13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

catástrofes políticas: por <strong>um</strong> lado, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que há <strong>um</strong>a hierarquia qualitativa <strong>de</strong> culturas; por<br />

outro, o relativismo <strong>de</strong>sbragado, que diz serem todas as culturas igualmente válidas.<br />

Nem a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os recentes acontecimentos <strong>de</strong>monstram que há culturas melhores que<br />

outras, nem a que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que <strong>de</strong>vemos “respeitar” at<strong>é</strong> ao limite a diferença, são válidas.<br />

Nenh<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> portadora <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura ou civilização está isenta <strong>de</strong> crimes cometidos em<br />

nome da sua superiorida<strong>de</strong> (pensemos igualmente no Holocausto e no atentado <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong><br />

Setembro); nenh<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> (e muito menos <strong>um</strong>a cultura) tem agência, mas sim grupos e<br />

indivíduos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la; o que preguiçosamente chamamos cultura ou civilização <strong>é</strong> algo <strong>de</strong>finido<br />

por quem está no po<strong>de</strong>r n<strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado lugar e tempo, caso contrário não seria possível<br />

aceitar a diferença que vai entre <strong>um</strong> muçulmano h<strong>um</strong>anista e <strong>um</strong> talibã (ou entre <strong>um</strong> <strong>de</strong>mocrata<br />

e <strong>um</strong> neo-nazi). Por outro lado, o relativismo extremo <strong>é</strong> <strong>de</strong>smentido pelo facto <strong>de</strong>, no seio <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

qualquer grupo h<strong>um</strong>ano, haver sempre contestação: a excisão do clítoris em certas zonas <strong>de</strong><br />

África, por exemplo, <strong>é</strong> fortemente contestada por muitas mulheres, o que não significa que<br />

queiram <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se <strong>de</strong>finir como parte da sua “cultura” <strong>de</strong> origem.<br />

Não <strong>é</strong>, pois, no plano <strong>de</strong> <strong>um</strong>a discussão simplista <strong>de</strong> “cultura” ou “civilização” que o <strong>de</strong>bate<br />

<strong>de</strong>ve ser feito, mas sim no plano da política. O que interessa <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>é</strong> a <strong>de</strong>mocracia política<br />

como valor universal, ao qual aspiram pessoas <strong>de</strong> todos os quadrantes, <strong>de</strong>nominações e línguas.<br />

A <strong>de</strong>mocracia política não só po<strong>de</strong> como <strong>de</strong>ve coexistir com a diversida<strong>de</strong> cultural. É como a<br />

electricida<strong>de</strong>: algu<strong>é</strong>m (que não perca nada com ela) recusa tê-la? E, no entanto, tanto a<br />

<strong>de</strong>mocracia como a electricida<strong>de</strong> foram inventadas no Oci<strong>de</strong>nte, dir-me-ia <strong>um</strong> opositor. Com<br />

certeza que sim: só que a História do Oci<strong>de</strong>nte não foi feita no Oci<strong>de</strong>nte ou a partir <strong>de</strong> nada. Foi<br />

feita no contacto com o resto do mundo, em encontros e conflitos, e acabou sendo o precipitado<br />

positivo <strong>de</strong>sse processo, acessível a Oci<strong>de</strong>ntais e a todos os outros. Foi <strong>um</strong> precipitado positivo<br />

do Oci<strong>de</strong>nte e da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, assim como os houve negativos: Fukuyama, por exemplo,<br />

esquece que o Holocausto <strong>é</strong> tamb<strong>é</strong>m o resultado da aplicação, no limite, dos postulados do<br />

racionalismo científico e da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que se po<strong>de</strong> fazer <strong>um</strong>a engenharia social – duas<br />

características centrais da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, tal como o são a noção <strong>de</strong> Civilização, a noção <strong>de</strong><br />

Raças, <strong>de</strong> Oci<strong>de</strong>nte versus Oriente, etc..<br />

Quem apropria e populariza essa esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> pensamento d<strong>é</strong>bil, simplista, generalizador e pop<br />

produzido nalguns campus americanos está a reproduzir perigosamente arg<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> tipo<br />

fundamentalista, que remetem sempre a origem dos problemas – e, portanto, da sua solução –<br />

para fora da política (para fora do negócio dos interesses divergentes na busca do bem com<strong>um</strong>).<br />

Que os remetam para o divino ou para o cultural <strong>é</strong> a mesma coisa: estão a remetê-los para o<br />

campo do <strong>de</strong>terminismo, da essência, daquilo que os h<strong>um</strong>anos não po<strong>de</strong>m modificar.<br />

Sem título<br />

(Webpage, 6.10.01 b)<br />

Há dias em que só apetece dizer mal e contrariar as i<strong>de</strong>ias feitas e os consensos. Isso aconteceme<br />

frequentemente em relação a Lisboa. E agora que se aproximam as eleições autárquicas,<br />

gostaria que houvesse <strong>um</strong> candidato que viesse ao encontro dos meus piores instintos e que<br />

dissesse: “Sim, reconheço, Lisboa <strong>é</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> horrível, <strong>um</strong> buraco nojento nos limites do<br />

mundo civilizado e a única solução <strong>é</strong> implodi-la sem misericórdia”. E por aí fora (n<strong>um</strong> filme, o<br />

discurso raivoso da personagem má <strong>é</strong> sempre mais apetitoso que o da personagem boa).<br />

Os candidatos não po<strong>de</strong>m fazer isso. Limitam-se a “i<strong>de</strong>ntificar problemas”, a “responsabilizar os<br />

po<strong>de</strong>res pela má gestão”. Começam sempre os seus discursos e pap<strong>é</strong>is com frases po<strong>é</strong>ticas sobre<br />

as belezas da cida<strong>de</strong>, sobre a sua mística, sobre o seu carácter invejavelmente único. <strong>Este</strong><br />

discurso serve para criar i<strong>de</strong>ntificação: o potencial eleitor tamb<strong>é</strong>m acha que vive n<strong>um</strong> local<br />

espantosamente belo e agradável e gosta <strong>de</strong> sentir-se privilegiado por isso.<br />

94

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!