br />

noção <strong>de</strong> que era tamb<strong>é</strong>m 100 cêntimos parecia-lhe absurda. No fim – e manifestamente<br />

105

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!