13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

questão <strong>de</strong> categorização. As categorias mudam com os tempos e, em cada tempo, os indivíduos<br />

ou as aceitam, ou as criticam. Para quê aceitar, sem mais, o guião que nos <strong>é</strong> dado? Porque não<br />

olhar para as coisas <strong>de</strong> outra maneira? Foi então que percebi que esta coisa dos 40 po<strong>de</strong>ria ser<br />

<strong>um</strong> segundo “coming of age”.<br />

Esta expressão americana refere o processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> consciência da tensão entre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

pessoal e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social. Se aos 40 se experimentou já tudo aquilo que o primeiro “coming of<br />

age” havia prenunciado, o melhor <strong>é</strong> fazer <strong>um</strong> balanço e começar tudo <strong>de</strong> novo. A gran<strong>de</strong><br />

diferença entre o primeiro e o segundo “coming of age” <strong>é</strong> que no primeiro o futuro parece<br />

infinito, no segundo limitado. O primeiro permite fazer asneiras, o segundo obriga à cautela. No<br />

segundo “coming of age” po<strong>de</strong>m contrapor-se elementos <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> aos elementos da<br />

crise. A consciência acrescida da mortalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>, afinal, ajudar a gozar melhor a vida; o<br />

cinismo gerado pelos <strong>de</strong>saires amorosos po<strong>de</strong> ser substituído pela esperança quando nos<br />

abrimos a <strong>um</strong>a nova paixão; as alterações na saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ensinar a viver com menos stress; e o<br />

trabalho realizado po<strong>de</strong> ser reavaliado criticamente e reiniciado com calma.<br />

É claro que nada disto <strong>é</strong> fácil. No fundo, no fundo, gostaríamos todos <strong>de</strong> ter entre 20 e 30 anos.<br />

De preferência para sempre. Mas isso seria aceitar com <strong>de</strong>masiada facilida<strong>de</strong> as categorias<br />

etárias que nos são impostas. Seria dar <strong>de</strong>masiada importância à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> crise e <strong>de</strong>sperdiçar a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inventar a própria vida, para lá dos guiões que nos são propostos.<br />

De portas abertas<br />

(“Portugal Diário”, 2001)<br />

No regresso das f<strong>é</strong>rias, confrontar-nos-emos com dois dilemas políticos. O primeiro dirá<br />

respeito à incógnita em torno da convocação <strong>de</strong> eleições antecipadas. O segundo dirá respeito às<br />

eleições autárquicas. Os dois estão mais ligados do que parece. Tudo indica que o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República não se sentirá à vonta<strong>de</strong> para convocar eleições. Des<strong>de</strong> logo, porque <strong>é</strong> provável que o<br />

orçamento venha a ser aprovado, consolidando-se assim a política do “queijo limiano”. E<br />

porque o PSD não está ainda preparado para exigir o fim do reinado socialista. Daí que as<br />

eleições autárquicas fiquem contaminadas pelos fantasmas do fim <strong>de</strong> regime PS e pelas<br />

incógnitas sobre o que virá a seguir. Nada <strong>de</strong> novo nisto, po<strong>de</strong>ria dizer-se: as eleições<br />

autárquicas têm sido autênticas sondagens intercalares sobre a política nacional, sobretudo no<br />

caso <strong>de</strong> Lisboa que, como capital macroc<strong>é</strong>fala, marca a agenda política do país.<br />

Para os lisboetas que se colocam à esquerda, as eleições autárquicas vão ser <strong>um</strong> tormento. Por<br />

<strong>um</strong> lado, porque na capital a experiência única <strong>de</strong> aliança PS-PC se foi <strong>de</strong>sgastando ao longo do<br />

governo <strong>de</strong> João Soares, <strong>de</strong>spoletando o fantasma <strong>de</strong> <strong>um</strong>a eventual conquista da CML pelo PSD<br />

e por Santana Lopes. Por outro, porque a candidatura <strong>de</strong> <strong>Miguel</strong> Portas po<strong>de</strong> parecer<br />

divisionista, para al<strong>é</strong>m <strong>de</strong> estar irremediavelmente marcada pelo efeito <strong>de</strong> espelho com a do<br />

irmão Paulo Portas.<br />

A experiência <strong>de</strong> aliança PS-PC gerou, sem dúvida, <strong>um</strong>a dinâmica nova na cida<strong>de</strong>, retirando-a<br />

do marasmo provinciano legado por Abecassis e pelos anteriores governos. Apoiei o governo <strong>de</strong><br />

Jorge Sampaio e reconheço os progressos que a capital registou nalguns sectores. Acontece,<br />

todavia, que as características <strong>de</strong> esquerda da câmara se diluíram <strong>de</strong> forma assustadora: ela não<br />

soube travar a <strong>de</strong>sertificação da cida<strong>de</strong>, não soube resolver o problema do trânsito, não soube<br />

implementar políticas <strong>de</strong> contenção da pobreza e da marginalida<strong>de</strong>, não soube gerar <strong>um</strong>a<br />

dinâmica <strong>de</strong> multiculturalismo e cosmopolitismo que fosse mais longe do que a retórica. O<br />

resultado continua a ser <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> difícil para viver. O charme <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Lisboa po<strong>de</strong>rá<br />

seduzir os turistas mas torna-se insuportável para os lisboetas, crescendo o número <strong>de</strong> carros ao<br />

mesmo tempo que os pr<strong>é</strong>dios se <strong>de</strong>gradam, as ruas se sujam e esburacam e se instala o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento imobiliário <strong>de</strong> padrão terceiro-mundista. Não <strong>é</strong> isso a esquerda, que se quer<br />

igualitária e redistributiva, ecologista e cosmopolita, <strong>de</strong>mocrática e próxima dos cidadãos.<br />

83

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!